Ermance Dufaux
“Vosso apego aos bens
terrenos é um dos mais fortes entraves ao vosso adiantamento moral e
espiritual. Em virtude desse desejo de aquisição, destruís as vossas faculdades
afetivas, voltando-se inteiramente para as coisas materiais”.
Lacordair e (Constantina,
1863)
O EVANGELHO SEGUNDO O
ESPIRITISMO – Cap. XVI, Item 14
(tradução de J. Herculano Pires)
Materialismo é estado íntimo que
estabelece a rotina mental da esmagadora maioria das mentes no plano físico,
focando os interesses humanos, exclusivamente, naquilo que fere os cinco
sentidos. Postura e noções culturais se desenvolvem a partir desse estado
levando a criatura a adotar o mundo das sensações corporais como sendo a única
realidade.
O materialismo tem como base
afetiva o sentimento de segurança e bem-estar, expresso comumente por vínculos
de apegos e posse. Os reflexos mais conhecidos desses vínculos afetivos com a
vida material são a dependência e o medo, respectivamente.
Em essência, o interesse central
de todo materialista é tornar a vida uma permanência, manter para sempre o elo
com todas as criações objetivas que lhe “pertençam”, sejam coisas ou pessoas.
Contudo, a vida é regida pela lei da impermanência. Tudo é transformação e
crescimento. Algumas palavras que asseguram uma linha moral condizente com essa
lei são: maleabilidade, incerteza, relativização, diversidade, ecletismo,
pluralismo, alteridade, desprendimento, fraternidade, amor.
A volta do homem à vida corporal
tem por objetivo o seu melhoramento, o engrandecimento de seus conceitos ainda
tão reduzidos pela ótica das ilusões terrenas. Compreender que é um binômio
corpo/alma, que tem um destino, a perfeição, e que a vida na Terra é um
aprendizado são as lições que lhe permitiram romper com os estreitos limites da
visão materialista. Semelhantes conquistas interiores exigem preparo e
devotamento a fim de consolidarem-se como valores morais, capazes de leva-los a
cultivar projetos enobrecedores com os quais possa, pouco a pouco, renovar seus
hábitos de vida.
Muito esforço será pedido para o
desenvolvimento dessas qualidades espirituais no coração humano.
Uma semana na Terra é composta
de dez mil e oitenta minutos.
Tomando por base noventa minutos
como o tempo habitual de uma atividade espiritual voltada para a aquisição de
noções elevadas, e ainda levando em conta que raramente alguém ultrapassa o
limite de duas ou três reuniões semanais, encontramos um coeficiente de no
máximo duzentos e setenta minutos de preparo para implementação da renovação
mental, ou seja, pouco menos de três por cento do volume de tempo de uma semana
inteira. São nesses momentos que se angariam forças para interromper a rotina
mental do homem comum. Por isso necessitamos tanto das tarefas espirituais para
fixar valores, desenvolver novos hábitos e alimentar a mente de novas forças,
tendo em vista a espiritualização a qual todos devemos buscar em favor da
felicidade e da paz.
A superação da rotina
materialista exige esforço, mas também metas, ideais, comprometimento.
Por isso a melhora espiritual
não pode circunscrever-se a práticas religiosas ou a momentos de estudo e
oração. Imperioso será assumirmos o compromisso de mudança e elevação conosco
mesmo, se não tais iniciativas podem reduzir-se facilmente a experiências passageiras
de adesão superficial, sem raízes profundas nas matrizes do sentimento.
A reforma íntima solicita fazer
de nossas vidas um projeto. Um projeto de cumplicidade e amor!
Projeto de vida é outro nome da
“religião íntima”, a “religião da atitude”, do comprometimento. Sem isso, como
esperar que a simples frequência aos serviços do bem, nas fileiras da caridade
e da instrução, sejam suficiente para renovar a nossa personalidade construída
em milênios de repetição no “amor” aos bens terrenos?
E um projeto de mudança
espiritual não será tarefa infantil de traçar metas imediatistas de fácil
alcance para causar-nos a sensação de que aprimoramos com rapidez, mas sim o
resultado do esforço pessoal em sacrificar-se por ideais que motivem o nosso
progresso e que, a um só tempo, constituam a segurança contra o desânimo e a
invigilância. Ideais esses que se apresentam sempre à nossa caminhada como
convites da Divina Providência para que possamos sair do “lugar comum” à maioria
das criaturas. Razão pela qual sempre encontraremos obstáculos e pedregais nas
sendas da renovação espiritual. Isso porque aquele que realmente se elevar não deixa
de causar mudança no meio onde estagia, atraindo para si todas as reações favoráveis
e desfavoráveis aos ideais de ascensão. Isso faz parte de todo processo de espiritualização.
Não há como não haver reações que, por fim, porém, algumas vezes, ser sinais de
que nos encontramos em boa direção...
Cumplicidade e comprometimento
são as palavras de ordem no desafio do autoburilamento.
Evitemos, assim, confundir a
simples adesão a práticas doutrinárias ou ainda o acúmulo de cultura espiritual
como sendo iluminação e adiantamento, quando nada mais são que estímulos
valorosos para o crescimento. Lembremos que só terão valor real, na nossa
libertação, se deles soubermos extrair a parte essencial que nos compete
interiorizar no fortalecimento de nosso projeto de vida no bem.
Lacordaire é muito lúcido ao
afirmar que destruímos as faculdades de amar quando as reduzimos aos bens
materiais. O cultivo da paixão ao adiantamento espiritual é a solução para
todos os problemas da humanidade terrena, e o único caminho para um mundo
melhor. Quando aprendemos isso, verificamos que a existência, mesmo que
salpicada de problemas e dores, tem luz e vida porque plantamos na intimidade a
semente imperecível do idealismo superior , o qual ninguém pode nos roubar.
[1] Reforma Íntima sem Martírio – psicografado por Wanderley S. de Oliveira
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