terça-feira, 18 de outubro de 2016

Arranjos produtivos da mediunidade[1]

 
Marcos Vinicius de Azevedo Braga[2] - Rio de Janeiro – RJ – Brasil
 

Caminhamos pela rua e vemos nos postes, outdoors e filipetas anúncios de prestação de serviços de natureza mediúnica, nas artes da adivinhação e nos famosos serviços que objetivam a busca de riqueza ou a volta da pessoa amada, com variantes e promocionais típicos da mercadologia, na qual se estabelecem prazos para a execução de serviços e a ação gratuita – denominada caridade, para chamar a atenção do cliente para o nosso estabelecimento, diante de outros, que ofertam produtos similares.
A série “Médium” (2005-2011), exibida na TV por assinatura e que tem como protagonista a médium Allison Dubois, interpretada de forma primorosa pela atriz Patrícia Arquette, é baseada em uma história real de uma médium que atua como consultora, na resolução de crimes, situação corriqueira nos Estados Unidos, na qual médiuns utilizam seus dotes para encontrar pessoas desaparecidas e para auxiliar a polícia, geralmente de forma remunerada, suprindo o que a ciência forense não consegue resolver.
Jovens reunidos animam suas noites com a brincadeira do copo, perturbando e sendo perturbados, em uma visão frívola da relação com os desencarnados, perguntando sobre amores e o futuro, se divertindo e servindo de diversão para Espíritos que ainda não despertaram para a luz. Tudo isso após assistirem aos famosos filmes de terror, fascinados pelo desconhecido, e ansiosos por sentir a sensação de medo.
Programas televisivos dos nossos irmãos evangélicos mostram incorporações de Espíritos, em rituais de exorcismos, com gritos, cantos e muita exaltação, na qual os Espíritos dos mortos recebem a alcunha de “Espírito Santo” e de “Demônios”, em espetáculos que misturam conceitos do cristianismo e de cultos afro-brasileiros, atendendo a demandas diversas, na carência material e espiritual, na espetacularização das mazelas humanas.
O fenômeno mediúnico aparece aí, no cotidiano vivo das pessoas, independente de sua filiação religiosa. Estas manifestações, entre outras, mostram a inserção da mediunidade na sociedade, seja na adivinhação que remonta à Grécia antiga, na terceirização de favores espirituais alcunhada de feitiçaria, no apoio à resolução de casos policiais, ou ainda, em situações mais incomuns, como a previsão do tempo e a busca de respostas em consultas aos Espíritos.
Assim, relacionam-se Espíritos encarnados e desencarnados, de formas por vezes bizarras, em consórcios para finalidades comuns, regidos pela lei de afinidade, em propósitos por vezes nem tão nobres assim, como nem tão nobre é o moto das ações dos encarnados.
A seara espírita nos brinda com um paradigma diferente… Na mediunidade com Jesus, naquela que busca associar planos para produzir o bem em ambas as dimensões, procura-se exercer a comunicação com o plano espiritual como um ofício na produção do bem, no qual o propósito elevado comanda as tarefas a serem desempenhadas, para além de interesses pessoais e da frivolidade.
Na carta consoladora do ente desencarnado, em prática consagrada por Chico Xavier e exercida por tantos outros companheiros, encontramos o consolo daqueles que se associam ao desespero diante do fenômeno da morte.
Na ação curativa, traz-se a reflexão aos que sofrem as enfermidades sobre as causas de suas dores, e de que a verdadeira cura deve vir do Espírito; aliviando dores, mas apontando a necessidade de reformas na criatura.
A mensagem psicografada que esclarece e orienta, enriquecendo o estudo de grupos e organizações, no entendimento das verdades da vida do lado de lá, é outra aplicação útil da mediunidade, no texto que se converte em livros que fortalecem os processos de estudos e por vezes subsidiam peças teatrais, músicas e filmes, como instrumentos de reflexão e de avanço espiritual.
E de todos esses arranjos produtivos, destacaremos um nesse breve artigo. Objeto de estudo do saudoso Hermínio Miranda, de recente retorno à Pátria espiritual, ele se esclarece na sua obra magistral, “Diálogo com as sombras – teoria e prática da doutrinação”, editada pela Federação Espírita Brasileira há quase 40 anos, sobre a prática das reuniões de atendimento aos Espíritos sofredores.
Hermínio, com a técnica e a didática que lhe são peculiares, aborda nessa obra a organização e a atuação de um grupo mediúnico de socorro aos desencarnados, analisando as tipologias e os papéis dos trabalhadores encarnados e dos atores desencarnados, discorrendo sobre a estrutura do trabalho e as técnicas de atuação, mesclando a sua experiência com o estudo das obras basilares sobre o assunto, tendo como produto final um guia básico para aqueles que se aventuram a atuar nesse tipo de trabalho.
Entretanto, para além das questões práticas, o livro apresenta a reunião mediúnica de atendimento aos desencarnados como um exercício de amor, de vivência evangélica, em situações reais, nas quais crescem espiritualmente trabalhadores encarnados e desencarnados, refletindo sobre os valores da vida, a transitoriedade da reencarnação e o que nos compete nesse exíguo tempo aqui encarnados. Iludidos, achamos que vamos ali “ajudar os Espíritos”.
As reuniões mediúnicas dessa natureza apresentam-se como verdadeiras aulas, de forma que o intercâmbio mediúnico não se prende a mensagens e conteúdos e sim ao aprendizado interativo nas vitrines vivas que se descerram, sendo Espíritos tão sofredores como nós, na longa jornada da evolução. A mediunidade ali se apresenta de forma dinâmica, integrada em equipes de ambos os planos da vida, no trabalho que demanda Espíritos mais próximos daqueles que ali sofrem, mas que também nos abastece de luz, em reuniões nas quais, a cada dia, morremos um pouquinho.
No portfólio de arranjos produtivos para a atuação mediúnica que nos brinda o cotidiano, não nos cabe criticar ou atacar as manifestações que surgem, nas suas diversas formas e propósitos, dentro do nível de maturidade de cada agrupamento. Cabe-nos, como espíritas esclarecidos, valorizar a atividade que contribua com o bem geral, aquela que forme homens de bem e que ajude a construir o reino de Deus aqui na Terra, como aplicações úteis dos talentos fornecidos aos médiuns de diversos matizes.
A mediunidade é um manancial de esclarecimento, e carece, na sua prática, de orientação e reflexão, principalmente no que tange aos seus propósitos. Mais do que regras e posturas, é preciso saber se na prática mediúnica trilhamos o caminho do bem e do aprendizado, para além de questões do cotidiano. Isso caracteriza a mediunidade com Jesus e não apenas lembrar-nos de seu nome.
E a reunião mediúnica de atendimento aos Espíritos sofredores, prática presente em nossas casas espíritas, deve ser estimulada e fortalecida pelo estudo e pela vivência, como forma de aplicação dos potenciais mediúnicos em uma dimensão ampla e integrada, no trabalho em equipes multidimensionais, como um estágio para ocupações que lutamos arduamente para ter assento em outros planos no futuro, mais por misericórdia do que por merecimento.