domingo, 21 de junho de 2015

FÉ e CONVICÇÃO


Deolindo Amorim[1]

Este assunto já foi objeto de muitas palestras no meio espírita. Naturalmente, cada expositor ou conferencista explana o assunto de acordo com as colocações que lhe pareçam mais adequadas. No fundo, porém, a ideia principal é sempre a mesma: a simples fé, porque apenas acredita na comunicação dos Espíritos, sem exame, sem reflexões sérias, ainda não é convicção. A esta altura, de tanto se falar sobre o assunto, de tanto repassar o tema, a bem dizer não haveria mais o que comentar. Mas o tema ainda é atual. De nossa parte, por exemplo, já fizemos palestras neste sentido pelo menos duas vezes: na Associação Espírita Estudantes da Verdade, em Volta Redonda – RJ, e no Lar de Teresa, aqui no Rio de Janeiro, além de crônicas jornalísticas, lá uma vez por outra. E por que voltar ao assunto? Justamente porque ainda nos parece necessário.
Antes de tudo, convém considerar que a fé, em muitos casos, é apenas um estado emocional, não é o resultado de uma experiência vivida ou de noções bem esclarecidas. A Doutrina Espírita, como se sabe, sustenta a necessidade da fé raciocinada. Os racionalistas puros certamente hão de estranhar a posição espírita, pois alguns deles chegam a dizer que a fé e a razão nunca se identificam, são conceitos incompatíveis. Acham, portanto, um despropósito a fé raciocinada, uma vez que a fé, segundo entendem, é a antítese da razão, pois a fé não admite raciocínio. No entanto, a Doutrina Espírita concilia as duas ideias nos justos termos. A fé raciocinada, justamente, a fé inabalável, como diz Allan Kardec, não se confunde com a simples crença, que veio pela tradição, como se fosse uma herança dos antepassados, mas nunca se deteve no exame dos fatos ou em ponderações críticas. É a essa crença comum, crença indefinida e sem base, que geralmente se chama de fé.  Muita gente acredita na comunicação dos Espíritos, porque ouviu contar casos impressionantes ou porque já foi beneficiada por um médium ou por uma receita mediúnica. Mas a crença, nestes casos, é muito superficial e insegura. O beneficiado passa a ter fé no Espiritismo. E o Espiritismo não é uma questão de fé. Tem fé, sim, por causa da receita, do passe, das palavras do médium, mas nunca estudou a Doutrina, não absorveu o ensino espírita, não enriqueceu as suas noções de origem. É um crente, muitas vezes sincero e ardoroso, porém não tão seguro, tão estável em sua fé, como possa parecer. Se, por hipótese, o médium vier a falhar amanhã ou depois, se alguma receita não der mais certo, como se costuma dizer, pois nem sempre as condições são favoráveis e nem sempre merecemos o que esperamos – lá se foi então a fé...
Temos aí, um exemplo apenas de fé circunstancial, nada mais do que uma crença, motivada pela circunstância de um benefício pessoal. Mas não é um estado de convicção. Daí, consequentemente, a grande diferença entre fé e convicção. A convicção não se transmite, forma-se com o tempo, através da observação, do estudo, da crítica e da meditação. Que já é convicto, porque absorveu bem os princípios espíritas e tirou as suas conclusões; quem já sabe em que terreno está pisando, quem já traçou a sua diretriz na vida pela rota do pensamento espírita, não se desencante nem muito menos se desorienta por causa de pessoas, pois já sabe o que quer e também sabe que os homens, com as instituições, estão sujeitos a surpresas e altos e baixos do mundo terreno. Seria o caso de perguntar: - Onde está a fé? Nesta ou naquela pessoa ou na mensagem espírita, que é impessoal no tempo e no espaço?
No campo espírita, especificamente, há elementos cuja fé está muito presa a pessoas, e não propriamente às ideias espíritas, pois estas estão fora e acima das criaturas, grupos ou instituições. Mas muita gente ainda não entende assim. A experiência que o diga.
Se determinada pessoa deixar o grupo ou abandonar a seara espírita, certos assistentes também se retiram, como se fossem um rebanho de crentes. Isto significa que o ponto de interesse, para muitos crentes (apenas crentes) não é bem o conhecimento espiritual. Não é o desejo de iluminar-se gradativa e perseverantemente, não. É a influência e, às vezes, o fascínio de um médium ou de alguém que inspire uma simpatia fora do comum.  Problema todo pessoal, em suma. Claro que há sinceridade nas atividades e nas afeições, o que, realmente, é muito nobre e apreciável. Contudo, é preciso que, aos poucos, sem imposição nem verberações descaridosas, as próprias sociedades espíritas ministrem o ensino fundamental da Doutrina com eficiência e constância, procurando abrir os caminhos que levam à convicção pelo estudo, pela apreensão do verdadeiro pensamento espírita e pela reflexão pessoal.
Convicção é segurança interior, não é crença vacilante ou condicionada por pessoas ou situações transitórias. Quem é convicto, finalmente, vê o Espiritismo pelo seu conteúdo de princípios, nunca pelas discrepâncias de ordem pessoal, nesta ou naquela parte. É a convicção que sustenta a criatura humana, exatamente nas horas mais difíceis.


[1] Revista “Presença Espírita” – Salvador – Bahia – sem data indicada.

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