quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Kardec e a Ciência Espírita[1]




O Espiritismo, como religião, é uma consequência da Ciência Espírita. A III Revelação não nasceu da pregação de um messias ou profeta, mas da pesquisa científica dos fenômenos mediúnicos.
Provada a sobrevivência da alma após a morte – cientificamente provada por Kardec e pelos grandes cientistas do século passado e deste século, que se interessaram pelo assunto – o problema espiritual escapou das mãos dos teólogos e dos místicos, do campo religioso tradicional. Por isso, Kardec se recusou a chamar o Espiritismo de religião e o chamou de auxiliar das religiões, porque era a Ciência do Espírito que surgiu para explicar e esclarecer os supostos mistérios, do suposto mundo sobrenatural das religiões.
Quem não compreender isso não está apto a ensinar Espiritismo a ninguém. O beato espírita não é espírita, pois não conhece a doutrina e não estuda, não se liberta das superstições e dos erros do seu passado religioso. Pela sua crença ingênua, está sujeito a servir de instrumento a qualquer espírito mistificado e se apresentar como mestre, missionário, reencarnação de Kardec e outras tolices dessa ordem.
Os reformadores da doutrina, encarnados e desencarnados, nada mais são do que indivíduos pretensiosos, extremamente vaidosos, que se deixaram levar por espíritos trevosos, empenhados em semear joio na seara.
Nosso meio espírita está cheio de criaturas de boa vontade, ingênuas e bondosas, mas, nem por isso, livres da vaidade. Como Kardec demonstrou, já no seu tempo, esses elementos, quando se fanatizam, fazem mais mal ao Espiritismo do que os adversários da doutrina. Porque a ridicularizam, reduzem o Espiritismo a uma seita de beatos ignorantes.
O Espiritismo não é doutrina feita para sábios, mas para todos os que tenham um pouco de bom senso e de humildade. Os sábios também estão sujeitos à mistificação, pois há mistificadores sábios nas trevas, e muitos doutores andam por aí a pregar tolices em nome de um suposto progresso do Espiritismo, de sua suposta atualização. Ninguém é professor de Espiritismo. Todos somos aprendizes, todos. E, geralmente, maus aprendizes que, quando pretendem ensinar, deturpam a doutrina.
As obras de Kardec são a única fonte verdadeira do saber espírita. Quem não ler e estudar essas obras com humildade e vontade legítima de aprender, não conhece o Espiritismo. Os que realmente estudam e compreendem a doutrina sentem-se humildes diante da sua grandeza e não pretendem passar por mestres. São colegas mais aplicados que apenas se esforçam para ajudar os companheiros de escola no aprendizado necessário. A obra de Kardec ainda não foi suficientemente estudada. A maioria dos espíritas estudiosos não conseguiu ainda penetrar na essência dessa obra, que não foi escrita para um século, mas, para muitos séculos. Infeliz daquele que pretende ser o mestre de todos. Na verdade, é o cego do Evangelho que conduz outros cegos ao barranco. Precisamos ter muito cuidado para não entrarmos nessas filas de cegos ou nos colocarmos na posição ridícula de cego a guiar cegos.
Basta lembrarmos que a Ciência Espírita só apareceu depois do desenvolvimento das outras Ciências, para termos uma ideia da sua complexidade. Só agora os físicos, químicos, biólogos, botânicos, psicólogos, sociólogos e parapsicólogos estão descobrindo que os seus enganos já foram percebidos por Kardec, há mais de um século. Precisamos pensar nisso quando lermos um artigo ou um livro de pretensos mestres que se dizem descobridores da pólvora. Como disse Kardec, um grande sábio pode conhecer muito da sua especialidade, mas é ignorante em Espiritismo.
Porque só agora as Ciências estão começando a entrar no estudo e na pesquisa dos fenômenos espíritas e, assim mesmo, com muitos preconceitos.
Da Ciência Espírita nasceu a Filosofia Espírita. E, desta, nasceu a Religião Espírita. Isto foi bem ensinado por Kardec, mas os próprios espíritas ainda não entenderam o ensino, o que mostra o quanto ainda estamos longe da apregoada superação de Kardec.
Como em todas as Ciências, na Ciência Espírita a primeira condição para aprendê-la é a humildade. Não se trata da humildade religiosa, que nos leva a tudo aceitar de cabeça baixa, para obtermos a glória eterna (o que revela contradição dessa humildade egoísta e ambiciosa), mas, da humildade honesta da criatura que conhece os seus limites e não quer passar de pato a ganso. O maior exemplo de estudo sério e humilde do Espiritismo nos foi dado por Kardec. Ele era um sábio – filósofo, pedagogo, médico, mestre em Ciências, diretor de estudos na Universidade da França, com suas obras adotadas por essa Universidade, continuador da Pedagogia de Pestalozzi, pesquisador científico, conhecido pela sua prudência e rigor metodológico, louvado pelos sábios do seu tempo e, com tudo isso, entregou-se ao trabalho espírita com a modéstia socrática de simples aprendiz, de homem que buscava o saber, sabendo que nada sabia. Não lutava para conquistar as glórias terrenas, nem a glória eterna, mas para esclarecer os problemas que até hoje aturdem os homens em todo o mundo. Substituiu o seu próprio nome, de família ilustre e famosa, pelo pseudônimo de Allan Kardec, nome de um druida desconhecido, que vivera no mundo celta. Viveu e morreu na pobreza, caluniado e insultado, respondendo sempre aos seus agressores gratuitos com palavras de esclarecimento e convites ao estudo e à pesquisa em favor da Humanidade. Que diferença entre ele e os seus pretensos reformadores, desde o pobre Roustaing do seu tempo, até os da atualidade, que, mais do que nunca, precisam ler e estudar as suas obras!


[1] O Mistério do Bem e do Mal – J. Herculano Pires – Correio Fraterno

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