Josh Gabbatiss - BBC Earth –
19/01/2017
Na visão de Jack Schultz, plantas são
"como animais muito lentos": conseguem ver, ouvir, cheirar e até têm
comportamentos.
Professor da Divisão de Ciências
Vegetais da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos, ele passou quatro
décadas investigando as relações entre vegetais e insetos.
Segundo o cientista, as plantas
lutam por território, procuram alimentos, evitam predadores e fazem armadilhas
para suas presas. Logo, estão vivas no mesmo sentido que os animais - assim
como eles, exibem condutas.
"Para ver isso, basta você
fazer um filme rápido de uma planta em crescimento - ela vai se comportar como
um animal", acrescenta Olivier Hamant, um cientista especializado em
vegetais da Universidade de Lion, na França.
Qualquer pessoa que tenha visto
documentários sobre a natureza, ao estilo de Life, de David Attenborough (ver https://www.youtube.com/watch?v=H9MV5CgPgIQ),
pode verificar que vídeos em time-lapse demonstram claramente o comportamento
das plantas.
As plantas registradas nessas
imagens em alta velocidade estão se movendo com um objetivo, o que significa
que elas devem ter alguma consciência do que está acontecendo em volta.
"Para responder
corretamente, as plantas também precisam de dispositivos de detecção
sintonizados às condições que variam", explicou Schultz.
Como humanos
Mas o que uma planta sente?
Se você acreditar no que afirma
Daniel Chamovitz, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, os sentimentos delas
não são tão diferentes dos nossos.
Quando decidiu escrever What a
Plant Knows ("O que uma Planta Sabe", em tradução livre), livro
lançado em 2012 no qual explora a vida delas com base em pesquisas científicas
rigorosas e avançadas, o cientista ficou apreensivo.
"Eu estava extremamente
preocupado com a reação que (o livro) iria causar", disse.
Tanta cautela tinha motivos. As
descrições em seu livro de plantas vendo, cheirando, sentindo e até sabendo o
que se passava à sua volta lembra A Vida Secreta das Plantas (de Peter Tompkins
e Christopher Bird), um livro publicado em 1973 que fez muito sucesso naquela
época, mas tinha pouca coisa em termos de fatos.
Uma das coisas que o livro
afirmava, na qual muitos ainda acreditam, é a ideia totalmente desacreditada
que as plantas reagem de forma positiva à música clássica.
Mas o estudo da capacidade de
percepção das plantas avançou muito desde a década de 1970, e nos últimos anos
houve um aumento nas pesquisas sobre o assunto.
A motivação para esse trabalho
não foi simplesmente demonstrar que "as plantas também têm
sentimentos", mas também tentar saber por que e como uma planta sente seu
ambiente.
Audição
Heidi Appel e Rex Cocroft,
colegas de Schultz em Missouri, estão tentando descobrir a verdade a respeito
da audição das plantas.
"A principal contribuição
de nosso trabalho foi fornecer uma razão para as plantas serem afetadas pelo
som", disse Appel.
Uma sinfonia de Beethoven não
causa muita coisa em uma planta, mas a aproximação de uma lagarta faminta é
outra história.
Em suas experiências, Appel e
Cocroft descobriram que gravações do barulho que as lagartas fazem ao mastigar
fizeram as plantas inundarem suas folhas com defesas químicas para afastar
predadores.
"Mostramos que plantas
respondiam a um 'som' de relevância ecológica", disse Cocroft.
E a relevância ecológica é a
chave. Consuelo de Moraes, do Insituto Federal de Tecnologia da Suíça, em
Zurique, e colaboradores demonstraram que além de ouvir insetos se aproximando,
algumas plantas também podem sentir o cheiro deles, ou sentir o cheiro de
sinais voláteis emitidos por plantas próximas em resposta a eles.
Em 2006 ela demonstrou como uma
planta parasita, a Cuscuta europaea,
consegue farejar um hospedeiro em potencial. A espécie de videira avança pelo
ar e se enrola em volta de seu hospedeiro, extraindo seus nutrientes.
Em termos conceituais, não há
muito que difere essas plantas de nós. Elas sentem o cheiro ou ouvem algo e
então reagem, assim como os humanos.
Mas existe uma diferença
importante, é claro.
"Na verdade não sabemos o
quanto os mecanismos de percepção de odores das plantas são parecidos com os
dos animais, já que não sabemos muito sobre esses mecanismos nelas", disse
Moraes.
De fato: nós temos narizes e
orelhas. Mas, e uma planta?
A falta de órgãos sensoriais
óbvios torna mais difícil o entendimento dos sentidos delas. Nem sempre este é
o caso - os fotorreceptores, que as plantas usam para "ver", por
exemplo, são bem estudados -, mas com certeza esta é uma área
que precisa de mais pesquisa.
Appel e Cocroft esperam
descobrir que parte ou partes da planta respondem a sons.
Os candidatos mais prováveis são
as proteínas mecanorreceptoras encontradas em todas as células delas. Estas
microdeformações ainda podem reagir ao barulho de insetos.
Tudo indica que, para uma
planta, não há necessidade de algo tão incômodo como uma orelha.
'Sexto sentido'
Outra habilidade que nós e
plantas temos é a propriocepção, o "sexto sentido" que permite que
saibamos onde as várias partes de nosso corpo estão no espaço.
Pelo fato desse sentido não ser
intrinsecamente ligado a um órgão em animais - depende de um circuito de
retorno entre os mecanorreceptores e o cérebro -, a comparação com as
plantas é mais clara.
Os detalhes moleculares são um
pouco diferentes dos nossos, mas elas também têm mecanorreceptores que detectam
mudanças em seu ambiente e respondem de acordo.
"A ideia geral é a
mesma", disse Olivier Hamant, que foi coautor de uma pesquisa de avaliação
de propriocepção em 2016.
"Até agora sabemos que (a
propriocepção) em plantas tem mais a ver com os microtúbulos (componentes
estruturais da célula), respondendo ao esticamento e deformação mecânica."
Na verdade, um estudo publicado
em 2015 parece mostrar semelhanças que vão ainda mais longe, sugerindo que a
proteína actina -
componente importante do tecido muscular - tem um papel importante
na propricepção das plantas.
"Isso não tem tanta base,
mas há algumas provas de que as fibras de actina em tecido estão envolvidas,
quase como músculo", explicou Hamant.
Paralelos
Essas descobertas não são
únicas. Enquanto as pesquisas no sentido das plantas avançaram, os
pesquisadores começaram a descobrir padrões repetidos que dão pistas de
paralelos mais profundos com animais.
Em 2014, uma equipe da
Universidade de Lausanne, na Suíça, mostrou que, quando uma lagarta ataca uma
planta Arabidopsis, ela desencadeia
uma onda de atividade elétrica.
A presença de sinais elétricos
em plantas não é uma ideia nova - o fisiologista John Burdon-Sanderson
propunha ainda em 1874 que eles eram um mecanismo usado pela planta carnívora
dioneia (ou vênus-papa-moscas).
Mas o que surpreende mais é o
papel de moléculas chamadas receptoras de glutamato - o mais importante
neurotransmissor em nosso sistema nervoso central, que tem exatamente o mesmo
papel em plantas, exceto por uma diferença crucial: plantas não têm sistema
nervoso.
"A biologia molecular e o
genoma nos mostram que plantas e animais são compostos de um número
surpreendentemente limitado de 'blocos de construção' moleculares, que são
muito parecidos", explicou Fatima Cvrcková, pesquisadora na Universidade
Charles, em Praga, na República Tcheca.
Comunicações elétricas evoluíram
de duas formas diferentes, cada vez usando uma série de blocos de construção
que podem datar de antes da separação entre plantas e animais, há cerca de 1,5
bilhão de anos.
"A evolução levou a um
certo número de mecanismos potenciais para comunicação, e você até pode chegar
a isso de formas diferentes, mas o fim ainda é o mesmo", contou Chamovitz.
'Inteligência das
plantas'
A percepção da existência dessas
semelhanças e que as plantas têm uma habilidade muito maior de sentir o mundo
do que as aparências sugerem levou a algumas teorias sobre "inteligência
das plantas" e até gerou uma nova disciplina.
Sinais elétricos em plantas
foram um dos fatores principais do nascimento da "neurobiologia
vegetal" (um termo usado apesar da falta de neurônios das plantas) e hoje
há pesquisadores estudando áreas não tradicionais no estudo de vegetais como
memória, aprendizado e resolução de problemas.
Essa forma de pensar até levou
legisladores na Suíça a estabelecer diretrizes para proteger a "dignidade
das plantas", seja lá o que isso quer dizer.
E enquanto muitos consideram os
termos "inteligência das plantas" ou "neurobiologia
vegetal" como metafóricos, outros fazem críticas. Até mesmo Chamovitz.
"Se eu acho que plantas são
inteligentes? Acho que plantas são complexas", responde.
Para o pesquisador, complexidade
não deve ser confundida com inteligência.
Limites
É útil descrever plantas em
termos antropomórficos para facilitar a explicação de ideias. Mas há limites.
O risco é que as plantas acabem
sendo vistas como versões inferiores dos animais, o que é errado.
"Nós, pesquisadores das
plantas, ficamos felizes em falar sobre as semelhanças e diferenças entre os
estilos de vida das plantas e dos animais quando apresentamos os resultados de
alguma pesquisa sobre plantas para o público", disse Cvrcková.
No entanto, ela acredita que
usar essas metáforas para descrever plantas tem um preço.
"Você quer evitar (essas
metáforas), a não ser que você esteja interessado em um debate (geralmente
inútil) sobre se as cenouras conseguem ou não sentir dor quando são
mordidas."
Adaptação
Plantas são extremamente
adaptadas para fazer exatamente o que precisam. Elas podem não ter um sistema
nervoso, mas superam isso em outras áreas.
Por exemplo: apesar de não ter
olhos, plantas como a Arabidopsis têm
pelo menos 11 tipos de fotorreceptores.
Nós temos apenas quatro. Isso
significa que, de certa forma, a "visão" delas é mais complexa que a
nossa.
A verdade é que as plantas têm
prioridades diferentes das nossas, e seus sistemas sensoriais refletem isso.
Como Chamovitz afirma em seu
livro "luz, para uma planta, é muito mais do que um sinal; luz é
comida".
As plantas podem enfrentar os
mesmos desafios que os animais, mas suas necessidades sensoriais também são
moldadas pelas coisas que as diferenciam.
"O enraizamento das
plantas, o fato de elas não se moverem, significa que elas precisam ser muito
mais atentas ao ambiente onde vivem do que eu ou você", explicou
Chamovitz.
Para entender totalmente como as
plantas percebem o mundo, é importante que os cientistas e o público em geral
apreciem os vegetais pelo que eles são.
"O risco é, se continuarmos
comparando (plantas) com animais, não percebermos o valor das plantas",
disse Hamant.
"Gostaria de ver as plantas
reconhecidas mais como os seres vivos incríveis, interessantes e exóticos que
são e menos como apenas uma fonte de nutrição e biocombustíveis para os
humanos", acrescentou Cvrcková.
Esse tipo de atitude pode
beneficiar a todos. Genética e eletrofisiologia são apenas alguns exemplos de
áreas que começaram com pesquisas em plantas e provaram ser revolucionárias para
a biologia como um todo.
Por outro lado, perceber que
temos algumas coisas em comum com as plantas pode ser uma oportunidade para
aceitar que somos mais parecidos com elas do que gostamos de imaginar, assim
como as plantas são mais parecidas com os animais do que nós pensamos.
Para Chamovitz, as semelhanças
devem nos alertar para a surpreendente complexidade das plantas e para os
fatores em comum que conectam todas as formas de vida na Terra.
"Então poderemos começar a
apreciar a união na biologia."
Nenhum comentário:
Postar um comentário