Ernesto Bozzano
Nada mais importante para a
pesquisa científica e a especulação filosófica do que a demonstração, apoiada
em fatos, da seguinte proposição: – pode um fenômeno psicológico transformar-se
em fisiológico; o pensamento pode fotografar-se e concretizar-se em
materialização plástica, tanto quanto criar um organismo vivo.
De outro modo falando, nada é
tão importante para a Ciência e para Filosofia, como averiguar que a força do
pensamento e a vontade são elementos plásticos e organizadores.
Efetivamente, a evidência de tal
fato coloca o investigador diante de um ato criador, legítimo quão verdadeiro,
que o leva, consequentemente, a identificar a individualidade humana, pensante,
com a Potência primordial, que tem no Universo a sua realização.
Grandiosa concepção esta, do
Supremo Ser, que me reservo para desenvolver, de forma mais criteriosa,
oportunamente.
Antes de tudo, a propósito da
questão aqui visada, importa advertir que a ideia de um pensamento e de uma
vontade, substanciais e objetiváveis, não é nova.
Os filósofos alquimistas dos
séculos XVI e XVII, Vanini, Agrippa, Van-Helmont, já atribuíam ao magnetismo
emitido pela vontade o resultado de seus amuletos e encantamentos.
O desejo realiza-se na ideia –
disse-o Van-Helmont –, ideia que não é vã, mas uma ideia-força, que realiza o
encantamento.
Aí temos, pois, já formulada com
três séculos de antecedência, a famosa teoria de Fouillée sobre as ideias-forças,
e de maneira até mais completa, de vez que admitindo a objetivação.
Van-Helmont chegou mesmo a
formular nitidamente a teoria das “formas-pensamento”, da ideoplastia, da força
organizadora; ao demais, atribuindo-lhes existência efêmera, porém, ativa.
É assim que ele se expressa: “O
que denomino espírito do magnetismo não são espíritos que nos venham do céu e
muito menos do inferno, mas provenientes de um princípio inerente à criatura
humana, tal como a faísca que da pedra se desprende”.
Graças à vontade, o organismo
também pode desprender uma pequena parcela de espírito, que reveste forma
determinada, transformando-se em “ser ideal”.
A partir desse momento, esse
espírito vital se torna em coisa como que intermediária do ser corpóreo e dos
seres incorpóreos. Assim é que pode locomover-se à vontade, não mais submisso
às limitações de tempo e espaço.
Mas, não se veja em tudo isso a consequência
de poderes demoníacos, quando apenas se trata de uma faculdade espiritual do
homem, a ele estreitamente ligada.
Até aqui, hesitei no revelar ao mundo
esse grande mistério, graças ao qual fica o homem sabendo que tem ao alcance da
mão uma energia obediente à vontade, ligada ao seu potencial imaginativo, capaz
de atuar exteriormente e influir sobre pessoas distantes, muito distantes mesmo”.
Convém insistir nesta
circunstância, a saber: que as afirmativas de Van-Helmont a respeito das
propriedades objetiváveis do pensamento e da vontade não eram meramente
intuitivas, mas fundadas na observação de fenômenos incontestes, aos quais muitas
vezes assistiam esses pioneiros do ocultismo, posto que maturados não fossem os
tempos para interpretar devidamente o que empiricamente constatavam.
Também não é menos verdade que,
entre os alquimistas de há três séculos, encontramos já devidamente formuladas
as propriedades dinâmicas do pensamento e da vontade, propriedades que, em
nossos dias, apenas começamos a estudar com métodos rigorosamente científicos.
Resta-me, agora, prevenir os
meus leitores de que os materiais, por mim recolhidos a propósito, são tão
abundantes que um grande volume se me imporia para desenvolver o assunto de modo
completo.
Vejo-me, destarte, obrigado a
apresentar um resumo substancial de cada uma das categorias em que se subdivide
o tema.
*
A primeira dessas categorias é
de todos familiar e por isso me limitarei a esflorá-la concisamente.
Refiro-me às provas de natureza
indutiva, que as experiências de sugestão hipnótica podem fornecer em prol da
hipótese de um pensamento objetivável.
Apenas, para bem elucidar o
assunto, suponho necessário precedê-lo de algumas noções gerais, quanto à
significação que devemos ligar ao vocábulo imagens do ponto de vista
psicológico.
Denominamos ideia ou imagem, à
lembrança de uma ou de muitas sensações, simples ou associadas.
Todo e qualquer pensamento não é
mais que um fenômeno de memória, que se resume no despertar ou no reproduzir de
uma sensação anteriormente percebida.
Existem tantos agregados de
imagens, quanto os sentidos que possuímos.
Assim, temos grupos de imagens
visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas, motrizes etc..
Aí temos imagens que, ao mesmo
tempo que as sensações, constituem a matéria prima de todas as operações
intelectuais.
Memória, raciocínio, imaginação
são fenômenos psíquicos que, em última análise, consistem no grupar e coordenar
imagens, em lhes apreender as conexões constituídas, a fim de retocá-las e
agrupar em novas correlações, mais ou menos originais ou complexas, segundo a
maior ou menor potência intelectual dos indivíduos.
Taine disse:
“Assim como o corpo é um
polipeiro de células, assim o espírito é um polipeiro de imagens.”
Pensava-se outrora que as ideias
não tinham correlativo fisiológico, isto é, que um substrato físico não lhes
fora necessário para manifestarem-se no meio físico.
Hoje, pelo contrário, está
provado que as ideias ocupam no cérebro as mesmas localizações das sensações.
Noutros termos: está provado não
ser o pensamento senão uma sensação renascente de modo espontâneo e que,
portanto, ele – o pensamento – é de natureza mais simples e mais fraca que a
impressão primitiva, ainda que capaz de adquirir, em condições especiais, uma
intensidade suficiente para provocar a ilusão objetiva daquilo com que sonhamos.
Mas, o pensamento não é
unicamente a ressurreição de sensações anteriores: a faculdade imaginativa
domina no homem; é graças a ela que as imagens se combinam entre si, a fim de criarem
outras imagens.
Por aí se prova existir na
inteligência uma iniciativa individual própria, assim como relativa liberdade
em face dos resultados da experiência; e isto devido a duas faculdades outras,
superiores, da inteligência: abstração e comparação.
Segue-se que a imaginação, a
abstração e a comparação dominam as manifestações do espírito, delas decorrendo
todos os inventos e descobertas, inspirações e criações do gênio.
Isto posto, notarei que um
primeiro índice da natureza objetivável das imagens se depara na maneira como
se comportam elas nas manifestações do pensamento.
Subentendido fica que nos
estribamos nos conhecimentos novos sobre o assunto, os quais levam a modificar
o ponto de vista até agora mantido, quanto aos modos funcionais da
inteligência.
Sem esses conhecimentos,
oriundos das investigações metapsíquicas, não poderíamos, certamente, atribuir
aos diversos modismos funcionais, que realizam as imagens, tanto na vigília como
no sono natural, a significação que, entretanto, de direito lhe conferimos.
[1] Pensamento e
Vontade – Ernesto Bozzano
Nenhum comentário:
Postar um comentário