A Senhora Mercedes Nunes, desde
muito chamada à tarefa espiritual, não se adaptara aos serviços mediúnicos, aos
quais fora conduzida para o trabalho de redenção.
Os companheiros de Doutrina
esforçavam-se para despertar-lhe a noção de responsabilidade e os benfeitores
desencarnados rodeavam-na de apelos e incentivos.
Dona Mercedes, porém, não
obstante as nobres qualidades que lhe exornavam o caráter, não se conformava:
- Sou extremamente nervosa,
costumava dizer, não me resigno a determinadas situações!
- Mas, a senhora não vê as
entidades espirituais, não lhes ouve as advertências diretas? Perguntava um
amigo bem intencionado.
- Sim, sim, respondia
confundida, não alimento qualquer dúvida. Os Espíritos conversam comigo
naturalmente. Ouço-lhes a palavra sábia e amiga, registrou-lhes os convites generosos.
Explicam-me os impositivos de trabalho, salientam a tarefa depositada em minhas
mãos; no entanto, vejo-me incapacitada, em vista do sistema nervoso deficiente.
A visão de almas sofredoras e de pessoas doentes me apavora. Causa-me
incoercível mal-estar e indizível temor. E, por outro lado, caso se operasse o
meu desenvolvimento mediúnico de que modo poderia eu satisfazer as filas
intermináveis de mendigos, aflitos e desesperados da sorte que realmente, não
posso, não me sinto preparada...
Perante afirmativas tão
peremptórias, os melhores amigos se recolhiam ao silêncio, desapontados.
Se Dona Mercedes, guardando
valores medianímicos tão extensos, se declarava incapaz de movimentar o patrimônio
espiritual com que fora agraciada pelo Alto, que fazer senão aguardar a
renovação de atitudes, por parte dela própria?
O marido, sumamente devotado aos
serviços da caridade cristã, rogava-lhe, com insistência:
- Mercedes, por que não nos
consagramos à missão da fraternidade e da luz? Não concordas, querida, que a
inexistência de filhos em nosso jardim conjugal é forte argumento a favor de
minha interrogação? Estamos quase sós, dispomos de belas oportunidades de tempo
e expressivos recursos materiais. Por que não nos dedicarmos à sementeira do
bem?
Quantas dores poderemos aliviar,
quanto consolo a distribuir! Além de tudo, Mercedes, a vida pede idealismo
criador.
- Ora, Joaquim, acentuava a
esposa ferida no amor-próprio, e meus nervos?
E denunciando a recôndita má vontade,
acrescentava:
- Receio, igualmente, as
mistificações, as contrariedades... Abertas as portas de nossa casa às
incursões públicas, não teríamos sossego... Não pertenceríamos ao lar, que
passaria, de imediato, à condição de propriedade alheia... A pretexto de
praticar o bem, seríamos fatalmente arrastados a escuro turbilhão.
- Não tanto objetava o
companheiro, previdente, aprenderíamos a aproveitar os minutos, atrairíamos
grande família pelos laços do coração e estaríamos, sem dúvida, adquirindo a preciosa
ciência do controle próprio.
A esposa, entretanto, revidava,
irritadiça:
- E meus nervos doentes?
Impossível!
Joaquim sorria, algo
desencantado, e continuava observando:
- Não transformes pequenos
dissabores em fantasmas. Assinalemos a obra de nossa própria elevação, ainda
por fazer; vejamos, antes de tudo, as necessidades de cooperação com o Cristo!
Dona Mercedes, no entanto,
interceptava-lhe as palavras, clamando, intempestiva:
- Minha saúde não permite.
Não disponho de enfibratura nervosa para tolerar a contemplação de entidades desiquilibradas
do outro mundo, nem resistência para acomodar-me com os enfermos deste...
Positivamente, não posso...
Como o esposo a fitasse
serenamente, sem reprovação e sem desalento, concluía, enfadada:
- É assunto para outra
reencarnação...
Nas reuniões doutrinárias era
amparada por advertências sublimes.
- Mercedes, minha filha, escrevia-lhe
a mãezinha carinhosa, que desde muito, a procedera no túmulo, vale-te da
presente oportunidade para a renovação em Jesus. A reforma interior reclama
trabalho, sacrifício e constantes demonstrações de boa-vontade. Lembra-te de
que o Senhor foi altamente magnânimo para contigo, abrindo-te as portas a
soberanas edificações espirituais. Acalma os impulsos nervosos e coopera com os
teus irmãos na fé, alicerçando o futuro divino. Ninguém trai, impunemente, os
deveres essenciais a cumprir. Por que a irritabilidade perante a dor?
Porventura dela estaríamos isentos? O obstáculo é serviço educativo para aquele
que o encontra e para quem ajuda a soluciona-lo. Grandes sofrimentos significam
grandes e abençoadas renovações. É indispensável sondar o segredo da tempestade,
para que possamos receber-lhe a mensagem divina. Tremer ante as paisagens dolorosas
não representa sensibilidade construtiva. Precisamos firmeza no desempenho das obrigações
mais justas. Admitiras, acaso, a concessão celestial sem responsabilidade terrestre
ou as dádivas do Alto sem objetivo sagrado? Se enxergas aqueles que já penetraram
o país da morte e se lhes ouve a voz, é imperioso recordar que não deterias semelhantes
possibilidades sem fins valiosos. Colabora, pois, nas edificações do bem, aproveitando
o melhor tempo.
Dona Mercedes, no entanto,
apesar de receber as mensagens maternais, sentindo-lhes o conteúdo superior,
não se rendia à verdade.
Afirmava-se esgotada, abatida, exausta.
E como a Sabedoria Divina não
pode esperar pelos caprichos humanos, a fim de que se processe a obra do
aperfeiçoamento geral, os recursos mediúnicos da serva imprevidente minguaram,
pouco a pouco, fazendo-se cada vez mais imprecisos, até que desapareceram completamente,
com a passagem dos anos. Rolavam os dias, devagarinho, e Dona Mercedes
prosseguia atenta aos caprichos pessoais.
Continuava crente, recordava os
fenômenos observados por ela mesma, mas enquanto Joaquim se dedicava, quanto
lhe era possível, ao bem dos outros, a esposa refugiava-se nos pontos de vista
que lhe eram peculiares.
Não desejava preocupar-se nem
responsabilizar-se, para não agravar os padecimentos do corpo demasiado
sensível.
O tempo, entretanto,
encarregou-se de transformar-lhe a concepção doentia.
Quando a velhice lhes bateu a porta,
Joaquim partiu em primeiro lugar, com a paz do trabalhador fiel ao campo até ao
fim do dia.
Começou, então, a rude prova de
Dona Mercedes. A saudade amortalhou-lhe a alma na viuvez imprevista.
Onde se ocultava, agora, o
companheiro carinhoso? Sentia-se amargurada, sem ninguém. Estava em repouso físico,
no lar silencioso, adornado e calmo, como sempre desejara; no entanto, não
conseguia pacificar o íntimo. A solidão assustava-a. Suspirava pela companhia
de alguma afeição anônima que lhe mitigasse a fome de fraternidade. Pretendia ver
o esposo e receber-lhe a palavra amorosa e conselheira...
Como retomar as possibilidades
mediúnicas de outra época? Inquiria, tristonha.
Faces engelhadas, sob rala
cabeleira de neve, muito trêmula e esperançosa, dirigiu-se ao velho grupo
doutrinário, na ânsia de ouvir a mãezinha, de novo, já que se lhe fizera inacessível
à palavra do companheiro.
Reuniu-se apenas com a médium da
casa e mais duas irmãs. Pedia mensagens mais íntima, em renovada orientação
materna, de modo a solver o seu problema mediúnico.
Finda a sentida prece, a
genitora prestimosa tomou a palavra com saudações afáveis e doces.
Dona Mercedes, em pranto, expôs
o martírio do coração atormentado. Queria reapossar-se da clarividência.
Aguardava, ansiosa, o instante de rever o esposo inolvidável e contribuir na missão
da verdade e da luz.
A entidade afetuosa, em terna
quietude, deixou que a filha derramasse todo o fel que se lhe represava na alma
ulcerada e respondeu, por fim, em voz triste:
- Ah! Mercedes, por mais de
vinte anos, convidei teu coração à redentora tarefa! Por que te demoraste tanto
na decisão? Agora, filha, o dia está quase findo... Enferrujou-se a enxada, sem
a necessária e bendita utilização. Não quiseste nem mesmo combater as
impressões nervosas, vagas e infantis, acreditando mais na moléstia que na saúde.
O tempo não podia esperar por ti agora, é necessário que esperes pelo tempo!
- Deus meu! Exclamou a viúva, amargurada, será mesmo
impossível?
E ante as lágrimas convulsas,
respondeu a mãezinha, angustiadamente:
- Sim, minha filha, não te
posso enganar com o falso conforto, agora, é assunto para outra reencarnação.
[1] PONTOS E CONTOS - Pelo Espírito Irmão X –
Psicografado por Francisco C. Xavier
Nenhum comentário:
Postar um comentário