quinta-feira, 17 de novembro de 2016

VELÓRIO[1]



Richard Simonetti


Quando comparecemos a um velório cumprimos sagrado dever de solidariedade, oferecendo conforto à família. Infelizmente, tendemos a fazê-lo pela metade, com a presença física, ignorando o que poderíamos definir por compostura espiritual, a exprimir-se no respeito pelo ambiente e no empenho de ajudar o morto.
Superada a longa fase das carpideiras, em que obrigatoriamente a presença da morte era encarada como alto terrível de inspirar compulsórios sentimentos de dor, com a participação de lágrimas abundantes, fomos parar no extremo oposto em que, excetuados os familiares, os circunstantes parecem estar em oportuna reunião social, onde velhos amigos se reencontram, com o ensejo de “pôr a conversa em dia”. Contam-se piadas, fala-se de futebol, política, sexo, modas... Ninguém se dá ao trabalho sequer de reduzir o volume da voz, numa zoeira incrível, principalmente ao aproximar-se o horário do sepultamento, quando o recinto acolhe maior número de pessoas.
O falecido é sempre lembrado, até com palavras elogiosas (em princípio todo morto é bom, conforme velha tradição humana), mas fatalmente as reminiscências desembocam em aspectos negativos de seu comportamento, gerando chistes e fofocas.
Imaginemos a situação desconfortante do Espírito, ainda ligado ao corpo, mergulhado num oceano de vibrações heterogêneas, “contribuição” lamentável de pessoas que comparecem em nome da amizade, mas agem como indisciplinados espectadores a dificultar a tarefa de diligente equipe de socorro no esforço por retirar um ferido dos escombros de uma casa que desabou...
Preso à residência temporária transformada em ruína física pela morte, o desencarnante, em estado de inconsciência, recebe o impacto dessas vibrações desrespeitosas e desajustantes que o atingem penosamente, particularmente as de caráter pessoal. Como se vivesse terrível pesadelo ele quer despertar, luta por readquirir o domínio do corpo, quedando-se angustiado e aflito.
Num velório concorrido, como expressivo acompanhamento ao túmulo, comenta-se:
“Que belo enterro! Quanta gente!”
No entanto, nem sempre o que nos parece agradável é bom, principalmente quando confrontamos a realidade física com a espiritual. Quanto maior o número de pessoas, mas heterogêneas as conversas, mais carregado o ambiente, maior o impacto sobre o falecido.
Há algum tempo estive em um hospital providenciando o sepultamento de um indigente. Acertada a documentação necessária, o morto partiu para o cemitério no carro fúnebre, sem nenhum acompanhamento. Eu próprio não pude fazê-lo em virtude de obrigações profissionais.
“Que tristeza! Velório vazio! Enterro solitário!”
Espiritualmente, melhor assim. Não havia ninguém para atrapalhar e os benfeitores espirituais puderam realizar mais tranquilamente sua tarefa, libertando o prisioneiro de acanhada prisão de carne para reconduzi-lo aos gloriosos horizontes espirituais.




[1] Quem tem medo da Morte? – Richard Simonetti

2 comentários:

  1. Eu sei o que é isso, velório para uns uma tristeza sem conta, para outros alegria do reencontro de muito tempo. eu mesmo critiquei pós sepultamento do corpo que foi de minha filha. Após o meu desabafo eu encaminhei o Ser Espiritual até o Plano Maior onde aquele que foi Minha Genitora na existência atual já a estava esperando, aquilo me deu uma paz indiscutível, só passei a ocorrência para meus familiares. As pessoas que comparecem a um enterro deveriam ao menos mostrar um pouco de respeito, mas não. A mensagem está ai aprende quem quer, e depois não ache ruim.

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  2. Ótimo Texto, entendi que muitas vezes quantidade de pessoas podem atrapalhar ao inves de ajudar, por causa das atitudes que a maioria tem. Mas neste ultimo caso contato do enterro de um indigente, falou que foi melhor um enterro sem ninguém, pois facilitou trabalho dos benfeitores espirituais, mas caso este indigente, seja alguém que está desparecido com uma familia desesperada a sua procura, o espirito dele nao sentiria isto e poderia estar até preso aos laços familiares dificultando do mesmo jeito o trabalho dos bem feitores? Além de poder ser uma pessoa que foi assassinada e pode estar querendo vingança? Onde neste casos, poderia atrapalhar tbm o trabalho dos bem feitores em questão do próprio espirito não permitir sua proximidade

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