Allan Kardec
Algumas pessoas perguntam por
que a Doutrina Espírita não é a mesma no antigo e no novo continentes e em que
consiste a diferença. É o que tentaremos explicar.
Como se sabe, as manifestações
ocorreram em todos os tempos, tanto na Europa quanto na América, e hoje, que
nos damos conta da coisa, lembramos uma porção de fatos que tinham passado
despercebidos, muitos dos quais consignados em escritos autênticos. Mas esses
fatos eram isolados; nestes últimos tempos eles se produziram nos Estados
Unidos numa escala bastante ampla para despertar a atenção geral dos dois lados
do Atlântico. A extrema liberdade existente nesse país favoreceu a eclosão das ideias
novas, e é por isto que os Espíritos o escolheram para primeiro teatro de seus
ensinos.
Ora, acontece muitas vezes que
uma ideia surge num país e se desenvolve em outro, como se vê nas ciências e na
indústria. Sob esse aspecto, o gênio americano deu suas provas e nada tem a
invejar à Europa; mas, se excede em tudo o que concerne ao comércio e às artes
mecânicas, não se pode recusar à Europa o das ciências morais e filosóficas. Em
consequência dessa diferença no caráter normal dos povos, o Espiritismo
experimental ocupava seu espaço na América, enquanto a teoria e a filosofia
encontravam na Europa elementos mais propícios ao seu desenvolvimento. Assim,
foi lá que nasceu, conquistando, em poucos anos, o primeiro lugar. Ali os fatos
inicialmente despertaram a curiosidade; porém, uma vez constatados e satisfeita
a curiosidade, logo se cansaram das experiências materiais sem resultados
positivos. Já o mesmo não ocorreu desde que se desdobraram as consequências
morais desses mesmos fatos para o futuro da Humanidade. A partir daí o
Espiritismo tomou posição entre as ciências filosóficas; marchou a passos de
gigante, a despeito dos obstáculos que lhe foram suscitados, porque satisfazia
às aspirações das massas, porque prontamente compreenderam que vinha preencher
um imenso vazio nas crenças e resolver o que até então parecia insolúvel.
A América foi, pois, o berço do
Espiritismo, mas foi na Europa que ele cresceu e fez suas humanidades. Isto é
motivo para a América ficar enciumada? Não, porque noutros pontos ela levou
vantagem. Não foi na Europa que as máquinas a vapor surgiram? E não foi na
América que encontraram a sua aplicação prática? A cada um o seu papel,
conforme suas aptidões, e a cada povo o seu, segundo seu gênio particular.
O que particularmente distingue
a escola espírita dita americana da escola europeia é a predominância, na
primeira, da parte fenomênica, à qual se ligam mais especialmente, e na
segunda, a parte filosófica. A filosofia espírita da Europa espalhou-se
prontamente, porque ofereceu, desde o princípio, um conjunto completo,
mostrando o objetivo e ampliando o horizonte das ideias; incontestavelmente, é
a que hoje prevalece no mundo inteiro. Até hoje os Estados Unidos pouco se
afastaram de suas ideias primitivas; significará isto que, isolados, ficarão na
retaguarda do movimento geral? Seria injuriar a inteligência desse povo. Aliás,
os Espíritos lá estão para o impelir na via comum, ensinando ali o que ensinam
alhures; triunfarão pouco a pouco das resistências que poderiam nascer do
amor-próprio nacional. Se os americanos repelissem a teoria europeia, porque
vem da Europa, aceitá-la-ão quando surgir em seu meio, pela própria voz dos
Espíritos; cederão ao ascendente, não da opinião de alguns homens, mas ao controle
universal do ensino dos Espíritos, esse poderoso critério, como o
demonstramos em nosso artigo sobre a autoridade da doutrina espírita; é
apenas uma questão de tempo, principalmente quando houverem desaparecido as
questões pessoais.
De todos os princípios da
doutrina, o que encontrou mais oposição na América – e por América deve
entender-se exclusivamente os Estados Unidos – foi o da reencarnação. Pode
mesmo dizer-se que é a única divergência capital, prendendo-se as outras mais à
forma do que ao fundo, e isto porque ali os Espíritos não a ensinaram.
Expliquemos as razões disto. Os Espíritos procedem em toda parte com sabedoria
e prudência; para se fazerem aceitar, evitam chocar muito bruscamente as ideias
preconcebidas. Não irão dizer de chofre a um muçulmano que Maomé é um impostor.
Nos Estados Unidos o dogma da reencarnação teria vindo chocar-se contra os
preconceitos de cor, tão profundamente arraigados naquele país; o essencial era
fazer aceitar o princípio fundamental da comunicação do mundo visível com o
mundo invisível; as questões de detalhe viriam a seu tempo.
Ora, é indubitável que esse
obstáculo acabará por desaparecer, e que um dos resultados da guerra civil será
o gradativo enfraquecimento de preconceitos, verdadeira anomalia numa nação tão
liberal.
Se, de maneira geral, a ideia da
reencarnação ainda não é aceita nos Estados Unidos, ela o é individualmente por
alguns, se não como princípio absoluto, ao menos com certas restrições, o que
já é alguma coisa. Quanto aos Espíritos, sem dúvida julgando que o momento é
propício, começam a ensinar com cautela em certos lugares e sem rodeios em
outros. Uma vez levantada, a questão percorrerá longa distância. Aliás, temos
sob os olhos comunicações já antigas, obtidas naquele país, nas quais, sem
estar formalmente expressa, a pluralidade das existências é a consequência
forçada dos princípios emitidos; aí se vê brotar a ideia. Assim, não há que
duvidar que, em pouco tempo, o que hoje ainda se chama escola americana
fundir-se-á na grande unidade que se estabelece por toda parte.
Como prova do que avançamos,
citaremos o artigo seguinte, publicado no jornal União, de San
Francisco, e um extrato da carta que o acompanhou.
Senhor Allan Kardec,
Embora não tenha a honra de ser vossa conhecida, tomo,
como médium, a liberdade de vos enviar a notícia anexa, que esses senhores do
jornal resumiram um pouco. Contudo, tal como está, muitas pessoas parecem
desejar mais. Assim, todos os vossos livros se espalham e logo nossos livreiros
terão de fazer novos pedidos...
Recebei etc.
Pauline Boulay
NOTÍCIA SOBRE O
ESPIRITISMO
Basta exprimir em voz alta ideias que nem todos
compreendem para se ser tachado de exaltado, extravagante e louco. Não é
preciso ser uma literata para escrever o que nos ditam a alma e o coração.
Um espírito forte dizia a uma senhora médium:
−
Como vós, que sois inteligente, podeis
acreditar em Espíritos invisíveis e na pluralidade das existências?
−
Respondeu a dama: Talvez porque eu seja
inteligente é que creio nisto; o que sinto me inspira mais confiança do que o
que vejo, uma vez que o que vemos nos engana algumas vezes; o que sentimos
jamais nos engana. Sois livre para não acreditar. Os que creem na pluralidade
das existências não são maus e são mais desinteressados que os que não creem;
os incrédulos os tratam de loucos, mas isto não prova que digam a verdade; ao
contrário. Duvidar do poder de Deus é ofendê-lo; negar o que existe além do que
podemos apalpar é um ultraje dirigido ao Criador.
Temos o hábito, quando nos acontece algo de extraordinário,
a atribuí-lo ao acaso. Pergunto: o que é o acaso? O nada, responde a voz da
verdade. Ora, não podendo o nada produzir algo, o que existe nos vem de uma
fonte produtiva. Seria muito justo pensar que o que acontece independentemente
de nossa vontade é obra da Providência, dirigida pelo Senhor de nossos
destinos.
Seja o que disserdes, seja o que façais, espíritos
fortes, jamais destruireis esta doutrina, que sempre existiu. Como a ignorância
das almas primitivas não lhes permite compreendê-la em toda a sua extensão,
imaginam que depois desta vida tudo está acabado. É um erro! Nós, médiuns, mais
ou menos adiantados, acabaremos por vos convencer.
Não só o Espiritismo é uma consolação, mas ainda desenvolve
a inteligência, destrói todo pensamento de egoísmo, de orgulho e de avareza,
põe-nos em comunicação com os que nos são caros e prepara o progresso,
progresso imenso que, insensivelmente, destruirá todos os abusos, as revoluções
e as guerras.
A alma tem necessidade de reencarnar para se aperfeiçoar;
numa única vida material não pode aprender tudo quanto deve saber para
compreender a obra do Todo-Poderoso. O corpo não passa de um envoltório
passageiro, no qual Deus envia uma alma para se aperfeiçoar e sofrer as provas
necessárias ao seu adiantamento e à realização da grande obra do Criador, a que
somos chamados a servir, quando tivermos sofrido nossas provas e adquirido
todas as perfeições. Todas as nossas celebridades contemporâneas são outras
tantas almas que progrediram pela renovação das encarnações; muitas dentre elas
são médiuns escreventes, gênios que trazem, em cada existência nova, os progressos
da ciência e das artes.
A lista dos homens de gênio aumenta todos os anos. São
outros tantos guias que Deus coloca em nosso meio para nos esclarecer, nos
instruir, numa palavra, nos ensinar o que ignoramos e que é absolutamente
necessário que saibamos; eles nos mostram a chaga social, procuram destruir os
preconceitos, põem à luz e aos nossos olhos todo o mal produzido pelo egoísmo e
pela ignorância. Esses gênios são animados por Espíritos superiores; fizeram
mais pelo progresso e pela civilização que toda a vossa pirotecnia, e fazem
derramar mais lágrimas de ternura e de reconhecimento que todos os vossos
feitos de armas.
Refleti, pois, seriamente no Espiritismo, homens inteligentes,
pois nele encontrareis grandes ensinamentos. Não há charlatanismo nesta lei
divina: tudo aí é belo, grande, sublime; ela apenas tende a conduzir-nos à
perfeição e à verdadeira felicidade moral.
O livro escrito pelos médiuns, ditado por Espíritos superiores
e errantes, é um livro de alta filosofia e de uma instrução tão profunda quanto
etérea; trata de tudo. É verdade que nem todos estão ainda preparados para esta
crença e, para compreendê-la, é necessário que a alma já tenha reencarnado
várias vezes.
Quando todo o mundo compreender o Espiritismo, nossos
grandes poetas serão mais apreciados e lidos com atenção e respeito. Todos os
nossos literatos serão compreendidos por todos os povos e admirados sem inveja,
porque serão conhecidas as causas e os efeitos.
O estudo da Ciência é a mais nobre das ocupações; o Espiritismo
é a sua divindade. Por ele associamo-nos ao gênio e, como disse um dos nossos
cientistas, depois do homem de gênio vem o que sabe compreendê-lo. A instrução
faz do Espírito o que um hábil joalheiro faz da pedra bruta: dá-lhe o
polimento, o brilho que encanta e seduz, realçando-lhe o valor. A alma não tem
forma propriamente dita; é uma espécie de luz que difere por sua intensidade,
conforme o grau de perfeição adquirida. Quanto mais a alma progride, tanto mais
luminosa é a sua cor.
Quando todos forem médiuns, podereis entreter-vos com
os Espíritos, como já o fazemos; eles vos dirão que são mais felizes que nós.
Eles nos veem, nos escutam, assistem às nossas reuniões, conversam com nossa
alma durante o sono, transportam-se e penetram por toda parte onde Deus os
envia.
Pauline Boulay
Nota – O princípio da reencarnação acha-se
igualmente num manuscrito que nos foi enviado de Montreal (Canadá), e do qual
falaremos em breve.
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