- Minha filha, dizia Dona
Matilde à Emilinha, é preciso atender ao problema espiritual, orientar o
sentimento à luz do Cristo. A existência terrestre oferece surpresas inúmeras e
almas desprevenidas costumam cair, desastradamente. Não podemos prescindir da
vigilância.
A jovem, depois de gargalhar
ironicamente, replicava:
- Ora, mamãe, não necessito
de sermões encomendados. Esteja tranquila. Seus conselhos são muito antiquados
e talvez desconheça a senhora as reviravoltas do mundo. Suas observações são
descabidas e, além disto, sou dona de minha vontade, faço o que entendo.
- Sim, Emilinha, tornava a
mãe paciente, sei que você é senhora de si, mas o cuidado materno obriga-me a
esclarecê-la, ainda que você, presentemente, não me possa aceitar as opiniões.
Quem é mãe sofre muito por desvelar-se junto dos filhos...
- Por que teima em sofrer? Exclamava
a interlocutora, cortando-lhe a palavra, estamos na época de aniquilamento do
passadismo.
Como a nobre genitora enxugasse
os olhos em pranto, observava, rebelde:
- Não precisará desfiar o
rosário de lágrimas. Para quê?
Era assim a situação entre Dona
Matilde e a moça altaneira. A generosa senhora, dedicada servidora do Cristo,
já não sabia como proceder. Viúva, com três filhas solteiras, desvelava-se,
carinhosa, para que lhes não faltasse o necessário. Sacrificava-se continuadamente
pelo bem-estar delas. Privava-se de satisfações próprias, sujeitava-se ao trabalho
mal remunerado, desequilibrava a saúde pelo excesso de atividade nas obrigações
diárias, substituindo a falta do esposo e atendendo ao próprio dever.
Se Eulália e Cassilda, as duas
filhas mais novas, de alguma sorte lhe compreendiam os sacrifícios, Emilinha, a
mais velha, tratava-a rudemente, sem a menor consideração. Criticava-lhe os
mínimos gestos. Dona Matilde raramente se dava ao prazer de palestrar com as
visitas. Eram tão ásperas as intromissões da filha, tão grosseiros os modos,
ante a presença de estranhos, que a nobre senhora se mantinha em silêncio,
humilhada. Se comentava o dever, referia-se Emilinha a conceitos modernos da
vida; se aventurava uma opinião inocente em qualquer assunto, tratava a filha
de se mostrar superior.
Quando Dona Matilde voltava das
reuniões evangélicas, reportando-se às consolações e ensinamentos recolhidos,
convertia-se a jovem num elemento escarnecedor.
- Ora, mamãe, dizia,
sarcástica, com que então a senhora se consagrou à teologia? Já não fala senão
em assuntos de religião...
- Ah! Minha filha, replicava
a genitora, cuidadosa na fé, não sorrias da verdade para que ela, mais tarde,
não venha a sorrir de ti. Lembra-te de nossos imperiosos deveres para com
Jesus!
Após o riso mordaz, a filha
revidava:
- A senhora adquiriu
maneiras de sacerdote. Não concordo com as suas teorias de sobrevivência e
reencarnação.
E lembrando, enfática, as
revistas cientificas que costumava compulsar, por vaidade, concluía
presunçosamente:
- Não passamos de
experiência biológica da Natureza no campo da racionalidade humana. O resto é
ilusão, que devemos relegar ao fanatismo religioso.
A viúva, a principio, discutia e
argumentava, esclarecendo-a com a verdade espiritual, mas observando o
endurecimento da filha, retraiu-se, pouco a pouco, dando-lhe o exemplo da
própria ação e abstendo-se de muitas palavras.
E Emilinha fez no mundo o que
lhe pareceu melhor, nos domínios do capricho e da irreflexão criminosa,
contraindo pesados débitos e agravando responsabilidades, surda às advertências
maternas.
O tempo, a dor e a morte,
todavia, são os cobradores da realidade. Ao influxo desse trio implacável,
tanto Dona Matilde quanto as filhas foram reconduzidas à vida nova, além do túmulo.
Emilinha, porém, agora afastada
do grupo familiar, experimentava rudes provações em círculo de sombras. Era frequentemente
visitada pela mãezinha generosa, mas não lhe identificava a presença, nem lhe
ouvia a voz encorajadora, por trazer a mente absorvida por negras visões e
vozes angustiadas.
Anos correram, quando Dona
Matilde deliberou voltar à esfera carnal, em continuação do seu plano de
serviço redentor. A filha penitente ficaria, doravante, sem o seu amparo
direto. Meditando a situação, a devotada genitora implorou recursos novos. Não desejava
mostrar-se insensível e, além do mais, Emilinha, sempre desajuizada, era a
filha que mais necessitava dos desvelos maternais. E, ali, na paisagem
tenebrosa, ante os padecimentos da ingrata, a nobre criatura intercedeu,
fervorosa, empenhando o coração.
A resposta divina não se fez
esperar. Emilinha, deslumbrada, reviu a mãezinha pela primeira vez.
Indescritível o contentamento de ambas. Beijaram-se com júbilo das profundas ansiedades,
longamente reprimidas.
Após confortar-lhe a alma
ulcerada, Dona Matilde deu-lhe a conhecer o projeto em organização. Regressaria
à Terra, recomeçaria as tarefas inacabadas do processo de redenção que lhe
dizia respeito. Emilinha ouviu, inquieta, e considerou:
- Mamãe, a senhora me
aceitaria, de novo, ao seu lado?
- Como não, minha filha? Replicou
a entidade amorosa, se permitir o Senhor, reconstituiremos o nosso velho lar,
voltando à paisagem de outro tempo.
- Prometo compreendê-la, acrescentou
a filha em pranto.
- Rogaremos essa bênção, falou
a genitora, beijando-a, carinhosa.
Nesse instante, fez-se visível o
generoso diretor espiritual daquela região de sofrimento retificador.
Cumprimentou Dona Matilde atenciosamente, enquanto Emilinha se lhe rojava aos
pés, rogando, comovida:
- Emissário de Jesus, que
me conheceis os padecimentos, ajudai-me para que eu possa voltar à Terra, em
companhia de minha mãe. Regressará ela aos círculos da carne e, se concordardes,
poderei segui-la, prontificando-me a permanecer em serviço, até que ela me possa
receber, novamente, nos braços maternais... Pelo amor de Deus, permiti a minha volta!
A sábia entidade contemplou-a,
fraternalmente, e falou:
- No momento, minha irmã,
não lhe será possível retirar-se daqui. Ainda precisará desgastar, por alguns
anos, os envoltórios inferiores que criou em torno de si mesma. Seus atuais
veículos de manifestação não lhe permitem, por enquanto, a vida em zona menos pesada
que esta. No entanto, mais tarde, poderá voltar, viver ao lado de Matilde,
receber-lhe o verbo carinhoso e ouvir-lhe os conselhos cristãos.
Emilinha, que não cabia em si de
contente, elevou as mãos ao céu e exclamou:
- Graças a Deus!
O diretor espiritual, contudo,
retomou a palavra e terminou:
- Não poderá, todavia
voltar à situação de parentesco que já passou. Não tem títulos de serviço
prestado que a autorizem, agora, a regressar como filha de Matilde, mas
retornará você ao mundo, como criada humilde da sua residência, para que, na
verdadeira condição de obediência, aprenda a valorizar o tesouro que Deus lhe
concedeu.
[1] Pontos e
Contos – pelo Espírito Irmão X –
Psicografado por Francisco C. Xavier
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