Maria Ribeiro
Nesta oportunidade far-se-á
algumas observações acerca dos possíveis efeitos causados pelos ensinamentos do
Espiritismo, ou o que exatamente estes ensinamentos têm provocado em seus
adeptos do ponto de vista social.
Segundo o que os Espíritos
disseram a Kardec, a missão do Espiritismo era transformar a humanidade. Disto
entende-se que, através dos esclarecimentos que ele encerra, cabe ao homem se
conscientizar dos seus reais deveres, a fim de proporcionar ensejo para que o
Bem prevaleça. Nestes quase cento e cinquenta anos em que se difundiu na nação
brasileira, talvez seja hora de se pensar qual a participação do Espiritismo
nos avanços da sociedade.
Não há registro na Codificação
que dê conta de que o homem deva ser “catequisado no Espiritismo”, conforme o
entendimento de alguns que lançam mão de livros já consagrados no ME[2]
para tal fim. Fica pouco claro de que o objetivo seja mesmo que se recorra à
reflexão, pois isto parece mais um pretexto para firmar uma linha de pensamento
“pré-moldado”, que induz as pessoas a fazerem da hora de estudo uma verdadeira
assembleia de autoajuda coletiva. Esclarecer é diferente de moldar opiniões, ao
contrário, um homem esclarecido pensa por si mesmo, adquire tal capacidade
através das suas experiências, de suas vivências.
A missão de esclarecer a
humanidade aguarda homens aptos para implementá-la, lembrando a questão 932 de O Livro dos Espíritos onde os Espíritos,
respondendo a Kardec dizem que os maus superam os bons em influência pela
fraqueza dos bons, pois “os bons são tímidos”. Esta timidez, evidentemente, diz
mais respeito ao comodismo do que propriamente a uma característica de
temperamento. O MEB conta com a maioria dos adeptos, num total de menos de três
milhões de pessoas declaradamente espíritas. Não se pode quantificar ainda
quantos realmente primam pelos estudos livres das raízes febianas, mas sabe-se
que seu número embora inexpressivo é muito atuante. Fato é que houve adeptos
que cederam às orientações comodistas de Espíritos ignorantes, fazendo surgir
uma dissidência que se pode nomear espíritas febianos, e aguardam que a Terra
entre na fase de regeneração, doando sopas, roupas, cestas básicas, fazendo a
campanha do quilo e cedendo algumas horas no “atendimento fraterno”.
Os Espíritos Codificadores disseram
que o primeiro direito do homem é o de viver, portanto, o que se tem feito com
a assistência social passa a ser uma obrigação para que se evite o desencarne
de alguém por falta do necessário à vida; nada de caridade. Trata-se de uma
tentativa de distribuir melhor os bens, ao menos do gênero alimentício. E isto
não vai transformar a humanidade, porque o ser humano precisa de instrução, de
educação, de lazer. Manter uma pessoa simplesmente alimentada não a torna
cidadã, não a torna um ser que pense a vida filosoficamente; o alimento
material não fará dela alguém consciente de seu papel no mundo. O Espiritismo
guia o homem para as veredas do raciocínio. As religiões apresentam um modelo
de raciocínio para que o homem siga. O movimento espírita adotou este método:
há uma lista de obras cujas passagens muitos companheiros trazem na ponta da
língua. Mas não é a proposta espírita a simples leitura de obras e consequente
assimilação de suas máximas – vai mais além: a leitura, o exame crítico,
conclusões próprias e atitudes efetivas.
Nada de cartilhas já prontas,
pois o Espiritismo rompeu com o comodismo mental, despertou na mente humana sua
condição de raciocinar. Neste conjunto de coisas, muitos espíritas acabaram
concluindo que as coisas estão como estão por que tem que estar. É como se
fosse uma fatalidade, é como se o atual momento histórico porque se passa
estivesse de conformidade com os planos do “alto”. Vive-se num mundo onde há
pessoas que morrem de fome enquanto um único homem ganha milhões de reais num
único mês; enquanto tem gente que vive num castelo com torneiras de ouro. Isto
não parece ser um plano do “alto”.
O país presencia denúncias de
corrupção há anos, mas os cofres públicos continuam sendo saqueados por um
bando de políticos sem escrúpulos e ninguém é punido, além do povo que
permanece pagando caros impostos e sofrendo os transtornos de obras que nunca
são concluídas. As interpretações de alguns adeptos é de que “não temos nada
com isso”, uma forma de manter o analfabetismo político entre as pessoas, de
manter as coisas como estão aguardando que os Amigos Espirituais tomem uma
providência. Nos últimos dias a nação brasileira iniciou uma série de
manifestações o que demonstra uma maturidade muito grande, já que não houve
incentivo de nenhum partido político; embora apareceram algumas bandeiras
partidárias oportunistas no meio da gente manifestante. Certamente no conjunto
da massa manifestante haverá um ou outro adepto espírita, mas infelizmente, não
se pode sonhar um movimento deste elaborado ou articulado por grupos de
espíritas, pois ainda estamos naquele “deixa pra lá”, “os espíritos estão no
controle”, porque é ensinado que “o mal não merece comentário”.
Os espíritas também estão
insatisfeitos com a miséria, a corrupção e a violência, mas não se manifestam
porque talvez não fica bem para um espírita pintar o rosto e segurar um cartaz
com uma destas frases de efeito, agressivas e contundentes, como se tem visto.
Os adeptos querem ficar longe de confusão, afinal pregam a caridade, o amor ao
próximo, o perdão, a compreensão… e “sendo os políticos nossos irmãos, temos
que, antes de julgá-los, julgar a nós mesmos, perceber que eles são espíritos
inexperientes, que estão se endividando…” O parentesco divino entre os homens é
incontestável, mas o exemplo do Mestre Jesus é claro na ocasião da expulsão dos
vendilhões do templo. Aqui o templo é a confiança que o sujeito ganhou de
milhares de pessoas e disso se aproveita para tirar vantagens atendendo aos
próprios interesses e enriquecendo, enquanto milhões não tem sequer o
necessário à sobrevivência… Não se pode agir da forma omissa como se tem feito
até agora, por que a omissão gera cumplicidade.
Vive-se numa sociedade que, ao
que tudo indica, não está indiferente aos seus problemas, como até recentemente
se pensava. Os jovens não estão só nas redes sociais curtindo banalidades. A
massa se agita, e os que achavam que a história de cobrar do governo era uma
fábula, está de queixo caído. Tudo isto se deve ao amadurecimento natural de
uma sociedade cansada das penas impostas por seus maus representantes, e não a
nenhuma orientação de qualquer grupo político, religioso ou filosófico. É
inevitável o questionamento apontado no início: o que os ensinamentos do
Espiritismo tem provocado em seus adeptos? De que maneira tem sido postos em
prática? A primeira e mais grave reação contrária aos ensinamentos da Doutrina
Espírita é, certamente, a hipocrisia, pois, a pretexto de gentileza, de
caridade, de compreensão, acaba-se permitindo que a hipocrisia paire no ambiente.
Não se pode achar que tudo está bem quando sabe-se que não está.
Parece uma forma de fugir da
luta… ao invés de enfrentá-la e descobrir um jeito de minimizar os efeitos
nocivos de uma dificuldade qualquer. O mundo em que os espíritas vivem não é a
Terra, não é o Brasil: muitos já estão no “Brasil coração do mundo pátria do
Evangelho”, um Brasil-ideal, por assim dizer, na verdade, um Brasil regenerado,
onde reina a paz e a harmonia. O problema é que isto é uma inverdade – estamos
todos num Brasil-real, material, onde espíritos encarnados tem o péssimo hábito
de comer, beber e vestir, no mínimo; onde há homens enganados e enganadores que
precisam ser corrigidos; onde há violência e corrupção, que precisam ser
vencidas; onde há criminosos que tem que ser punidos. Desencarnar e “ir” para
NOSSO LAR é o sonho de toda a maioria adepta febiana, mas não pensam que quando
reencarnarem encontrarão um mundo tal como deixaram, afinal nada contribuíram
para melhorá-lo.
Parece que os ensinos dos
Espíritos Superiores tem dado fruto, socialmente falando, de uma forma
subjetiva, uma vez que todo o progresso que se vê deveu-se aos esforços de
pessoas que professam outras religiões, ou nenhuma; aos estudiosos e
pesquisadores que volta e meia surgem com uma nova forma saudável de viver… aos
inventores que buscam apresentar mais conforto e praticidade à vida moderna…
aos cientistas com seus descobrimentos de vacinas e medicamentos. Intimamente é
que estes ensinos tem maior relevância, e partindo de uma existência à outra é
que se evidenciam as mudanças no contexto social. Seguindo este raciocínio, não
parece que se deve esperar que ainda nesta geração se vejam grandes coisas
realizadas em nome do Espiritismo, precisamente porque seus adeptos ainda se
encontram presas de um movimento espírita paralisante. Quando este efeito
passar, os adeptos serão mais corajosos, e aí tomarão as rédeas, inclusive da
sua própria condução e representatividade na nação brasileira.
[2] Movimento Espírita
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