Maria M. Naufal -
Revista Espiritismo e Ciência
A história registra inúmeros
casos extraordinários de pessoas que, conscientemente ou não, conseguiam estar
em dois lugares ao mesmo tempo, desdobrando-se e levando o Espírito a locais
distantes.
A alma possui a faculdade de se emancipar e de
se desprender do corpo ainda durante a vida física. Esse desprendimento é
parcial, ficando a alma ligada ao corpo através de um liame fluídico conhecido
por diversos nomes, entre os quais cordão vital, cabo astral e fio prateado.
Ele está ligado à medula cervical e ao plexo solar. Quando esse fio se desata
totalmente, o Espírito não volta mais ao corpo.
Enquanto o corpo dorme, o
Espírito pode se transportar a vários lugares, mesmo distantes, quer em sonhos,
quer em estado de vigília. Segundo Allan Kardec, em Obras Póstumas (FEB, 17ª edição, páginas 56 e 57), "pode
igualmente apresentar-se sob forma tangível, ou pelo menos com uma aparência
tão idêntica à realidade, que possível se torna a muitas pessoas estar com a
verdade ao afirmarem tê-lo visto ao mesmo tempo em dois pontos diversos. Ele,
com efeito, estava em ambos, mas apenas num se achava o corpo verdadeiro,
achando-se no outro o Espírito. Foi esse fenômeno, aliás muito raro, que deu
origem à crença nos homens duplos e que se denomina de bicorporeidade".
Pesquisando a vasta literatura
espiritualista, encontrei casos interessantíssimos de bicorporeidade.
Selecionei, entretanto, os que julguei mais extraordinários, dada a forma
ostensiva como se apresentaram.
Fernando Martins de Bulhões,
frade franciscano, nascido em Portugal na última década do século XII, foi um
dos maiores médiuns que a Terra conheceu. Era médium profético, audiente,
vidente, de transporte, de materialização, de efeitos físicos, de transfiguração,
de cura e de transmissão de fluidos.
Além dessas mediunidades possuía também a da
inspiração, que fez dele um dos melhores pregadores de todos os tempos. Os
leitores sabem quem é ele? Não? É o nosso famoso Santo Antônio de Pádua ou de
Lisboa.
Vamos ver, então, dois casos
extraordinários ocorridos com ele, envolvendo transporte e materialização, que
se encontram no livro “Antônio de Pádua” (FEB, páginas 48 a 50), de Almerindo
Martins de Castro.
"O pai de Antônio, súdito
com foros de nobre de Lisboa, tratara diversos assuntos Del-Rei e prestara a
todos eles as devidas contas, inclusive de dinheiros que recebera, mas esqueceu
da precaução de exigir as devidas ressalvas e recibos".
"Poucos dias depois,
vieram, da parte do monarca, pedir-lhe prestação de contas e, não tendo D.
Martim como provar o que fizera, suspeitaram-no".
"Aflito, pois os desonestos
homens negaram o recebimento, o pai de Antônio foi para casa verdadeiramente
angustiado".
"E sob o império dessas
penosas impressões estava, quando disse: - 'Pobre de mim, que não tenho um
filho, parente, nem amigo para valer-me nessa situação!"
"Nisto, à porta
chamaram-no, e ele, julgando tratar-se dos enviados da Justiça Régia, foi à
Câmara da Cidade, onde devia dar as definitivas alegações aos oficiais Del-Rei",
"Mas, ali chegando, antes
que pronunciasse qualquer palavra, surgiu Antônio que estava na Itália, em
Milão, e relatou àqueles homens de má fé todos os detalhes do que fizera o pai,
minuciando o local, hora e espécie de moeda em que lhe havia sido feita a entrega
das quantias devidas".
"E assim voltou reabilitado
para o lar o velho Martim de Bulhões, agradecendo e louvando a Deus por aquele
filho que o salvara".
No segundo caso de
bicorporeidade de Santo Antônio de Pádua:
"Um amigo e vizinho do pai
de Antônio matou, por inimizade, certo moço de importante família e escondeu o
cadáver no quintal da casa de Martim de Bulhões".
"Feitas as pesquisas e
achado o morto, foi o pai de Antônio envolvido no processo e condenado à morte,
como sendo cúmplice, juntamente com os autores do crime".
''Antônio pregava em Pádua,
quando foi mediunicamente ciente do ocorrido, isto é, de que o pai ia ser
decapitado".
"Antônio cessou de falar.
Seu corpo, arrimando-se no púlpito, imobilizou-se, dando a impressão de estar dormindo".
"E apareceu em Lisboa, no
adro da Sé, onde tivera sepultura o assassinado, e aí deteve o cortejo da
justiça".
"E, chegando junto à cova
do morto, materializou o Espírito da vitima, fazendo-o narrar toda a verdade do
crime, sem omitir uma peripécia".
"O espanto foi inenarrável,
pois todos viram o defunto erguer-se da tumba e, finda a narrativa, cair
'morto' outra vez".
"Mas o extraordinário
livramento do velho Bulhões não produziu só esses pasmos, porque Antônio,
quando continuou a prédica interrompida - em Pádua -, pediu desculpas pelo
demorado intervalo, contando como fora e conseguira salvar o genitor".
"E os que não acreditaram
tiveram a confirmação do caso, quando chegaram as informações pedidas para
Portugal".
Outro potente portador de
bicorporeidade foi o italiano João Belquior Bosco, sacerdote salesiano, nascido
em 1815, dotado também de outros grandes poderes mediúnicos e anímicos, entre
os quais a vidência, a audiência, a profecia e os efeitos físicos.
Um dos casos ocorridos com ele e
que envolve vários desses poderes, é o das "palmadas misteriosas",
narrado na obra “Os Sorrisos de Dom Bosco”, do Padre Luís Chiavarino, um de
seus biógrafos, episódio narrado por Clóvis Tavares no seu livro “Mediunidade
dos Santos” (Instituto de Difusão Espírita, página 143).
"Quando Dom Bosco se achava
em Lanzo, escreveu ao teólogo Borel: 'Domingo, os jovens Costa e Berreta saíram
da igreja pela porta da sacristia, durante as funções; dirigiram-se ao Rio Dora
e foram tomar banho. Mas, enquanto se divertiam na água, receberam de uma mão
invisível umas palmadas bem pesadas.
"Depois da leitura, o
teólogo Borel chamou os dois rapazes; interrogou-os e eles confessaram,
chorando, que as coisas se tinham passado precisamente como estavam descritas
na carta. À volta de Dom Bosco, atiraram-se aos pés do Santo pedindo-lhe
perdão".
O brasileiro Eurípedes
Barsanulfo, nascido em Sacramento, Minas Gerais, em 1880, foi notável portador
da faculdade de bicorporeidade. Foi um dos espíritos mais profícuos que
passaram pelo nosso planeta. Conhecido como o "Apóstolo do Bem" e
"Anjo da Caridade", dedicou sua vida à missão sublime de servir o
próximo, atuando como médium receitista, de cura, de inspiração e de
psicografia. Possuía, ainda, as faculdades de clarividência e clauriaudiência.
Foi também emérito educador, escritor e poeta.
Barsanulfo usava sua bilocação,
a qual era visível, tangível e bastante frequente, para dar assistência aos
necessitados. Vejamos como um de seus alunos, o Dr. Tomaz Novelino, descreve
esses desdobramentos, relatados no livro “Eurípedes, o homem e a missão”, de
Cora Novelino (Instituto da Difusão Espírita, página 136).
"Desprendia-se facilmente,
transportando-se, em espírito, à distância. Quantas vezes em aulas, ele pendia
a cabeça, caía em sono e permanecia assim por alguns minutos, era por ocasião
da primeira grande guerra e, com horror, descrevia os combates de que tinha
sido testemunha".
"Desprendia-se outras
vezes, visitando doentes à distância, presença muitas vezes sentida e notada
por alguns de seus enfermos".
O escritor espírita Domério de
Oliveira - segundo o qual o desdobramento não é um ato mediúnico, mas
simplesmente um ato anímico (com o quê concordo) - ouviu de um confrade o
seguinte e interessante caso.
"Certa feita, um caboclo
rude e ignorante tentou desafiar Eurípedes, dizendo-lhe que o Espiritismo era
uma farsa e que não acreditava nesta besteira de espíritos. Então, Eurípedes
pediu ao caboclo que olhasse bem para ele, e o caboclo arregalou os olhos,
quando viu 'um Eurípedes' sair de dentro do 'outro Eurípedes'. Explicando: o
caboclo viu, mas mesmo vendo não acreditou, que o notável Eurípedes
projetava-se na sua 'forma espiritual', para dar-lhe a prova mais cabal da
existência do Espírito" (RIE, Matão, março de 2000).
Um caso de bicorporeidade
bastante conhecido e citado pelos estudiosos do assunto, é o ocorrido na
Inglaterra, em 1905, com um deputado, o major Sir Carne Raschse, que,
adoentado, ficou retido em sua casa por ocasião de uma sessão do Parlamento,
mas assim mesmo "compareceu". A realidade da manifestação foi
atestada por três colegas seus. Para não me alongar, vou transcrever o
depoimento de um deles apenas, Sir Gilbert Parker, citado em “O Problema do
Ser, do Destino e da Dor”, de Léon Denis (FEB, página 94),
"Eu queria tomar parte no
debate, mas se esqueceram de chamar-me. Quando voltava para o meu lugar, dei
com os olhos em Sir Carne Raschse sentado perto do seu lugar de costume. Como
sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe:
'Estimo que esteja melhor'; mas ele não deu resposta alguma, o que me causou
admiração. A fisionomia do meu amigo estava pálida. Ele estava sentado, quieto
com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura.
Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne,
havia ele desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo
no vestíbulo; mas Raschse não estava lá; ninguém aí o vira".
"O próprio Sir Carne não
duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo por
causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto".
Todos os casos narrados não são
sobrenaturais, miraculosos, mas devem ser enquadrados na ordem dos fenômenos
naturais, decorrentes das propriedades do perispírito, que é o invólucro
semimaterial do espírito, e de leis naturais que procedem de Deus e são
imutáveis e eternas.
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