quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Primeiro Kardec[1]



José Carlos da Silva Silveira


Estudar os livros de Allan Kardec antes de palmilhar os caminhos da imensa bibliografia espírita já existente é fator essencial para uma jornada doutrinária isenta de atropelos. Isso porque ser espírita sem Kardec — admitamos a possibilidade a guisa de argumentação — é andar sem destino, é navegar sem bússola, é levantar um edifício sem cuidar do lançamento dos alicerces.
Claro está que os ensinamentos espirituais codificados pelo mestre de Lyon têm tido seus desdobramentos, uma vez que os ensinos dos Espíritos Superiores são aprofundados a partir do grau de maturidade dos espíritas, que se desenvolve pelo estudo e pela prática das verdades reveladas. Todavia, sem a análise meticulosa; o exame sério e detido das páginas escritas por Allan Kardec, que retratam a mensagem dos Orientadores Espirituais da Humanidade, priva-se do discernimento indispensável para separar os reais desdobramentos — que acrescentam pormenores sem desnaturar a essência — do desvio, do erro, da fantasia, em que se comprazem os chamados “mentores”, nos dois planos da vida.
Espiritismo foi termo criado por Allan Kardec para titular a nova doutrina, que surgia dos ensinos dados pelo Espírito de Verdade, doutrina codificada sob a ótica de dois princípios básicos: o crivo da razão e a universalidade e concordância daqueles ensinos. Tais princípios devem balizar a ação dos espíritas em todos os tempos como garantia de segurança doutrinária.
A opinião de um Espírito, desencarnado ou encarnado, só adquire relevância no sentido de inserção no conteúdo do Espiritismo à medida que vai sendo absorvida pela razão e recebendo o beneplácito dos Espíritos Superiores, que continuam a se comunicar em todos os recantos do Planeta. Esse o critério do Codificador, o “bom senso encarnado”, no dizer de Camille Flammarion. Tal deve ser o nosso critério, se pretendemos ser seus discípulos.
“Bem examinada, a Codificação do Espiritismo apresenta-se como bússola norteadora dos nossos estudos doutrinários”.
A precipitação no trato com o ensino dos Espíritos poderá acarretar danos plenamente evitáveis na divulgação do Espiritismo. A mentira, a fantasia, o erro introduzidos, por descuido, na propagação da Doutrina Espírita, comprometem o trabalho, em que todos nos empenhamos, de levar aos homens uma mensagem simples e pura, que lhes sirva de roteiro seguro em meio das dificuldades da existência.
Por outro lado, a verdade, mantida em suspenso por imaturidade nossa, voltará mais tarde, sem maiores percalços, com a força redobrada pela aceitação geral.
O trabalho de divulgação do Espiritismo traz-nos imensa responsabilidade diante da própria consciência, pois que estamos levando aos outros uma doutrina que não nos pertence e sim aos Espíritos Superiores, como mandatários do Cristo.
Estudar Kardec, antes, é uma garantia de melhor compreensão dessa doutrina, sempre clara, simples, objetiva e, ao mesmo tempo, sublime, escoimada de toda sorte de misticismo, que, frequentemente, mantém a atenção na forma, em detrimento do conteúdo da mensagem.
O estudo das obras da Codificação leva-nos a separar o que vem dos Espíritos, constituindo-se, por isso mesmo, em revelações do Plano Superior, das ilações e comentários de Kardec, que, embora inegavelmente inspirado pelo Espírito da Verdade, não poderia deixar de emitir seus conceitos também com base nos conhecimentos da época e no seu próprio juízo de valor como homem. Essa distinção é importante para não se tomar a palavra de Kardec por ensino dos Espíritos, levando-se em conta que o próprio Codificador foi peremptório ao afirmar ser a doutrina dos Espíritos e não dele.
Outro ponto fundamental para o estudioso é a necessidade de se fazer a interpretação sistemática das instruções dos espíritos, para que seja, examinadas, não isoladamente, mas no conjunto. Somente a Adoção desse procedimento evita radicalizações, sempre perniciosas diante de nossas responsabilidades dentro do Movimento Espírita, em especial na tarefa da Unificação.
Bem Examinada, a Codificação do Espiritismo apresenta-se como bússola norteadora dos nossos estudos doutrinários, ajudando-nos a discernir com maior acerto quanto às comunicações recebidas através dos tempos por médiuns diversos, a fim de que sejam colocadas no seu devido lugar: como repetição ou desenvolvimento da essência doutrinária inserta na codificação; como inserindo informações, cuja veracidade não temos ainda condições de constatar; ou como fantasias, que devem ser afastadas liminarmente de nossos programas de divulgação do Espiritismo.
 
REFORMADOR, 1996




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