quarta-feira, 13 de julho de 2016

As cores que apenas algumas mulheres conseguem enxergar[1]


 

Há alguns anos, a artista Concetta Antico descobriu ter uma mutação genética que a dotou de uma percepção surpreendentemente sensível das cores - ela vê um espectro de tons distintos onde vemos apenas uma cor.
Como ela disse à BBC Future em 2014, mesmo a pedrinha mais comum na estrada para ela brilha como um caleidoscópio.
"A pedrinha saltava em mim com laranjas, amarelos, verdes, azuis e rosas", diz ela. "Fiquei pouco chocada quando percebi o que outras pessoas não veem."
Uma folha verde aparentemente simples pode estourar em tons fortes de vermelho, enquanto um monte de tomates se torna uma paleta multicolorida de tons - Antico afirma que ela pode escolher o fruto mais maduro de relance, graças a diferenças sutis de sombra que seriam invisíveis para a maioria das pessoas.
"As cores intensas estão falando comigo o tempo todo," diz.
Do mesmo jeito que um daltônico não pode imaginar a variedade de vermelhos e verdes que a maioria pode ver, a maior parte das pessoas pode não ser capaz de conceber o arco-íris que ela descreve.
Em 2014, a pesquisa científica sobre as habilidades de Antico haviam apenas começado, mas hoje estão a todo vapor - e um novo artigo traz dados de impacto sobre o mundo da artista.
Sabe-se há tempos que pessoas com visão extraordinária como Antico deveriam existir na teoria, graças a uma rara diferença na maneira como os olhos são formados.
Imagine a retina como um mosaico, composto por diferentes tipos de células fotossensíveis conhecidas como cones. A maioria das pessoas possui três tipos de cones conectados a diferentes grupos de comprimentos de onda (o que nos faz 'tricromáticos').
A luz de cada parte da cena ativa essas células em distintos graus, e a exata combinação de sinais determina a cor que percebemos.
Algumas mulheres, contudo, são "tetracromáticas". Graças a duas mutações diferentes em cada um dos cromossomos X, elas possuem quatro cones - aumentando a combinação de cores que são capazes de ver.
A mutação não é muito rara (estimativas de prevalência variam, mas podem ser de ate 47% entre mulheres de descendência europeia), porém cientistas lutaram para encontrar alguém que tivesse, de fato, a percepção aumentada.
Antico foi selecionada após testes que mostraram que sua visão era diferente. Estudos comprovaram que a tetracromia da artista proporciona visão melhorada em locais de baixa iluminação - o que permitia, por exemplo, visões incríveis do entardecer.
Depois de a BBC Future divulgou a história, ela ficou famosa como a "mulher com visão de arco-íris".
Mas mesmo se você tiver as versões exatas dos genes relacionados à percepção de cor, será preciso treinamento para desenvolver esse potencial genético.
Ainda assim, muitas perguntas ficaram em aberto. Como muitas mulheres podem portar a mutação e poucas pessoas terem essa visão especial?
"Uma possibilidade é que você tenha que ter um treinamento precoce para estimular essa capacidade", afirma Kimberly Jameson, da Universidade da Califórnia, em Irvine, que fez inúmeros testes com Antico.
Antico é uma artista que prestou atenção em variações sutis de cor durante quase toda sua vida. "Eu era bem maníaca. Sempre quis representar tudo o que podia ver", afirma.
Talvez esse tipo de intensa experiência tenha sido crucial para reprogramar o cérebro para receber os sinais extras que seus olhos estavam recebendo.
Para passar isso a limpo, Jameson fez uma parceria com Alissa Winkler, da Universidade de Nevada, para comparar a visão de Antico com um leque de outros participantes, incluindo outra tetracromática que não é artista e um artista com visão normal.
O experimento testou a sensibilidade dos participantes a diferentes níveis de luminosidade a certos comprimentos de onda de luz. Em outras palavras, com o cone extra nos olhos de Antico, ela deveria captar mais luz e ver diferenças sutis no brilho de certas sombras.
Resultados
De fato, Antico provou ser mais sensível do que uma pessoa normal, sobretudo no caso de tons avermelhados - um achado que confirmou as previsões feitas a partir de seu teste genético.
Como Jameson suspeitava, Antico também se saiu bem melhor do que a outra tetracromática que não era artista - dando peso à ideia de que seu treinamento em cores tenha sido fundamental ao desenvolvimento de suas habilidades.
Os experimentos de Jameson permitiram construir uma simulação da visão de Antico. Os pontos pretos revelam áreas afetadas pelo "cone extra" - cerca de um terço da imagem.
Usando esses resultados, Jameson reconstruiu algumas fotos para mostrar um pouco melhor como o mundo parece para Antico. Embora seja impossível recriar exatamente as cenas que ela vê, as fotos destacam as áreas que seriam mais sensíveis para a artista.
Na cena de montanha acima, por exemplo, as faixas em destaque mostram os pontos mais afetados pela tetracromia. Quando pergunto como ela vê a cena, ela diz que os morros são de um rosa alaranjado, e que há muito violeta no mato. As moitas, diz ela, são "laranja claro, amarelo e verde oliva".
 
Portas da percepção
"Agora tenho toda uma nova percepção de tudo o que as outras pessoas não estão vendo", ela diz. "É chocante para mim. Até quando descobri que tinha tetracromia, não sabia a dimensão das diferenças entre o que vejo e o que pessoas normais estão vendo."
Jameson agora começou a estudar outros artistas tetracromáticos (incluindo a irmã de Antico) - e a expectativa é entender como essa habilidade se reflete no estímulo artístico.
Até agora, parece que as pinturas de Antico trazem os mesmos tipos de detalhes que poderiam ser previstos pelas simulações das pesquisadoras Jameson e Winkler.
Antico, por sua vez, espera usar as simulações de Jameson como um guia em suas aulas de arte. Ao encorajar pessoas a focar nas áreas mais vibrantes para ela, a artista espera que esses alunos possam treinar os olhos para serem mais sensíveis.
E ela diz já ver resultados. “Ontem estava caminhando com meus alunos e um deles disse ‘Olhe aquela violeta na moita - nunca teria visto isso sem você”.

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