Marco Milani
Na edição de dezembro
de 1863 da Revista Espírita, Allan Kardec apontou seis períodos que
marcariam a marcha evolutiva do Espiritismo. Iniciando-se pela curiosidade
despertada pelos fenômenos físicos, o desenvolvimento das ideias espíritas na
sociedade passaria, ainda, pelas fases filosófica, de luta, religiosa,
intermediária e, finalmente, de regeneração social.
Sob uma perspectiva otimista,
Kardec acreditava que no raiar do século 20 o Espiritismo já estaria plenamente
disseminado no mundo a tal ponto de, efetivamente, promover relações solidárias
e fraternas entre os indivíduos com reflexos diretos no aperfeiçoamento das
interações sociais.
O otimismo de Kardec não se
realizou no tempo predito. Isso não significa que o desenvolvimento das ideias
espíritas não continue em marcha. Apenas a noção cronológica terrena não foi
expressa adequadamente.
Por sinal, quando Kardec
desencarnou, em 1869, o Espiritismo encontrava-se no período de luta e, ainda
hoje, pode-se situá-lo nesse mesmo período[2]. A transição para o período subsequente
depende, portanto, da superação de elementos contrários à propagação das ideias
espíritas em sua essência e integralidade.
O quarto período exige uma
compreensão contextual de como o próprio Kardec caracterizava o Espiritismo e o
confrontava com os conceitos adotados de religião.
Por premissa pessoal, Kardec
zelava pela objetividade e clareza, pautando-se pelo pensamento lógico. Nesse
sentido, qualquer predição sobre a marcha do Espiritismo espelharia o que ele e
os Espíritos indicavam como consequência natural do avanço das ideias
doutrinárias sem qualquer manifestação de inconsistência lógica. Assim, ao
denominar o quarto período de religioso, obviamente ele não se referiu ao
conceito tradicional de religião, ao qual ele terminantemente negava haver
semelhança com o Espiritismo.
Conforme explicitado em seu
discurso proferido na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, no dia 1º de
novembro de 1868 e publicado na edição de novembro
de 1868 da Revista Espírita, o Espiritismo pode ser entendido como
religião exclusivamente no sentido filosófico, fortalecendo os elos da
fraternidade e da comunhão de pensamentos, tendo como base as leis da natureza.
Nesse mesmo discurso, Kardec
rejeitava a classificação de religião ao Espiritismo sob a ótica tipicamente
aceita e vinculada às práticas de culto e todas as outras já manifestas nas
chamadas religiões constituídas.
Logo, não se deve associar a
denominação usada por Kardec ao período religioso sob a ótica tradicional, mas
sob a perspectiva filosófica de laço que une seus adeptos em torno de um mesmo
ideal doutrinário e da promoção da caridade como prática comum.
Atualmente, o conceito popular
de religião permanece atrelado a culto e práticas exteriores, o que distorce a
compreensão do quarto período previsto por Kardec, se assim considerado.
Para reflexão: uma contradição
lógica é uma situação em que duas afirmações ou proposições se opõem de tal
forma que ambas não podem ser verdadeiras simultaneamente no mesmo contexto. Em
termos lógicos, a relação entre duas declarações que são mutuamente exclusivas
não podem coexistir devido à sua incompatibilidade direta. Sendo o Espiritismo
uma religião no sentido filosófico, e não no sentido tradicional, comete uma
contradição lógica quem supõe que o período religioso proposto por Kardec
vincule-se ao conceito tradicional de religião.
Em síntese, o período religioso
será assim reconhecido quando for marcado pelos laços de afeição entre os seus
adeptos, pela fé raciocinada que fortalece sua unidade doutrinária e pela
prática da caridade em sua essência[3].
Texto publicado na Revista Digital Candeia Espírita,
nº 27, dez/2023, p.6-7
[1] https://educadorespirita1.blogspot.com/2023/12/o-periodo-religioso-do-espiritismo.html?fbclid=IwAR24_xYAEGkcX9hdJwiD3GUVtzXcszXThAmTGyFXKOW5dU9tTpWkYVxF-28
[2] Ver o artigo “O período de luta do Espiritismo”, de
minha autoria, publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 197, set/out 2023,
p. 18-19. Link: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/10/reDE-197.pdf
[3] Ver questão 886 de O Livro dos Espíritos.
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