Características e Implicações
Detalhe do quadro "A
Ascenção dos Abençoados", do pintor renascentista Hyeronimus Bosch, em que
se apresenta a famosa visão do "túnel" relatada por grande parte das
pessoas que passaram pela Experiência de Quase Morte (EQM).
Apresentamos aqui o vídeo
produzido pela ASSEPE, Associação de Estudos e Pesquisa Espíritas da Paraíba,
sobre o fenômeno da Experiência de Quase Morte. Abaixo do vídeo a transcrição
de parte do texto introdutório, de Carlos Antonio Fragoso Guimarães, e uma
discussão das características e implicações da EQM.
“Na natureza, nada se cria, nada
se acaba. Tudo se transforma”. Estas conhecidas palavras do químico francês
Antoine de Lavoisier nos aponta que, no mundo natural, todas as coisas estão em
permanente estado de desenvolvimento, modificação, recomposição e este processo
mantém e garante a vida.
Toda a vida se expressa na Terra através de
relações, interação e troca cíclica de elementos com seu meio, garantindo a
renovação constante do fluxo de matéria e energia que formam os organismos
vivos.
De fato, todos os elementos
básicos que constituem os corpos vivos e que são formados por elementos
atômicos que, unidos, constituem as moléculas que formaram os tecidos e órgãos
do nosso corpo, são praticamente indestrutíveis. Eles são usados para
constituir a base orgânica da vida e, depois, são devolvidos à natureza para
que possam novamente ser reutilizados em novas manifestações vitais.
Também a energia obedece à lei
de conservação e transformação. A energia do universo, em termos de quantidade,
permanece sempre constante, mas se expressa sempre transformada. Uma energia
potencial quando utilizada se transforma em energia mecânica, por exemplo, e em
calor.
Diante desta perpetuidade dos
elementos básicos do mundo físico, que, quando relacionados no fenômeno da
vida, se apresentam como um ciclo de manifestação, poderíamos nos perguntar se
o mesmo princípio também não valeria para a essência psíquica do ser humano, caracterizado
pela sua consciência, senso de identidade, memória e afetividade.
A Crise da Morte
Em nossa cultura e no atual modo
que temos de ver a vida, a morte é um momento de extrema crise.
Tendemos a interpretar a morte
como o fim total da vida, a cessação definitiva de nossa identidade, de nossa
consciência.
No entanto será este realmente o fim de tudo?
A EQM
Há algumas décadas, em especial
nos últimos quarenta anos, diversos pesquisadores, entre médicos, psicólogos,
enfermeiros e outros profissionais, vem coletando relatos de pessoas que, ao
enfrentarem a crise da morte nas mais diversas situações, conseguiram retornar
à vida com ajuda médica e, para surpresa das testemunhas, relatam ter observado
as tentativas de ressuscitamento de um ponto de vista bem diferente de onde
estava o seu corpo, e como se comportaram as pessoas ao redor, o que elas
disseram e fizeram.
O termo EQM (NDE, em inglês) foi
cunhado pelo médico americano Raymond Moody Jr., em meados dos anos 70, para
englobar estes relatos. Em 1975 ele publica seu livro “Vida depois da Vida”
relatando as experiências de uma parcela de pacientes que foram ressuscitados
após terem tido morte clínica. No entanto, relatos parecidos eram conhecidos
desde há muitos anos (citar um caso). Elizabeth Kübler-Ross (1926-2004)
pesquisou relatos deste tipo em pessoas que viveram em campos de concentração
na Polônia.
O resultado do interesse
despertado pelos estudos de Moddy e Ross foi mais diretamente exposto na
fundação da International Association for Near-Death Studies (Associação
Internacional de Estudos do Quase-Morte), em 1978.
A associação faz um levantamento
global de relatos de EQM, tanto de pacientes quanto da equipe médica e
multidisciplinar associada aos pacientes ou pessoas que passam pela experiência,
utilizando sempre a "near-death experience scale" ("escala de
experiência de quase morte"), um método criado pelo psiquiatra, professor
universitário e parapsicólogo Bruce Greyson para determinar as EQMs legítimas.
Estas apresentam um conjunto de características, que se desenrolam em estágios,
e que, se não todos os estágios, são encontradas quase sempre nos relatos das
pessoas que vivenciaram o fenômeno.
Estágios da EQM:
a) Todos os
relatos de EQM possuem elementos de semelhança (possuem alguns pontos em
comum). A imensa maioria consegue dos que vivenciaram a morte clínica e tiveram
a experiências conseguem ver seu próprio corpo bem como os médicos, paramédicos
ou, em caso de acidentes ou mortes súbitas, os amigos tentando reanima-lo, de
um ponto de vista privilegiado, quase sempre acima destes. Muitos se
surpreendem com esta visão. Vários chegam mesmo a estranhar o fato de que
tentem reanimar um corpo doente quando se sentem plenamente vivos, com um corpo
idêntico, porém mais saudável, que aquele embaixo, neste momento.
b) Relatam ter
deixado de sentir dores e, por vezes, sentem uma grande calma e uma sensação de
maior conscientização de si e do ambiente, não se sentindo realmente
"mortos". Em grande parte destes relatos, pode haver a sensação de
uma presença espiritual amiga a apoiar o paciente, mas que nem sempre é
visível, embora possam ouvi-la ou entende-la. Parentes ou amigos já falecidos
também são normalmente vistos na ocasião, como pessoas normais, interagindo com
o paciente, mas que não são percebidos pelas pessoas que tentam reanima-lo.
c) Ocorre a
visão – e por vezes, também a atração – de um túnel - provavelmente a
contrapartida polar do canal de nascimento. A pintura de Hyeronimus Bosch sobre
o tema é vista acima, no início desta home page.
d) Pode ocorrer
no correr da travessia deste túnel, ou logo depois de passá-lo, um flashback
panorâmico e estranhamente rápido, mas integral, de toda a experiência vivida
pelo paciente desde o nascimento (por vezes, desde a vida intrauterina) até o
momento da morte.
e) Muitos
relatam que a experiência do túnel é encerrada com a visão de alguma espécie de
barreira simbólica, indicando um ponto de não retorno. Esta barreira pode ser
expressa por um portão, uma porta, uma ponte, um muro ou qualquer outra coisa
que indica entrada ou limite de um outra realidade. Nesta ocasião é comum a
visão de mais parentes e amigos já falecidos que amorosamente os recebem e que
avisam que o cruzamento deste limiar representa a morte definitiva do corpo.
Neste ponto, algumas pessoas são aconselhadas a voltar e, em outros relatos,
lhes são perguntados se querem continuar no processo e ir além ou retornar ao
corpo para cuidar de parentes, de assuntos pendentes ou para ajudar pessoas.
f) Há a visão de
“seres de luz” que, geralmente, são interpretados, de acordo com a origem
religiosa ou a cultura onde a pessoa foi formada, como sendo Jesus, Buda, um
anjo, etc. Estes seres também perguntam se a pessoa quer ficar ou retornar ao
corpo e à vida física. Eles podem aconselhar o retorno, explicando algum motivo
para voltar.
g) Relutância a
retornar ao corpo em boa parte dos casos. Muitas vezes, o retorno é feito com
certa contrariedade por parte do sobrevivente (veja, no vídeo, o caso de Sam
Reynolds)
h) A
personalidade da pessoa nunca mais é a mesma ao retornar. Perde-se geralmente o
medo de morrer na maior parte dos casos e na grande maioria ocorre uma completa
reformulação da percepção e concepção da vida, das prioridades e dos valores,
quase sempre tornando-se mais calmos, espiritualizados e centrados (incluindo
ateus).
i) Apenas em
uma parcela ínfima se tem notícias de uma EQM ruim (geralmente ocorrentes em
casos de tentativas de suicídios, ou após a prática de crimes, etc.). Dos 150
relatos confirmados pelo Dr. Moody em seus dois livros clássicos, apenas 3
descrevem experiências negativas. A proporção permanece praticamente a mesma
nas pesquisas de outros cientistas.
j) As
experiências religiosas, crenças ou cultura não afetam a probabilidade ou
profundidade de uma EQM, apenas a forma de interpretá-las após o evento. Existe
mesmo uma estatística que mostra que ateus tiveram mais EQMs que pessoas
religiosas.
Apesar do impacto existencial e
espiritual destas experiências nas pessoas que as vivenciaram e em muitas que
as pesquisaram (Moody, Ross, Lommel, Fenwick, etc.) a interpretação de que a
consciência não se reduz ao cérebro e que, portanto, pode sobreviver à crise da
morte não é aceita (ao menos abertamente) pela maioria dos cientistas. As
explicações mecanicistas para as EQMS são geralmente as que seguem:
A visão do túnel seria fruto da
anóxia cerebral. O “falso” abandono do corpo é encontrado em pessoas que passam
por situações de estresse e de interferência sináptica por conta de
medicamentos ou por problemas neurológicos e de orientação. A sensação de paz é
resultado da liberação de endorfinas.
Mas existem casos onde tais
explicações não fazem sentido ou nada explicam. Houve ao menos um caso bem
documentado em que todo o sangue do paciente foi drenado, estando o corpo em
hipotermia e, ainda assim, a paciente relatou as práticas efetuadas pelo
cirurgião vários minutos após o inicio da cirurgia, citando atos e até o que
foi dito durante o procedimento.
Para entender o debate entre os
pesquisadores pró e contra a explicação de que a EQM demonstraria a
sobrevivência após a morte, vejamos o que sobre o assunto é descrito na
Wikipédia:
Pesquisadores explicitamente atrelados ao
paradigma mecanicista, como a psicóloga britânica Susan Blackmore e o
anestesiologista Lakhmir Chawla, acreditam, por uma questão de preferência e
ideologia, na teoria de que as EQMs são alucinações complexas causadas pela
falta de oxigênio no cérebro durante a etapa final do processo de morte. No
entanto, muitos outros pesquisadores, como o neurologista Peter Fenwick, o
cardiologista Pim van Lommel e os psiquiatras Raymond Moody e Bruce Greyson,
discordam destas teorias reducionistas, defendendo as experiências como
evidências de que a consciência do ser humano existe independentemente do
cérebro, argumentando principalmente que muitas pessoas demonstram percepções
extrassensoriais com precisão em seus relatos de EQM24 (como por exemplo o
famoso caso de EQM da cantora Pam Reynolds) e que não há sinais de funções
mentais prejudicadas nas situações clínicas em que as EQMs ocorrem. Como pode
uma alucinação provocada por anóxia permitir a percepção de informações
posteriormente confirmadas?
O físico Sir Roger Penrose e o
anestesiologista Stuart Hameroff, baseados na teoria desenvolvida e denominada
por eles como orchestrated objective reduction, defendem que em EQM a
"alma quântica", ou seja, a consciência como um campo quântico, deixa
o sistema nervoso e reentra no cosmos. De acordo com Hameroff, "é possível
que a informação quântica que constitui a consciência possa mudar para planos
mais profundos e continue a existir puramente na geometria do espaço-tempo,
fora do cérebro, distribuída não-localmente", como uma "alma
quântica" à parte do corpo.
Um dos primeiros estudos
clínicos sobre experiências de quase morte em pacientes em estado de parada
cardíaca foi feito pelo cardiologista holandês Pim van Lommel e sua equipe
médica, tendo sido publicado em 2001 pela revista científica Lancet . De acordo
com o cardiologista, dos 344 pacientes estudados que foram reanimados com
sucesso depois de sofrerem parada cardíaca, 62 (18%) tiveram EQMs e lembraram
com detalhes as condições que passaram quando estavam clinicamente mortos. Na
conclusão de Lommel, nossa consciência existe independentemente do cérebro;
este sendo um veículo físico de expressão da consciência mas não o produtor da
mesma.
Entre os relatos intrigantes
descritos por Moody em sua obra, encontra-se esse no livro A Luz do Além
(1988): "Em Long Island, uma mulher de setenta anos cega desde os dezoito,
foi capaz de descrever, com detalhes vívidos, o que aconteceu, enquanto os
médicos tentavam ressuscitá-la de um ataque do coração. Ela conseguiu dar uma
boa descrição dos instrumentos que foram utilizados, e até mesmo de suas cores.
E o mais surpreendente para mim é que a maioria daqueles instrumentos sequer
fora concebida na época em que ela ainda podia ver, havia cerca de cinquenta
anos. Além de tudo isso, ela ainda disse ao médico que ele usava um jaleco azul
quando começou a ressuscitá-la".
Mesmo diante de relatos que para
muitos são surpreendentes, a visão materialista reducionista de que alterações
funcionais e químicas no cérebro são as responsáveis pelas experiências de
quase morte, ao menos até o momento é a dominante em virtude da vigência de um
paradigma mecanicista, cuja visão subjacente é eminentemente materialista que,
orientando o pensamento, impede uma percepção dos indícios que deem suporte a
uma visão dualista mais ampla como científica; e em segundo devido a
considerações levantadas quanto se busca definir de forma rigorosa o que é
"consciência".
[1]
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