quarta-feira, 9 de novembro de 2016

CASOS DE BICORPOREIDADE[1]



 Maria M. Naufal - Revista Espiritismo e Ciência


A história registra inúmeros casos extraordinários de pessoas que, conscientemente ou não, conseguiam estar em dois lugares ao mesmo tempo, desdobrando-se e levando o Espírito a locais distantes.
 A alma possui a faculdade de se emancipar e de se desprender do corpo ainda durante a vida física. Esse desprendimento é parcial, ficando a alma ligada ao corpo através de um liame fluídico conhecido por diversos nomes, entre os quais cordão vital, cabo astral e fio prateado. Ele está ligado à medula cervical e ao plexo solar. Quando esse fio se desata totalmente, o Espírito não volta mais ao corpo.
Enquanto o corpo dorme, o Espírito pode se transportar a vários lugares, mesmo distantes, quer em sonhos, quer em estado de vigília. Segundo Allan Kardec, em Obras Póstumas (FEB, 17ª edição, páginas 56 e 57), "pode igualmente apresentar-se sob forma tangível, ou pelo menos com uma aparência tão idêntica à realidade, que possível se torna a muitas pessoas estar com a verdade ao afirmarem tê-lo visto ao mesmo tempo em dois pontos diversos. Ele, com efeito, estava em ambos, mas apenas num se achava o corpo verdadeiro, achando-se no outro o Espírito. Foi esse fenômeno, aliás muito raro, que deu origem à crença nos homens duplos e que se denomina de bicorporeidade".
Pesquisando a vasta literatura espiritualista, encontrei casos interessantíssimos de bicorporeidade. Selecionei, entretanto, os que julguei mais extraordinários, dada a forma ostensiva como se apresentaram.
Fernando Martins de Bulhões, frade franciscano, nascido em Portugal na última década do século XII, foi um dos maiores médiuns que a Terra conheceu. Era médium profético, audiente, vidente, de transporte, de materialização, de efeitos físicos, de transfiguração, de cura e de transmissão de fluidos.
 Além dessas mediunidades possuía também a da inspiração, que fez dele um dos melhores pregadores de todos os tempos. Os leitores sabem quem é ele? Não? É o nosso famoso Santo Antônio de Pádua ou de Lisboa.
Vamos ver, então, dois casos extraordinários ocorridos com ele, envolvendo transporte e materialização, que se encontram no livro “Antônio de Pádua” (FEB, páginas 48 a 50), de Almerindo Martins de Castro.
"O pai de Antônio, súdito com foros de nobre de Lisboa, tratara diversos assuntos Del-Rei e prestara a todos eles as devidas contas, inclusive de dinheiros que recebera, mas esqueceu da precaução de exigir as devidas ressalvas e recibos".
"Poucos dias depois, vieram, da parte do monarca, pedir-lhe prestação de contas e, não tendo D. Martim como provar o que fizera, suspeitaram-no".
"Aflito, pois os desonestos homens negaram o recebimento, o pai de Antônio foi para casa verdadeiramente angustiado".
"E sob o império dessas penosas impressões estava, quando disse: - 'Pobre de mim, que não tenho um filho, parente, nem amigo para valer-me nessa situação!"
"Nisto, à porta chamaram-no, e ele, julgando tratar-se dos enviados da Justiça Régia, foi à Câmara da Cidade, onde devia dar as definitivas alegações aos oficiais Del-Rei",
"Mas, ali chegando, antes que pronunciasse qualquer palavra, surgiu Antônio que estava na Itália, em Milão, e relatou àqueles homens de má fé todos os detalhes do que fizera o pai, minuciando o local, hora e espécie de moeda em que lhe havia sido feita a entrega das quantias devidas".
"E assim voltou reabilitado para o lar o velho Martim de Bulhões, agradecendo e louvando a Deus por aquele filho que o salvara".
No segundo caso de bicorporeidade de Santo Antônio de Pádua:
"Um amigo e vizinho do pai de Antônio matou, por inimizade, certo moço de importante família e escondeu o cadáver no quintal da casa de Martim de Bulhões".
"Feitas as pesquisas e achado o morto, foi o pai de Antônio envolvido no processo e condenado à morte, como sendo cúmplice, juntamente com os autores do crime".
''Antônio pregava em Pádua, quando foi mediunicamente ciente do ocorrido, isto é, de que o pai ia ser decapitado".
"Antônio cessou de falar. Seu corpo, arrimando-se no púlpito, imobilizou-se, dando a impressão de estar dormindo".
"E apareceu em Lisboa, no adro da Sé, onde tivera sepultura o assassinado, e aí deteve o cortejo da justiça".
"E, chegando junto à cova do morto, materializou o Espírito da vitima, fazendo-o narrar toda a verdade do crime, sem omitir uma peripécia".
"O espanto foi inenarrável, pois todos viram o defunto erguer-se da tumba e, finda a narrativa, cair 'morto' outra vez".
"Mas o extraordinário livramento do velho Bulhões não produziu só esses pasmos, porque Antônio, quando continuou a prédica interrompida - em Pádua -, pediu desculpas pelo demorado intervalo, contando como fora e conseguira salvar o genitor".
"E os que não acreditaram tiveram a confirmação do caso, quando chegaram as informações pedidas para Portugal".
Outro potente portador de bicorporeidade foi o italiano João Belquior Bosco, sacerdote salesiano, nascido em 1815, dotado também de outros grandes poderes mediúnicos e anímicos, entre os quais a vidência, a audiência, a profecia e os efeitos físicos.
Um dos casos ocorridos com ele e que envolve vários desses poderes, é o das "palmadas misteriosas", narrado na obra “Os Sorrisos de Dom Bosco”, do Padre Luís Chiavarino, um de seus biógrafos, episódio narrado por Clóvis Tavares no seu livro “Mediunidade dos Santos” (Instituto de Difusão Espírita, página 143).
"Quando Dom Bosco se achava em Lanzo, escreveu ao teólogo Borel: 'Domingo, os jovens Costa e Berreta saíram da igreja pela porta da sacristia, durante as funções; dirigiram-se ao Rio Dora e foram tomar banho. Mas, enquanto se divertiam na água, receberam de uma mão invisível umas palmadas bem pesadas.
"Depois da leitura, o teólogo Borel chamou os dois rapazes; interrogou-os e eles confessaram, chorando, que as coisas se tinham passado precisamente como estavam descritas na carta. À volta de Dom Bosco, atiraram-se aos pés do Santo pedindo-lhe perdão".
O brasileiro Eurípedes Barsanulfo, nascido em Sacramento, Minas Gerais, em 1880, foi notável portador da faculdade de bicorporeidade. Foi um dos espíritos mais profícuos que passaram pelo nosso planeta. Conhecido como o "Apóstolo do Bem" e "Anjo da Caridade", dedicou sua vida à missão sublime de servir o próximo, atuando como médium receitista, de cura, de inspiração e de psicografia. Possuía, ainda, as faculdades de clarividência e clauriaudiência. Foi também emérito educador, escritor e poeta.
Barsanulfo usava sua bilocação, a qual era visível, tangível e bastante frequente, para dar assistência aos necessitados. Vejamos como um de seus alunos, o Dr. Tomaz Novelino, descreve esses desdobramentos, relatados no livro “Eurípedes, o homem e a missão”, de Cora Novelino (Instituto da Difusão Espírita, página 136).
"Desprendia-se facilmente, transportando-se, em espírito, à distância. Quantas vezes em aulas, ele pendia a cabeça, caía em sono e permanecia assim por alguns minutos, era por ocasião da primeira grande guerra e, com horror, descrevia os combates de que tinha sido testemunha".
"Desprendia-se outras vezes, visitando doentes à distância, presença muitas vezes sentida e notada por alguns de seus enfermos".
O escritor espírita Domério de Oliveira - segundo o qual o desdobramento não é um ato mediúnico, mas simplesmente um ato anímico (com o quê concordo) - ouviu de um confrade o seguinte e interessante caso.
"Certa feita, um caboclo rude e ignorante tentou desafiar Eurípedes, dizendo-lhe que o Espiritismo era uma farsa e que não acreditava nesta besteira de espíritos. Então, Eurípedes pediu ao caboclo que olhasse bem para ele, e o caboclo arregalou os olhos, quando viu 'um Eurípedes' sair de dentro do 'outro Eurípedes'. Explicando: o caboclo viu, mas mesmo vendo não acreditou, que o notável Eurípedes projetava-se na sua 'forma espiritual', para dar-lhe a prova mais cabal da existência do Espírito" (RIE, Matão, março de 2000).
Um caso de bicorporeidade bastante conhecido e citado pelos estudiosos do assunto, é o ocorrido na Inglaterra, em 1905, com um deputado, o major Sir Carne Raschse, que, adoentado, ficou retido em sua casa por ocasião de uma sessão do Parlamento, mas assim mesmo "compareceu". A realidade da manifestação foi atestada por três colegas seus. Para não me alongar, vou transcrever o depoimento de um deles apenas, Sir Gilbert Parker, citado em “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”, de Léon Denis (FEB, página 94),
"Eu queria tomar parte no debate, mas se esqueceram de chamar-me. Quando voltava para o meu lugar, dei com os olhos em Sir Carne Raschse sentado perto do seu lugar de costume. Como sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe: 'Estimo que esteja melhor'; mas ele não deu resposta alguma, o que me causou admiração. A fisionomia do meu amigo estava pálida. Ele estava sentado, quieto com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura. Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne, havia ele desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo no vestíbulo; mas Raschse não estava lá; ninguém aí o vira".
"O próprio Sir Carne não duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo por causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto".
Todos os casos narrados não são sobrenaturais, miraculosos, mas devem ser enquadrados na ordem dos fenômenos naturais, decorrentes das propriedades do perispírito, que é o invólucro semimaterial do espírito, e de leis naturais que procedem de Deus e são imutáveis e eternas.
 




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