quarta-feira, 16 de novembro de 2016

As forças ideoplásticas[1]



Ernesto Bozzano


Nada mais importante para a pesquisa científica e a especulação filosófica do que a demonstração, apoiada em fatos, da seguinte proposição: – pode um fenômeno psicológico transformar-se em fisiológico; o pensamento pode fotografar-se e concretizar-se em materialização plástica, tanto quanto criar um organismo vivo.
De outro modo falando, nada é tão importante para a Ciência e para Filosofia, como averiguar que a força do pensamento e a vontade são elementos plásticos e organizadores.
Efetivamente, a evidência de tal fato coloca o investigador diante de um ato criador, legítimo quão verdadeiro, que o leva, consequentemente, a identificar a individualidade humana, pensante, com a Potência primordial, que tem no Universo a sua realização.
Grandiosa concepção esta, do Supremo Ser, que me reservo para desenvolver, de forma mais criteriosa, oportunamente.
Antes de tudo, a propósito da questão aqui visada, importa advertir que a ideia de um pensamento e de uma vontade, substanciais e objetiváveis, não é nova.
Os filósofos alquimistas dos séculos XVI e XVII, Vanini, Agrippa, Van-Helmont, já atribuíam ao magnetismo emitido pela vontade o resultado de seus amuletos e encantamentos.
O desejo realiza-se na ideia – disse-o Van-Helmont –, ideia que não é vã, mas uma ideia-força, que realiza o encantamento.
Aí temos, pois, já formulada com três séculos de antecedência, a famosa teoria de Fouillée sobre as ideias-forças, e de maneira até mais completa, de vez que admitindo a objetivação.
Van-Helmont chegou mesmo a formular nitidamente a teoria das “formas-pensamento”, da ideoplastia, da força organizadora; ao demais, atribuindo-lhes existência efêmera, porém, ativa.
É assim que ele se expressa: “O que denomino espírito do magnetismo não são espíritos que nos venham do céu e muito menos do inferno, mas provenientes de um princípio inerente à criatura humana, tal como a faísca que da pedra se desprende”.
Graças à vontade, o organismo também pode desprender uma pequena parcela de espírito, que reveste forma determinada, transformando-se em “ser ideal”.
A partir desse momento, esse espírito vital se torna em coisa como que intermediária do ser corpóreo e dos seres incorpóreos. Assim é que pode locomover-se à vontade, não mais submisso às limitações de tempo e espaço.
Mas, não se veja em tudo isso a consequência de poderes demoníacos, quando apenas se trata de uma faculdade espiritual do homem, a ele estreitamente ligada.
Até aqui, hesitei no revelar ao mundo esse grande mistério, graças ao qual fica o homem sabendo que tem ao alcance da mão uma energia obediente à vontade, ligada ao seu potencial imaginativo, capaz de atuar exteriormente e influir sobre pessoas distantes, muito distantes mesmo”.
Convém insistir nesta circunstância, a saber: que as afirmativas de Van-Helmont a respeito das propriedades objetiváveis do pensamento e da vontade não eram meramente intuitivas, mas fundadas na observação de fenômenos incontestes, aos quais muitas vezes assistiam esses pioneiros do ocultismo, posto que maturados não fossem os tempos para interpretar devidamente o que empiricamente constatavam.
Também não é menos verdade que, entre os alquimistas de há três séculos, encontramos já devidamente formuladas as propriedades dinâmicas do pensamento e da vontade, propriedades que, em nossos dias, apenas começamos a estudar com métodos rigorosamente científicos.
Resta-me, agora, prevenir os meus leitores de que os materiais, por mim recolhidos a propósito, são tão abundantes que um grande volume se me imporia para desenvolver o assunto de modo completo.
Vejo-me, destarte, obrigado a apresentar um resumo substancial de cada uma das categorias em que se subdivide o tema.
*
A primeira dessas categorias é de todos familiar e por isso me limitarei a esflorá-la concisamente.
Refiro-me às provas de natureza indutiva, que as experiências de sugestão hipnótica podem fornecer em prol da hipótese de um pensamento objetivável.
Apenas, para bem elucidar o assunto, suponho necessário precedê-lo de algumas noções gerais, quanto à significação que devemos ligar ao vocábulo imagens do ponto de vista psicológico.
Denominamos ideia ou imagem, à lembrança de uma ou de muitas sensações, simples ou associadas.
Todo e qualquer pensamento não é mais que um fenômeno de memória, que se resume no despertar ou no reproduzir de uma sensação anteriormente percebida.
Existem tantos agregados de imagens, quanto os sentidos que possuímos.
Assim, temos grupos de imagens visuais, auditivas, táteis, olfativas, gustativas, motrizes etc..
Aí temos imagens que, ao mesmo tempo que as sensações, constituem a matéria prima de todas as operações intelectuais.
Memória, raciocínio, imaginação são fenômenos psíquicos que, em última análise, consistem no grupar e coordenar imagens, em lhes apreender as conexões constituídas, a fim de retocá-las e agrupar em novas correlações, mais ou menos originais ou complexas, segundo a maior ou menor potência intelectual dos indivíduos.
Taine disse:
“Assim como o corpo é um polipeiro de células, assim o espírito é um polipeiro de imagens.”
Pensava-se outrora que as ideias não tinham correlativo fisiológico, isto é, que um substrato físico não lhes fora necessário para manifestarem-se no meio físico.
Hoje, pelo contrário, está provado que as ideias ocupam no cérebro as mesmas localizações das sensações.
Noutros termos: está provado não ser o pensamento senão uma sensação renascente de modo espontâneo e que, portanto, ele – o pensamento – é de natureza mais simples e mais fraca que a impressão primitiva, ainda que capaz de adquirir, em condições especiais, uma intensidade suficiente para provocar a ilusão objetiva daquilo com que sonhamos.
Mas, o pensamento não é unicamente a ressurreição de sensações anteriores: a faculdade imaginativa domina no homem; é graças a ela que as imagens se combinam entre si, a fim de criarem outras imagens.
Por aí se prova existir na inteligência uma iniciativa individual própria, assim como relativa liberdade em face dos resultados da experiência; e isto devido a duas faculdades outras, superiores, da inteligência: abstração e comparação.
Segue-se que a imaginação, a abstração e a comparação dominam as manifestações do espírito, delas decorrendo todos os inventos e descobertas, inspirações e criações do gênio.
Isto posto, notarei que um primeiro índice da natureza objetivável das imagens se depara na maneira como se comportam elas nas manifestações do pensamento.
Subentendido fica que nos estribamos nos conhecimentos novos sobre o assunto, os quais levam a modificar o ponto de vista até agora mantido, quanto aos modos funcionais da inteligência.
Sem esses conhecimentos, oriundos das investigações metapsíquicas, não poderíamos, certamente, atribuir aos diversos modismos funcionais, que realizam as imagens, tanto na vigília como no sono natural, a significação que, entretanto, de direito lhe conferimos.




[1] Pensamento e Vontade – Ernesto Bozzano

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