quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O CÉU ESTRELADO[1]




Um livro grandioso, dissemos, está aberto aos nossos olhos, e todo observador paciente pode ler nele a palavra do enigma, o segredo da vida eterna.
Aí se vê que uma Vontade dispôs a ordem majestosa em que se agitam todos os destinos, se movem todas as existências, palpitam todos os corações.
Ó Alma! Aprende primeira a suprema lição que desce dos espaços sobre as frontes apreensivas. O Sol está escondido no horizonte; seus alvores de púrpura tingem ainda o céu; luz serena indica que, além, um astro se velou aos nossos olhos. A noite estende acima de nossas cabeças seu zimbório constelado de estrelas.
Nosso pensamento se recolhe e procura o segredo das coisas. Voltemo-nos para o Oriente. A Via Láctea expande qual imensa fita, suas miríades de estrelas, tão aconchegadas, tão longínquas, que parecem formar uma contínua massa. Por toda parte, á medida que a noite se torna mais densas outras estrelas aparecem, outros planetas se acendem qual se fossem lâmpadas suspensas no santuário divino. Através das profundezas insondáveis, esses mundos permutam os seus raios de prata; impressionam-nos, à distância, e nos falam uma linguagem muda.
Eles não brilham todos com o mesmo fulgor: a potente Sírius não se pode comparar à longínqua Capela.
Suas vibrações gastaram séculos a chegar até o nosso olhar, e cada um de seus raios vale por um cântico, uma verdadeira melodia de luz, uma voz penetrante. Esses cânticos se resumem assim: “Nós também somos focos de vida, de sofrimento, de evolução. Almas, aos milhares, cumprem, em nós, destinos semelhantes aos vossos”.
Entretanto, todos não têm a mesma linguagem, porque uns são moradas de paz e de felicidade, e outros, mundos de luta, de expiação, de reparação pela dor. Uns parecem dizer: Eu te conheci, Alma humana, Alma terrestre; eu te conheci e hei de te tornar a ver! Eu te abriguei em meu seio outrora, e tu voltarás a mim. Eu te espero, para, por tua vez, guiares os seres que se agitam em minha superfície!
E depois, mais longe ainda, essa estrela que parece perdida no fundo dos abismos do céu e cuja luz trêmula é apenas perceptível, essa estrela nos dirá: Eu sei que tu passarás pelas terras que formam meu cortejo, e que eu inundo com os meus raios; eu sei que tu aí sofrerás e te tornarás melhor. Apressa a tua ascensão. Eu serei e sou já para contigo uma Vera amiga, porque até mim chegou o teu apelo, tua interrogação, tua prece a Deus.
Assim, todas as estrelas nos cantam seu poema de vida e amor, todas nos fazem ouvir uma evocação poderosa do passado ou do futuro. Elas são as “moradas” de nosso Pai, os estádios, os marcos soberbos das estrelas do Infinito, e nós aí passaremos, aí viveremos todos para entrar um dia na luz eterna e divina.
Espaços e mundos! Que maravilhas nos reservais? Imensidades sidéreas, profundezas sem limites, dais a impressão da majestade divina. Em vós, por toda parte e sempre, está à harmonia, o esplendor, a beleza! Diante de vós, todos os orgulhos caem, todas as vanglórias se desvanecem. Aqui, percorrendo suas órbitas imensas, estão astros de fogo perto dos qual o nosso Sol não é mais que simples facho. Cada um deles arrasta em seu séquito um imponente cortejo de esferas que são outros tantos teatros da evolução. Ali, e assim na Terra, seres sensíveis vivem, amam, choram. Suas provações e suas lutas comuns criam entre si laços de afeto que crescerão pouco a pouco. E assim que as Almas começam a sentir os primeiros eflúvios desse amor que Deus quer dar a conhecer todos. Mais longe, no insondável abismo, movem-se mundos maravilhosos, habitados por Almas puras, que conheceram o sofrimento, o sacrifício, e chegaram aos cimos da perfeição; Almas que contemplam Deus em sua glória, e vão, sem jamais cansar, de astro em astro, de sistema em sistema, levar os apelos divinos.
Todas essas estrelas parecem sorrir, qual se fosse amigas esquecidas. Seus mistérios nos atraem. Sentimos que é a herança que Deus nos reserva. Mais tarde, nos séculos futuros, conheceremos essas maravilhas que nosso pensamento apenas toca. Percorreremos esse Infinito que a palavra não pode descrever em uma linguagem limitada.
Há, sem dúvida, nessa ascensão, degraus que não podemos contar tão numerosos são; mas nossos guias nos ajudarão a subi-los, ensinando-nos a soletrar as letras de ouro e de fogo, a divina linguagem da luz e do amor. Então o tempo não terá mais medida para nós. As distâncias não mais existirão. Não pensaremos mais nos caminhos obscuros, tortuosos, escarpados, que seguimos no passado, e aspiraremos às alegrias serenas dos seres que nos tiverem precedido e que traçam, por meio de jorros de luz, nosso caminho sem fim. Os mundos em que houvermos vivido terão passado; não serão mais que poeira e detritos; mas nós guardaremos a deliciosa impressão das venturas colhidas em suas superfícies, das efusões do coração que começaram a unir-nos a outras Almas irmãs. Conservaremos a muito cara e dolorosa lembrança dos males partilhados, e não seremos mais separados daqueles que tivermos amado, porque os laços são entre as Almas os mesmos que entre as estrelas. Através dos séculos e dos lugares celestes, subiremos juntos para Deus, o grande foco de amor que atrai todas as criaturas!


[1] O Grande Enigma – Léon Denis

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