quinta-feira, 14 de julho de 2016

OS PROBLEMAS DA VIDA[1]



Pedro de Camargo – Pseudônimo de Vinícius[2]


Podemos dizer, por hábito e força de expressão, que a vida humana encerra dois problemas – o físico e o espiritual. Daquele, os homens não se têm descuidado, pois constituiu sempre, através de todos os tempos, a sua máxima preocupação. Quanto ao segundo, eles o descuram lamentavelmente, esquecendo-se de que é por isso que os outros problemas – os materiais – continuam sem solução, apesar de tratados com tanto zelo e solicitude.

A inversão de valores, nesse particular, tem sido fatal à Humanidade. Do pão para a boca jamais o homem olvidou. Quando lhe falta ou escasseia, ele prorrompe em protestos e lamentos, entregando-se ao desespero. Da roupa, para cobrir o corpo, também nunca desdenhou, empregando engenho e arte para consegui-la sob as formas mais variadas e apropriadas a cada região do globo e a cada estação do ano. O teto para abrigar-se tem sido, a seu turno, objeto de suas cogitações constantes, dedicando a essa questão o melhor do seu tempo e de sua inteligência. Na pecúnia, nunca deixou de pensar, sendo que este elemento absorve sua mente quase por completo, pois a pecúnia é a mola a que tudo obedece neste mundo.

Será, no entanto, que o estômago é mais importante que a razão? Acaso os tubos digestivos representam mais que as cordas do sentimento?

Dirão, talvez, os homens “práticos e sabidos” que as utilidades desta vida devem realmente ser consideradas em primeiro plano, visto como, abstraindo-nos do pão, vestuário e teto, o mais não passa de teorias que carecem de importância; estamos no plano da matéria, encarnados num corpo que depende daquelas utilidades. Portanto, acima de tudo, cumpre atender a essa circunstância. De nada vale falar no pão do Espírito quando o estômago está vazio e o corpo nu. O que interessa aos famintos, aos miseráveis, aos desnudos e peregrinos, é pão para a boca, é vestuário, é teto.

Perfeitamente. As necessidades físicas requerem medidas imediatas, enquanto as necessidades espirituais, sendo de efeitos remotos, podem, sem prejuízo, ser adiadas “sine die”. Ninguém morre por carência de luz, mas certamente muitos perecem à mingua de pão. Tudo isso parece certo, e é assim que os “homens práticos” pensam, agindo sob o influxo desse critério.

Mas, assim sendo, porque então continuam insolúveis os problemas materiais do pão, do vestuário, do teto e da enfermidade, não falando já no do vício e do crime?

A resposta é óbvia e clara; é porque aqueles casos só serão solucionados à luz do Espírito.

Quando o problema espiritual for encarado e estudado como merece, verificar-se-á que os de categoria material estão intrinsecamente ligados àquele; não podem, portanto, resolver-se em separado, distintamente.

Enquanto persistirem no erro de colocar em primeiro lugar o corpo, nada de que o corpo carece estará acautelado e seguro. Logo, porém, que o Espírito esteja acima da matéria, a razão acima do estômago e o sentimento acima dos tubos digestivos, os problemas da vida terão pronta solução. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça; tudo o mais vos será dado de graça e por acréscimo”.

Em realidade, não há problemas materiais; só existe um problema na vida: o espiritual. Mesmo por amor ao corpo devemos cuidar do Espírito. Assim, pois, se estamos interessados nas coisas do corpo – como é natural que estejamos, porque a “máquina divina” é instrumento de nossa evolução -, cuidemos com afinco e perseverança, sem vacilações nem esmorecimentos, das coisas da alma. O corpo foi criado para o Espírito e não o Espírito para o corpo: eis a questão posta em seus devidos termos, e, ao mesmo tempo, eis como se acha a incógnita que encerra o senso da Vida.




[2] Na Seara do Mestre – Editora: FEB (Federação Espírita Brasileira) – Páginas: 105 até 107 – 5ª Edição de 1985 – Rio de Janeiro/1951.

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