Se o amor do próximo é o
princípio da caridade, amar aos inimigos é a sua aplicação sublime, porque essa
virtude constitui uma das maiores vitórias conquistadas sobre o egoísmo e o
orgulho.
Não obstante, geralmente nos
equivocamos quanto ao sentido da palavra amor, aplicada a esta circunstância.
Jesus não entendia, ao dizer essas palavras, que se deve ter pelo inimigo a
mesma ternura que se tem por um irmão ou por um amigo. A ternura pressupõe
confiança.
Ora, não se pode ter confiança
naquele que se sabe que nos quer mal. Não se pode ter para com ele as efusões
da amizade, desde que se sabe que é capaz de abusar delas. Entre pessoas que
desconfiam uma das outras, não pode haver os impulsos de simpatia existentes
entre aquelas que comungam nos mesmos pensamentos. Não se pode, enfim, ter a
mesma satisfação ao encontrar inimigo, que se tem com um amigo.
Esse sentimento, por outro lado,
resulta de uma lei física: assimilação e repulsão dos fluidos.
O pensamento malévolo emite uma
corrente fluídica que causa penosa impressão; o pensamento benévolo envolve-nos
num eflúvio agradável. Daí a diferença de sensações que se experimenta, à
aproximação de um inimigo ou de amigo. Amar aos inimigos não pode, pois,
significar que não se deve fazer nenhuma diferença entre eles e os amigos. Este
preceito parece difícil, e até mesmo impossível de se praticar, porque
falsamente supomos que ele prescreve darmos a uns e a outros o mesmo lugar no
coração. Se a pobreza das línguas humanas nos obriga a usar a mesma palavra,
para exprimir formas diversas de sentimento, a razão deve fazer as diferenças
necessárias, segundo os casos.
Amar aos inimigos, não é, pois,
ter por eles uma afeição que é natural, uma vez que o contato de um inimigo faz
bater o coração de maneira inteiramente diversa que o de um amigo. Mas é não
ter ódio, nem rancor, ou desejo de vingança. É perdoá-los sem segunda intenção
e incondicionalmente, pelo mal que nos fizeram. É opor nenhum obstáculo à
reconciliação. É desejar-lhes o bem em vez do mal. É alegrar-nos em lugar de
aborrecer-nos com o bem que os atinge. É estender-lhes a mão prestativa em caso
de necessidade. É abster-nos, por atos e palavras, de tudo o que possa
prejudicá-lo enfim, pagar-lhes em tudo o mal com o bem, sem a intenção humilhá-los.
Todo aquele que assim fizer, cumpre as condições do mandamento: Amai aos vossos
inimigos.
Amar aos inimigos é um absurdo
para os incrédulos. Aquele para quem a vida presente é tudo, só vê no seu
inimigo uma criatura perniciosa, a perturbar-lhe o sossego, e do qual somente a
morte o pode libertar. Daí o desejo de vingança. Não há nenhum interesse em
perdoar, a menos que seja para satisfazer o seu orgulho aos olhos do mundo.
Perdoar, até mesmo lhe parece, em certos casos, uma fraqueza indigna da sua personalidade.
Se não se vinga, pois, nem por isso deixa de guardar rancor e um secreto desejo
de fazer o mal.
Para o crente, e mais ainda para
o espírita, a maneira de ver é inteiramente diversa, porque ele dirige o seu
olhar para o passado e o futuro, entre os quais, a vida presente é um momento
apenas. Sabe que, pela própria destinação da Terra, nela devem encontrar homens
maus e perversos; que as maldades a que está exposto fazem parte das provas que
deve sofrer. O ponto de vista em que se coloca torna-lhe as vicissitudes menos
amargas, quer venham dos homens ou das coisas. Se não se queixa das provas, não
deve queixar-se também dos que lhe servem de instrumentos. Se, em lugar de
lamentar, agradece a Deus por experimentá-lo, deve também agradecer a mão que
lhe oferece a ocasião de mostrara sua paciência e a sua resignação. Esse
pensamento o dispõe naturalmente ao perdão. Ele sente, aliás, que quanto mais
generoso for, mais se engrandece aos próprios olhos e mais longe se encontra do
alcance dos dardos do seu inimigo.
O homem que ocupa no mundo uma
posição elevada não se considera ofendido pelos insultos daquele que olha como
seu inferior. Assim acontece com aquele que se eleva, no mundo moral, acima da
humanidade material. Compreende que o ódio e o rancor o envileceriam e
rebaixariam, pois, para ser superior ao seu adversário, deve ter a alma mais
nobre, maior e mais generosa.
[1] O Evangelho
Segundo o Espiritismo – Allan Kardec –
Capítulo XII – Amai os vossos Inimigos
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