Pedro de Camargo – Pseudônimo
de Vinícius[2]
Podemos dizer, por hábito e
força de expressão, que a vida humana encerra dois problemas – o físico e o
espiritual. Daquele, os homens não se têm descuidado, pois constituiu sempre,
através de todos os tempos, a sua máxima preocupação. Quanto ao segundo, eles o
descuram lamentavelmente, esquecendo-se de que é por isso que os outros
problemas – os materiais – continuam sem solução, apesar de tratados com tanto
zelo e solicitude.
A inversão de valores, nesse
particular, tem sido fatal à Humanidade. Do pão para a boca jamais o homem
olvidou. Quando lhe falta ou escasseia, ele prorrompe em protestos e lamentos,
entregando-se ao desespero. Da roupa, para cobrir o corpo, também nunca
desdenhou, empregando engenho e arte para consegui-la sob as formas mais variadas
e apropriadas a cada região do globo e a cada estação do ano. O teto para
abrigar-se tem sido, a seu turno, objeto de suas cogitações constantes,
dedicando a essa questão o melhor do seu tempo e de sua inteligência. Na
pecúnia, nunca deixou de pensar, sendo que este elemento absorve sua mente
quase por completo, pois a pecúnia é a mola a que tudo obedece neste mundo.
Será, no entanto, que o estômago
é mais importante que a razão? Acaso os tubos digestivos representam mais que
as cordas do sentimento?
Dirão, talvez, os homens
“práticos e sabidos” que as utilidades desta vida devem realmente ser
consideradas em primeiro plano, visto como, abstraindo-nos do pão, vestuário e
teto, o mais não passa de teorias que carecem de importância; estamos no plano
da matéria, encarnados num corpo que depende daquelas utilidades. Portanto,
acima de tudo, cumpre atender a essa circunstância. De nada vale falar no pão
do Espírito quando o estômago está vazio e o corpo nu. O que interessa aos
famintos, aos miseráveis, aos desnudos e peregrinos, é pão para a boca, é
vestuário, é teto.
Perfeitamente. As necessidades
físicas requerem medidas imediatas, enquanto as necessidades espirituais, sendo
de efeitos remotos, podem, sem prejuízo, ser adiadas “sine die”. Ninguém morre
por carência de luz, mas certamente muitos perecem à mingua de pão. Tudo isso
parece certo, e é assim que os “homens práticos” pensam, agindo sob o influxo
desse critério.
Mas, assim sendo, porque então
continuam insolúveis os problemas materiais do pão, do vestuário, do teto e da
enfermidade, não falando já no do vício e do crime?
A resposta é óbvia e clara; é
porque aqueles casos só serão solucionados à luz do Espírito.
Quando o problema espiritual for
encarado e estudado como merece, verificar-se-á que os de categoria material
estão intrinsecamente ligados àquele; não podem, portanto, resolver-se em
separado, distintamente.
Enquanto persistirem no erro de
colocar em primeiro lugar o corpo, nada de que o corpo carece estará acautelado
e seguro. Logo, porém, que o Espírito esteja acima da matéria, a razão acima do
estômago e o sentimento acima dos tubos digestivos, os problemas da vida terão
pronta solução. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça; tudo
o mais vos será dado de graça e por acréscimo”.
Em realidade, não há problemas
materiais; só existe um problema na vida: o espiritual. Mesmo por amor ao corpo
devemos cuidar do Espírito. Assim, pois, se estamos interessados nas coisas do
corpo – como é natural que estejamos, porque a “máquina divina” é instrumento
de nossa evolução -, cuidemos com afinco e perseverança, sem vacilações nem
esmorecimentos, das coisas da alma. O corpo foi criado para o Espírito e não o
Espírito para o corpo: eis a questão posta em seus devidos termos, e, ao mesmo
tempo, eis como se acha a incógnita que encerra o senso da Vida.
[2] Na Seara do
Mestre – Editora: FEB (Federação Espírita Brasileira) – Páginas: 105 até
107 – 5ª Edição de 1985 – Rio de Janeiro/1951.
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