Suely C. Schubert
“Em que idade se pode ocupar, sem inconveniente, de mediunidade”?
- Não há idade precisa, tudo
dependendo inteiramente do desenvolvimento físico e, ainda mais do
desenvolvimento moral. Há crianças de doze anos a quem tal coisa afetará menos
do que a algumas pessoas já feitas. Falo da mediunidade em geral; porém a de
efeitos físicos é mais fatigante para o corpo; a da escrita tem outro
inconveniente, derivado da inexperiência da criança, dado o caso de ela querer
entregar-se a sós ao exercício da sua faculdade e fazer disso um
brinquedo". Allan Kardec O Livro dos
Médiuns - Capítulo XVIII, item 221 - questão 8.
Não há uma idade determinada ou
que seja melhor para a eclosão da mediunidade. Ela pode manifestar-se em
crianças, adolescentes, em pessoas adultas ou com mais idade. Entretanto, é
mais difícil que a faculdade se apresente em indivíduos idosos pelas próprias e
naturais limitações orgânicas e psíquicas.
Inicialmente, mencionaremos
nesta abordagem o aparecimento da mediunidade espontânea e sem qualquer
sofrimento para a criança.
Na fase infantil, o desabrochar
da mediunidade é, quase sempre, tão natural quanto outros tipos de aprendizagem
que vão acontecendo em todas as etapas do desenvolvimento da criança, visto
terem estas relativa facilidade de perceber a presença dos espíritos e com eles
manter um convívio fácil e espontâneo.
Por que isso ocorre com tal
naturalidade? O Espiritismo nos esclarece que o processo reencarnatório
prolonga-se até os sete anos de idade. Nesses primeiros anos de vida física o
espírito, na fase infantil, mantém vínculos bastante estreitos e mais ou menos
intensos com o mundo espiritual, a sua pátria de origem. A presença de
espíritos amigos, do seu espírito protetor é mais próxima, no intuito de
sustentá-lo nesse recomeço. Pode-se inferir também que durante o sono, o
espírito que está envergando a nova forma física esteja mais constantemente em
contato com o plano espiritual de onde procede.
Entende-se, por via de
consequência, que as companhias espirituais do recém-reencarnado dependem de
suas ligações com espíritos dos mais diversos patamares evolutivos. Conforme
vimos páginas atrás, mesmo no caso em que o reencarnante mantenha laços de
afinidade com espíritos inferiores, isto não descarta a presença, ainda que um
pouco mais distanciada, do seu espírito protetor, o denominado anjo-de-guarda.
É importante relembrar que toda reencarnação visa ao progresso do espírito,
pois ninguém renasce para regredir. Tais vínculos, todavia, vão se enfraquecendo
quanto mais transcorrem os anos. A partir do sétimo ano de vida terrena, o
espírito gradualmente se torna mais consciente de suas potencialidades e, na
adolescência, "o Espírito retoma a natureza que lhe é própria e se mostra
qual era." (questão 385 de O Livro
dos Espíritos)
Em geral, pode-se dizer que a
criança apresenta indícios de mediunidade quando começa a mencionar a presença,
no lar, de pessoas que ninguém percebe, a não ser ela própria. Bastante comum é
a presença do amiguinho invisível com o qual conversa e brinca. Às vezes diz
estar vendo pessoas idosas, e alguns pais apresentam fotos de familiares
desencarnados entre os quais a criança identifica um em particular que, para
surpresa da família, vem a ser o avô ou avó ou outro parente qualquer.
No livro "O mundo da
criança", as autoras abordam essa questão do amiguinho invisível,
mencionando que "cerca de 15 a 30% das crianças, entre 3 a 10 anos têm
companheiros imaginários. Eles surgem na vida da criança depois de 2 anos e
meio de idade e saem quando a criança vai para a escola. A pessoa imaginária
parece real para a criança que fala e brinca com ela. "(Diane, E. Papalia,
“O mundo da criança”)
Para a Psicologia, este é um
fato natural, fruto da imaginação infantil, que "cria" um amigo para
brincar e lhe fazer companhia. Geralmente, são crianças que se sentem sozinhas,
seja porque os pais trabalham fora, seja por carência afetiva, por não
receberem atenção e carinho dos pais.
Arthur Jersild, por sua vez,
explica, em seu livro "Psicologia da criança", que "quando um
garoto brinca abertamente com um companheiro e lida claramente por certo
período de tempo, com uma criatura de características estáveis e nome definido,
pouca dúvida há de que ele possui um companheiro imaginário”. E acrescenta:
"Os companheiros
imaginários, juntamente com outras criações da imaginação, aparecem nas
crianças com uma ampla variedade de traços de personalidade. Não podemos supor
que a existência de um companheiro imaginário seja em si mesma sinal de uma
tendência quer sadia, quer doentia, no desenvolvimento da criança".
(Arthur T. Jersild, “Psicologia da criança”)
Mas nem sempre a reação da
família é tranquila diante deste tipo de acontecimento. Muitos pais, por falta
de informação, ficam preocupados, aflitos, supondo que o filho ou a filha sejam
portadores de algum distúrbio psiquiátrico. Inúmeros, porém, são os casos de
mediunidade na infância e somente a Doutrina Espírita lança luz sobre esta
ocorrência na vida da criança. Nem todas as crianças, porém, constatam a
existência de um amiguinho ou amiguinha invisíveis. Isto acontece com aquelas
que apresentam uma certa predisposição mediúnica. Todavia, somente em algumas
destas é que a mediunidade irá eclodir mais adiante em suas vidas.
Vamos levantar agora a cortina
que encobre alguns desses casos, a fim de contribuirmos para o esclarecimento
daqueles que nos leem e que possam estar vivenciando uma experiência
semelhante.
No ano de 1849, dia 20 de
novembro, nasceu em Londres uma menina que recebeu o nome de Elisabeth. Seus
pais, Jane e George P., este capitão de um navio, obrigado por sua profissão a
constantes viagens.
Desde muito pequena, Elisabeth
d'Esperance, como seria conhecida, começou a ter visões no casarão onde morava.
As "pessoas" estavam em toda parte, nos grandes quartos vazios, e
circulavam como se ali morassem. Sua mãe era portadora de uma doença que a
obrigava a permanecer por dias e dias no leito e as criadas davam-lhe pouca
atenção. Por mencionar a presença dessas "pessoas", passou a ser
considerada uma menina esquisita, estranha e, como os fatos de vidência se
tornassem mais comum, chegou a ser castigada, até que um dia sua mãe,
suspeitando de sua sanidade mental, requisitou a presença de um médico para
examinar a filha.
O médico ouviu atentamente o
relato da menina e lhe disse que tais coisas só aconteciam com pessoas loucas.
Isto lhe causou um medo muito grande, julgando que poderia realmente ser louca.
Escrevendo, mais tarde, sobre
sua infância, Elisabeth teve ocasião de registrar a constante presença do
fantasma de uma velha senhora, que via com tal nitidez, que pode desenhar-lhe a
fisionomia, conforme consta de seu livro "Shadow Land" ("No País
das Sombras"). A senhora em questão surgia com um vestido preto, tendo um
xale de renda branca sobre os ombros, amarrado à altura do peito e uma touca
branca que escondia parte dos cabelos grisalhos. Ela permanecia sempre num
certo quarto e Elisabeth a denominava de "My shadow lady".
Aos quatorze anos, chegou à
conclusão que tudo aquilo era obra de Satanás e, diante das visões, punha-se de
joelhos a rezar. Tão grande foi a angústia, que ficou muito abatida, magra e
pálida. O pai, ao retornar de uma de suas viagens, preocupou-se, vendo o seu
estado e resolveu que a filha necessitava de ares novos, levando-a então a uma
viagem ao Mediterrâneo.
A viagem trouxe grande alegria a
Elisabeth: tudo era novo e belo, os fantasmas desapareceram, a saúde
restabelecida e o fato de estar ao lado do pai era motivo de satisfação e de
tranquilidade. Certo dia, estando no tombadilho com o tenente N ... , avistou
um navio no horizonte. Comentando a respeito, para sua surpresa, o tenente
disse que não via o navio. Elisabeth ficou muito aflita, pois ele vinha em
direção à proa. Alarmada, começou a gritar que iriam bater e, para seu horror,
o grande navio se aproximou e atravessou o deles! Com o susto, chorando
apavorada, Elisabeth teve que ser recolhida ao quarto. Seu pai investigou o
fato e constatou que ninguém viu o navio que ela mencionara.
Durante a adolescência, os fantasmas
deram uma trégua e ela passou por certa tranquilidade. O tempo transcorreu e
Elisabeth, já adulta, resolveu consultar uma ledora da "buena-dicha".
Esta, confirmando as visões, disse-lhe: "Teus olhos veem coisas ocultas
para os outros". Falou-lhe depois do seu casamento, que aconteceria dali a
dois anos, e muitas outras coisas. Tudo o que disse se confirmou.
Elisabeth d'Esperance tornou-se
um dos mais importantes médiuns que contribuíram para o advento do Espiritismo.
Era portadora de vários tipos de mediunidade, entre os quais citamos: efeitos
físicos, psicografia, vidência, materializações, transportes, pinturas
mediúnicas etc.. Suas faculdades mediúnicas foram pesquisadas por eminentes
estudiosos. Os fenômenos obtidos por seu intermédio foram sempre comprovados,
visto que a médium se destacava pela honestidade, pela ética e pelo desejo de
colaborar para que esta faculdade notável que é a mediunidade se tornasse mais
conhecida e aceita pelos seres humanos. Elisabeth escreveu o livro acima
citado, "No País das Sombras", relatando sua vida e suas experiências
mediúnicas, o qual até hoje é muito apreciado e estudado no meio espírita. Ela
desencarnou no dia 20 de julho de 1918.
A mediunidade também ocorreu
cedo na vida de Divaldo Franco, notável médium e orador espírita, de renome
internacional. Ele próprio relata os episódios iniciais de seu intercâmbio com
o mundo dos espíritos.
Por volta de seus quatro ou
cinco anos, já estava recebendo recados espirituais, a princípio de sua avó,
Maria Senhorinha, sem ter ideia de quem era e supondo ser uma pessoa como todas
as outras. Ela pediu-lhe que desse um recado a Anna - mãe de Divaldo. Obediente,
o menino deu o recado, sem entender a razão da surpresa causada pela menção do
nome. É que D. Anna perdera a mãe quando do seu parto, portanto nem chegara a
conhecê-la e muito menos Divaldo, que nem sabia tratar-se de sua própria avó.
Para que não houvesse dúvida alguma, o menino descreveu a "pessoa"
com todos os detalhes, o que logo em seguida foi confirmado por uma tia,
Edwiges, que disse emocionada:
- Anna, é mamãe!
Daí em diante, os fenômenos
mediúnicos se tornaram constantes na vida de Divaldo. Por essa época, ele
passou a ter a companhia de um menino e, juntos, passavam horas brincando. Era
um indiozinho e se chamava Jaguaruçu, sendo, como se pode deduzir, invisível às
demais pessoas.
A mesma precocidade mediúnica
surgiu na vida de Chico Xavier, o maior médium psicógrafo de que se tem
notícia, que, aos quatro anos, conversava com sua mãe, desencarnada.
Apraz-nos mencionar ainda a
médium Yvonne do Amaral Pereira.
A mediunidade surgiu muito cedo
na vida de Yvonne. Segundo depoimento feito por ela e registrado no livro
"Recordações da Mediunidade", ainda na primeira infância, algumas
faculdades se apresentaram, como a vidência, a audição e o desdobramento do
perispírito. Aos 4 anos, já se comunicava com espíritos desencarnados, via-os e
falava com eles, supondo que fossem seres humanos comuns. Entre os 14 e 16
anos, os fenômenos mediúnicos se acentuaram e o convívio com os espíritos era
frequente e natural. Uma das características de sua mediunidade era a da
lembrança espontânea de vidas passadas, que ela, em desdobramento, recordava
como também assistia a cenas do pretérito, tendo ao seu lado espíritos amigos
que a orientavam, os quais eram igualmente participantes das mesmas cenas.
Tendo sido suicida em anteriores existências, necessitava guardar viva
recordação dos sofrimentos decorrentes do fato de pôr termo à vida física.
Yvonne cumpriu fielmente a sua missão, tendo sido por longos anos excelente
médium, cuja vida foi toda dedicada à Doutrina Espírita, ao bem e à paz.
Nesses, exemplos citados,
verificamos que a faculdade mediúnica surgida na infância se desdobrou em
tarefas específicas ao longo da vida de cada um. Entretanto, na maioria dos
casos, isto não acontece, visto que a faculdade como que se vai esmaecendo,
apagando, com o passar dos anos. Isto quer dizer que nem todas as crianças que
apresentem indícios de mediunidade terão compromissos nesta área, na idade
adulta.
Hermínio Miranda explica com
muita clareza este aspecto:
"Não é sempre que tais
faculdades, em crianças, têm o desdobramento previsto nesta ou naquela forma de
mediunidade. Como as recordações espontâneas de vidas passadas podem apagar-se,
aí pelos dez anos de idade. Nem todas as pessoas dotadas de faculdades
mediúnicas têm, necessariamente, tarefas especificas neste campo, ou seja, nem
sempre estão programadas para o exercício ativo e pleno no intercâmbio regular
entre os espíritos e as pessoas encarnadas". (Hermínio C. Miranda, “Nossos
filhos são espíritos”)
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