Deolindo Amorim[1]
Este assunto já foi objeto de muitas palestras no meio
espírita. Naturalmente, cada expositor ou conferencista explana o assunto de
acordo com as colocações que lhe pareçam mais adequadas. No fundo, porém, a
ideia principal é sempre a mesma: a simples fé, porque apenas acredita na
comunicação dos Espíritos, sem exame, sem reflexões sérias, ainda não é
convicção. A esta altura, de tanto se falar sobre o assunto, de tanto repassar
o tema, a bem dizer não haveria mais o que comentar. Mas o tema ainda é atual.
De nossa parte, por exemplo, já fizemos palestras neste sentido pelo menos duas
vezes: na Associação Espírita Estudantes da Verdade, em Volta Redonda – RJ, e
no Lar de Teresa, aqui no Rio de Janeiro, além de crônicas jornalísticas, lá
uma vez por outra. E por que voltar ao assunto? Justamente porque ainda nos
parece necessário.
Antes de tudo, convém considerar que a fé, em muitos
casos, é apenas um estado emocional, não é o resultado de uma experiência
vivida ou de noções bem esclarecidas. A Doutrina Espírita, como se sabe,
sustenta a necessidade da fé raciocinada. Os racionalistas puros certamente hão
de estranhar a posição espírita, pois alguns deles chegam a dizer que a fé e a
razão nunca se identificam, são conceitos incompatíveis. Acham, portanto, um
despropósito a fé raciocinada, uma vez que a fé, segundo entendem, é a antítese
da razão, pois a fé não admite raciocínio. No entanto, a Doutrina Espírita
concilia as duas ideias nos justos termos. A fé raciocinada, justamente, a fé
inabalável, como diz Allan Kardec, não se confunde com a simples crença, que
veio pela tradição, como se fosse uma herança dos antepassados, mas nunca se
deteve no exame dos fatos ou em ponderações críticas. É a essa crença comum,
crença indefinida e sem base, que geralmente se chama de fé. Muita gente acredita na comunicação dos
Espíritos, porque ouviu contar casos impressionantes ou porque já foi
beneficiada por um médium ou por uma receita mediúnica. Mas a crença, nestes
casos, é muito superficial e insegura. O beneficiado passa a ter fé no Espiritismo. E o Espiritismo não é uma
questão de fé. Tem fé, sim, por causa da receita, do passe, das palavras do
médium, mas nunca estudou a Doutrina, não absorveu o ensino espírita, não
enriqueceu as suas noções de origem. É um crente, muitas vezes sincero e
ardoroso, porém não tão seguro, tão estável em sua fé, como possa parecer. Se,
por hipótese, o médium vier a falhar amanhã ou depois, se alguma receita não
der mais certo, como se costuma dizer, pois nem sempre as condições são
favoráveis e nem sempre merecemos o que esperamos – lá se foi então a fé...
Temos aí, um exemplo apenas de fé circunstancial, nada
mais do que uma crença, motivada pela
circunstância de um benefício pessoal. Mas não é um estado de convicção. Daí,
consequentemente, a grande diferença entre fé e convicção. A convicção não se
transmite, forma-se com o tempo, através da observação, do estudo, da crítica e
da meditação. Que já é convicto, porque absorveu bem os princípios espíritas e
tirou as suas conclusões; quem já sabe em que terreno está pisando, quem já
traçou a sua diretriz na vida pela rota do pensamento espírita, não se
desencante nem muito menos se desorienta por causa de pessoas, pois já sabe o
que quer e também sabe que os homens, com as instituições, estão sujeitos a
surpresas e altos e baixos do mundo terreno. Seria o caso de perguntar: - Onde
está a fé? Nesta ou naquela pessoa ou na mensagem espírita, que é impessoal no
tempo e no espaço?
No campo espírita, especificamente, há elementos cuja
fé está muito presa a pessoas, e não propriamente às ideias espíritas, pois
estas estão fora e acima das criaturas, grupos ou instituições. Mas muita gente
ainda não entende assim. A experiência que o diga.
Se determinada pessoa deixar o grupo ou abandonar a
seara espírita, certos assistentes também se retiram, como se fossem um rebanho
de crentes. Isto significa que o ponto de interesse, para muitos crentes
(apenas crentes) não é bem o conhecimento espiritual. Não é o desejo de iluminar-se
gradativa e perseverantemente, não. É a influência e, às vezes, o fascínio de
um médium ou de alguém que inspire uma simpatia fora do comum. Problema todo pessoal, em suma. Claro que há
sinceridade nas atividades e nas afeições, o que, realmente, é muito nobre e
apreciável. Contudo, é preciso que, aos poucos, sem imposição nem verberações
descaridosas, as próprias sociedades espíritas ministrem o ensino fundamental
da Doutrina com eficiência e constância, procurando abrir os caminhos que levam
à convicção pelo estudo, pela apreensão do verdadeiro pensamento espírita e
pela reflexão pessoal.
Convicção é segurança
interior, não é crença vacilante ou condicionada por pessoas ou situações
transitórias. Quem é convicto, finalmente, vê o Espiritismo pelo seu conteúdo
de princípios, nunca pelas discrepâncias de ordem pessoal, nesta ou naquela
parte. É a convicção que sustenta a criatura humana, exatamente nas horas mais
difíceis.
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