Santo Agostinho - Paris, 1862
A ingratidão é um dos frutos
mais imediatos do egoísmo, e revolta sempre os corações virtuosos. Mas a dos
filhos para com os pais tem um sentido ainda mais odioso. É desse ponto de
vista que a vamos encarar mais especialmente, para analisar-lhe as causas e os
efeitos.
Nisto, como em tudo, o
Espiritismo vem lançar luz sobre um dos problemas do coração humano.
Quando o Espírito deixa a Terra,
leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua natureza, e vai no
espaço aperfeiçoar-se ou estacionar, até que deseje esclarecer-se. Alguns, portanto,
levam consigo ódios violentos e desejos de vingança. A alguns deles, porém,
mais adiantados, é permitido entrever algo da verdade: reconhecem os funestos
efeitos de suas paixões, e tomam então boas resoluções; compreendem que, para
se dirigirem a Deus, só existe uma senda a caridade. Mas não há caridade sem
esquecimento das ofensas e das injúrias; não há caridade com ódio no coração e
sem perdão.
É então que, por um esforço
inaudito, voltam o seu olhar para os que detestaram na Terra. À vista deles,
porém, sua animosidade desperta. Revoltam-se à ideia de perdoar, e ainda mais a
de renunciarem a si mesmo, mas sobretudo a de amar aqueles que lhes destruíram
talvez a fortuna, a honra, a família. Não obstante, o coração desses
infortunados está abalado. Eles hesitam, vacilam, agitados por sentimentos
contrários. Se a boa resolução triunfa, eles oram a Deus, imploram aos Bons
Espíritos que Ihes deem forças no momento mais decisivo da prova.
Enfim, depois de alguns anos de
meditação e de preces, o Espírito se aproveita de um corpo que se preparara, na
família daquele que ele detestou, e pede, aos Espíritos encarregados de transmitir
as ordens supremas, permissão para ir cumprir sobre a Terra os destinos desse corpo
que vem de se formar. Qual será, então, a sua conduta nessa família? Ela
dependerá da maior ou menor persistência das suas boas resoluções. O contato
incessante dos seres que ele odiou é uma prova terrível, da qual às vezes
sucumbe, se a sua vontade não for bastante forte. Assim, segundo a boa ou má
resolução que prevalecer, ele será amigo ou inimigo daqueles em cujo meio foi
chamado a viver. É assim que se explicam esses ódios, essas repulsas
instintivas, que se notam em certas crianças, e que nenhum fato exterior parece
justificar. Nada, com efeito, nessa existência, poderia provocar essa
antipatia. Para encontrar-lhe a causa, é necessário voltar os olhos ao passado.
Oh, espíritas! Compreendei neste
momento o grande papel da Humanidade! Compreendei que, quando gerais um corpo,
a alma que se encarna vem do espaço para progredir. Tomai conhecimento dos
vossos deveres, e ponde todo o vosso amor em aproximar essa alma de Deus: é
essa a missão que vos está confiada, e da qual recebereis a recompensa, se a cumprirdes
fielmente. Vossos cuidados, a educação que lhe derdes, auxiliarão o seu aperfeiçoamento
e a sua felicidade futura. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe, Deus perguntará:
"Que fizestes da criança confiada à vossa guarda?" Se permaneceu
atrasada por vossa culpa, vosso castigo será o de vê-la entre os Espíritos
sofredores, quando dependia de vós que fosse feliz. Então vós mesmos,
carregados de remorsos, pedireis para reparar a vossa falta; solicitareis uma
nova encarnação, para vós e para ela, na qual a cercareis de mais atentos
cuidados, e ela, cheia de reconhecimento, vos envolverá no seu amor.
Não recuseis, portanto, o filho
que no berço repele a mãe, nem aquele que vos paga com a ingratidão: não foi o
acaso que o fez assim e que lhe enviou. Uma intuição imperfeita do passado se
revela, e dela podeis deduzir que um ou outro já odiou muito ou foi muito
ofendido, que um ou outro veio para perdoar ou expiar. Mães! Abraçai, pois, a
criança que vos causa aborrecimentos, e dizei para vós mesmas: "Uma de nós
duas foi culpada." Merecei as divinas alegrias que Deus concedeu à
maternidade, ensinando a essa criança que ela está na Terra para se
aperfeiçoar, amar e abençoar. Mas, ah! Muitas dentre vós, em vez de expulsar
por meio, da educação os maus princípios inatos, provenientes das existências
anteriores, entretém e desenvolvem esses princípios, por descuido ou por uma
culposa fraqueza. E, mais tarde, o vosso coração ulcerado pela ingratidão dos
filhos, será para vós, desde esta vida, o começo da vossa expiação.
A tarefa não é tão difícil como
podereis pensar. Não exige o saber do mundo: o ignorante e o sábio podem
cumpri-la, e o Espiritismo vem facilitá-la, ao revelar a causa das imperfeições
do coração humano.
Desde o berço, a criança
manifesta os instintos bons ou maus que traz de sua existência anterior. É
necessário aplicar-se em estudá-los. Todos os males têm sua origem no egoísmo e
no orgulho. Espreitai, pois, os menores sinais que revelam os germes desses
vícios, e dedicai-vos a combatê-los, sem esperar que eles lancem raízes
profundas. Fazei como o bom jardineiro, que arranca os brotos daninhos à medida
que os vê aparecerem na árvore. Se deixardes que o egoísmo e o orgulho se
desenvolvam, não vos espanteis de ser pagos mais tarde pela ingratidão. Quando
os pais tudo fizeram para o adiantamento moral dos filhos, se não conseguiram
êxito, não tem do que lamentar e sua consciência pode estar tranquila.
Quanto à amargura muito natural
que experimentam, pelo insucesso de seus esforços, Deus reserva-lhes uma
grande, imensa consolação, pela certeza de que é apenas um atraso momentâneo, e
que lhe será dado acabarem outra existência a obra então começada, e que um dia
o filho ingrato os recompensará com o seu amor. (Ver cap. XIII, n°19).
Deus não faz as provas
superiores às forças daquele que as pede; só permite as que podem ser
cumpridas; se isto não se verifica, não é por falta de possibilidades, mas de
vontade. Pois quantos existem, que em lugar de resistir aos maus arrastamentos,
neles se comprazem: é para eles que estão reservados o choro e o ranger de
dentes, em suas existências posteriores.
Admirai, entretanto, a bondade
de Deus, que nunca fecha a porta ao arrependimento. Chega um dia em que o
culpado está cansado de sofrer, o seu orgulho foi por fim dominado, e é então que
Deus abre os braços paternais para o filho pródigo, que se lança aos seus pés.
As grandes provas, - escutai bem, - são quase sempre o indício de um fim de
sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, desde que sejam aceitas por
amor a Deus. É um momento supremo e é nele, sobretudo, que importa não falir
pela murmuração, se não se quiser perder o fruto da prova e ter de recomeçar.
Em vez de vos queixardes, agradecei a Deus, que vos oferece a ocasião de
vencer, para vos dar o prêmio da vitória. Então quando, saído do turbilhão do
mundo terreno, entrardes no mundo dos Espíritos, sereis ali aclamado, como o
soldado que saiu vitorioso do centro da refrega.
De todas as provas, as mais
penosas são as que afetam o coração. Aquele que suporta com coragem a miséria
das privações materiais, sucumbe ao peso das amarguras domésticas, esmagado
pela ingratidão dos seus. Oh, é essa uma pungente angústia! Mas o que pode, nessas
circunstâncias, reerguer a coragem moral, senão o conhecimento das causas do
mal, com a certeza de que, se há longas dilacerações, não há desesperos
eternos, porque Deus não pode querer que a sua criatura sofra para sempre. O
que há de mais consolador, de mais encorajador, do que esse pensamento de que
depende de si mesmo, de seus próprios esforços, abreviar o sofrimento,
destruindo em si as causas do mal? Mas, para isso, é necessário não reter o
olhar na Terra e não ver apenas uma existência; é necessário elevar-se, pairar
no infinito do passado e do futuro. Então, a grande justiça de Deus se revela
aos vossos olhos, e esperais com paciência, porque explicastes a vós mesmos o
que vos parecia monstruosidades da Terra. Os ferimentos que recebestes vos
parecem simples arranhaduras.
Nesse golpe de vista lançado
sobre o conjunto, os laços de família aparecem no seu verdadeiro sentido: não
mais os laços frágeis da matéria que ligam os seus membros, mas os laços
duráveis do Espírito, que se perpetuam, e se consolidam, ao se depurarem, em
vez de se quebrarem com a reencarnação.
Os espíritos cuja similitude de
gostos, identidade de progresso moral e de afeição, levam a reunir-se, formam
famílias. Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, buscam-se para
agrupar-se, como faziam no espaço, dando origem às famílias unidas e
homogêneas. E se, nas suas peregrinações, ficam momentaneamente separados, mais
tarde se reencontram, felizes por seus novos progressos. Mas como não devem
trabalhar somente para si mesmos, Deus permite que Espíritos menos adiantados
venham encarnar-se entre eles, a fim de haurirem conselhos e bons exemplos, no
interesse do seu próprio progresso. Eles causam, por vezes, perturbações no
meio, mas é lá que está a prova, lá que se encontra a tarefa. Recebei-os, pois,
como irmãos; ajudai-os e, mais tarde, no mundo dos Espíritos, a família se
felicitará por haver salvo do naufrágio os que, por sua vez, poderão salvar
outros.
[1] O Evangelho Segundo o Espiritismo - Allan
Kardec
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