Márcio Martins da Silva Costa
- 23/10/ 2015
Felisberto era encarregado do
Departamento Doutrinário da Casa Espírita em que frequentava. Assumiu esta
tarefa pela indicação unânime de todos os demais colegas, os quais o
consideravam um exemplo de conhecimento da Doutrina. Sempre que havia alguma
dúvida nos estudos, Felisberto era solicitado. Quando o Centro se preparava
para algum seminário ou outro evento, era também Felisberto que indicava os
livros de referência.
Anos se passaram, e o que era a
satisfação e exemplo de trabalho foi transformando-se aos poucos em um orgulho
velado por parte de Felisberto. O que antes era simplicidade passava a dar
lugar a expressões imponentes, tais como: -”… e você não sabe isso? Não leu
ainda?”, franzindo o rosto de maneira amarga.
Entre o vai-e-vem dos
participantes dos grupos, novas pessoas foram chegando a Casa Espírita,
conhecendo Felisberto como sendo uma das “autoridades” do Centro. Os mais novos
nem se atreviam a se contrapor com questionamentos e perguntas, pois sabiam que
poderiam ser rechaçados diante dos demais irmãos se o distinto coordenador
estivesse por perto.
Sem encontrar pessoas dedicadas
como ele à leitura detalhada da Doutrina, passou a assumir uma postura mais
fechada. Quase não sorria mais. No seu entender, aquele seu perfil
exemplificava a seriedade com a qual os estudos deveriam ser conduzidos.
Logo sua postura contagiou
alguns confrades que também passaram a adotar um posicionamento mais sério. As
reuniões da Diretoria, que antes eram realizadas em clima fraterno e feliz,
passaram a ser conduzidas com certo constrangimento dos integrantes. Só havia
espaço para a prece de abertura, as propostas de Felisberto, a apresentação de
detalhes administrativos por outros membros e o encerramento com uma curta
prece.
Anos de pequenas mudanças,
imperceptíveis pela maioria, passaram a influenciar a psicosfera da Casa. O que
antes representava acolhimento figurava-se agora como constrangimento.
Iniciativas dos mais novos trabalhadores costumavam ser tolhidas, na
justificativa de que eram necessários anos de estudo para estar à frente de
qualquer atividade. A Casa já não lotava suas fileiras como antes.
Felisberto agora já exibia
cabelos grisalhos e o rosto enrugado, quando uma mensagem fora recebido em uma
reunião mediúnica. O tema da comunicação era o afastamento das pessoas do
Centro. De acordo com o mentor espiritual da Casa, espíritos de regiões
entenebrecidas pelo ódio e pela inveja do bem há anos se incomodavam com os resultados
sublimes angariados pelos trabalhadores. Eles queriam impedir a continuação
daquelas atividades redentoras. Mas precisavam partir de algum ponto.
Sem adentrar em detalhes, a
comunicação destacava que um dos antigos e influentes trabalhadores do Centro
fora escolhido para o início do ataque, em face de suas imperfeições morais e
sedimentadas ainda no orgulho e na vaidade. Assim, uma turba de espíritos
passariam a obsidiá-lo com frequência até que houvesse a possibilidade de
obsidiar outros também.
A mensagem se encerrava dizendo
que ainda havia tempo para mudar todo aquele cenário. Mas deveria haver o
concurso de todos na autovigilância e na prece contínua à luz dos ensinamentos
do Evangelho.
Quando terminou a reunião,
alguns dos presentes criaram em suas telas mentais a imagem de Felisberto. Mas
poucos se mostraram inclinados a levar a mensagem para ele.
* * *
Allan Kardec detalha os
processos obsessivos no Capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns. De acordo com a
classificação proposta pelo codificador, os processos podem ser de obsessão
simples, fascinação e subjugação, aumentando a sua gravidade, seguindo esta
ordem[2].
O primeiro caso é negado por
muitos, mas pode ocorrer com vários de nossos irmãos pelo natural intercâmbio
existente entre o mundo corporal e o mundo espiritual. Basta criarmos conexões
deletérias, geradas por pensamentos de baixo teor moral, tais como a inveja, a
raiva, a ganância, o orgulho etc.. que estaremos propensos a abrir as portas
para os espíritos inferiores que desejam nos dominar. Como efeitos, podemos
perceber no obsidiado ideias fixas, desconfianças, desentendimentos em excesso,
enfermidades, dentre outros.
No segundo caso, a fascinação,
as consequências são mais graves. O obsidiado é envolvido em uma falsa
percepção dos fatos, sendo iludido pelo espírito fascinador. Ele então passa a
ter uma confiança cega naquilo que faz, acreditando que não está sendo
influenciado. A crítica o perturba. Irrita-se com o próximo que se opõe a ele.
Às vezes até crê que os demais em sua volta é que estão envolvidos em processos
obsessivos. Achando-se dono da verdade, o obsidiado, muitas das vezes, sob a
influência do espírito obsessor, procura afastar as pessoas que potencialmente
poderiam lhe “abrir os olhos”, a fim de evitar a contradição e se manter na
razão. Este processo geralmente é difícil de ser tratado, pois o obsidiado nem
sempre aceita que está nesta situação.
No último caso, o obsidiado fica
sob verdadeiro jugo, ou seja, sob domínio do espírito obsessor. Nesta situação,
a vítima pode tomar decisões absurdas e comprometedoras; pode realizar atos
motores involuntários e até perder a lucidez.
O pequeno conto apresentado,
enriquecido com ingredientes potencialmente reais, apresenta um caso onde a
invigilância do trabalhador abre gradativamente as portas para um processo
obsessivo mais grave. Sem a observância da prece e da sintonia com os bons
espíritos protetores e amigos, o obsidiado permite, sem se dar conta, de que
suas imperfeições passam a criar conexões mentais com a espiritualidade
inferior, a qual se aproveita da oportunidade atingir os demais trabalhadores
da Casa.
De acordo com Allan Kardec, os
meios de se combater os processos obsessivos variam de acordo com a situação
estabelecida. Começar pela contínua vigilância e prece, procurando se
desvencilhar de nossas más tendências e inclinações, já será um indicativo para
o obsessor de que suas investidas são uma perda de tempo. Sendo paciente e persistente
neste processo de melhoramento das condições morais fará o obsessor perceber de
que não adianta dar continuidade ao processo.
Dependendo da insistência do
obsessor, o processo ainda pode levar um tempo demasiado. Assim, devemos também
buscar o acolhimento de nossos Espíritos protetores e o auxílio dos Espíritos
simpáticos e amigos que nos assistem. Nunca estamos sozinhos e em cada
encarnação sempre temos uma falange que torce pelo nosso êxito nesta vida.
Juntemo-nos a eles.
Podemos, ainda, também receber
preces de outros que, com certeza, nos ajudarão enviando mais amigos
espirituais para nos apoiar. Mas nenhuma das preces será maior do que aquela
oriunda do fundo de nossa alma, buscando o melhoramento de nossos atos e ações
(não só físicos, como mentais), como também, em prol daqueles irmãos infelizes
que estão ali tentando nos incomodar. Rezemos por nós, mas também rezemos pelos
nossos obsessores. O desejo do bem a eles também os fará perceber o quanto
perdem tempo em nos tentar iludir.
Durante o dia, busquemos manter
a sintonia com pensamentos felizes, de amor, paz e caridade pelo próximo, seja
ele encarnado ou não. Busquemos também identificar as nossas imperfeições,
tentando mudá-las no momento em que elas ocorrerem, ou até mesmo evitá-las. À hora
de dormir, façamos uma reflexão sobre o que poderíamos melhorar em nós mesmos.
O que fizemos naquele dia que poderia ter sido mais produtivo para nós e para
quem nos cerca.
Os nossos esforços no bem nos
ajudarão a ascender nossas condições morais. Sob condições morais mais elevadas
não seremos alvo de espíritos inferiores. Lembremo-nos de Jesus, nossa guia e
modelo, cuja superioridade moral inquestionável afastava quaisquer
possibilidades de obsessão.
[1] http://www.agendaespiritabrasil.com.br/2015/10/23/um-conto-sobre-obsessao-na-casa-espirita/
[2] A. Kardec, O Livro dos Médiuns. 1861.
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