terça-feira, 19 de agosto de 2025

UM ESPÍRITO TRAVESSO[1]

 


Allan Kardec

 

O Sr. J..., um de nossos colegas da Sociedade, por diversas vezes tinha visto chamas azuis passeando sobre o seu leito.

Certo de que se tratava de uma manifestação, no dia 20 de janeiro último tivemos a ideia de evocar um desses Espíritos, a fim de nos instruirmos sobre a sua natureza.

1. Evocação.

 – Que queres de mim?

2. Com que objetivo te manifestaste na casa do Sr. J...?

– Que te importa?

3. A mim pouco importa, é verdade; mas para ele é  diferente.

– Ah! Bela razão!

 

Observação – Essas primeiras perguntas foram feitas pelo Sr. Kardec. O Sr. J... prosseguiu com o interrogatório.

 

4. É que não recebo de bom grado qualquer pessoa em minha casa.

– Não tens razão; sou muito bom.

5. Dize, então, por favor o que vinhas fazer em minha casa?

 – Por acaso acreditas que, pelo fato de ser bom, eu te deva obedecer?

6. Disseram-me que és um Espírito muito leviano.

– Julgaram-me muito mal a esse respeito.

7. Se é uma calúnia, prova-o.

– Não me incomodo.

8. Eu poderia empregar um meio para obrigar-te a dizer quem és.

 – Palavra de honra, isso não poderia senão me divertir um pouco.

9. Intimo-te a dizer-me o que vens fazer em minha casa.

 – Não tinha senão um propósito: divertir-me.

10. Isso não tem relação com o que me foi dito pelos Espíritos superiores.

– Fui mandado à tua casa e já conheces a razão. Estás satisfeito?

11. Mentiste, pois?

– Não.

12. Não tinhas, então, más intenções?

– Não; disseram-te o mesmo que eu.

13. Poderias dizer-nos qual é a tua posição entre os Espíritos?

– Tua curiosidade me agrada.

14. Pois que pretendes ser bom, por que me respondes de maneira tão pouco conveniente?

– Acaso eu te insultei?

15. Não; entretanto, por que respondes de maneira evasiva, recusando-te a dar as informações que te peço?

– Sob o comando de certos Espíritos, sou livre para fazer o que quiser.

16. Ora, ora, vejo que começas a ficar mais razoável e imagino que iremos ter relações mais amigáveis.

– Deixa de palavreado: será muito melhor.

17. Sob que forma te apresentas aqui?

– Não tenho mais forma.

18. Sabes o que é o perispírito?

– Não; a menos que seja o vento.

19. Que poderia eu fazer para te ser agradável?

– Já te disse: cala-te.

20. A missão que vieste cumprir em minha casa fez que avançasses como Espírito?

– Isto é outra coisa; não me faças tais perguntas. Já sabes que obedeço a certos Espíritos; dirige-te a eles. Quanto a mim, peço para ir embora.

21. Acaso teríamos tido más relações em outra existência e seria isso a causa do teu mau humor?

– Não te lembras de quanto disseste mal de mim, a quem quisesse ouvir? Cala-te, digo-te eu.

22. De ti não falei senão o que foi dito pelos Espíritos superiores a teu respeito.

– Disseste também que eu te havia obsidiado.

23. Ficaste satisfeito com o resultado que obtiveste?

– Isso não é contigo.

24. Preferes então que eu conserve de ti uma má impressão?

– É possível. Vou-me embora.

 

Observação – Pelas conversas relatadas podemos constatar a extrema diversidade que existe na linguagem dos Espíritos, conforme o seu grau de elevação. A dos Espíritos desta natureza é quase sempre caracterizada pela grosseria e pela impaciência. Quando são chamados às reuniões sérias sentimos que não comparecem de bom grado; têm pressa de partir porque não se sentem à vontade no meio de seus superiores e das pessoas que os embaraçam com perguntas. Não se dá o mesmo nas reuniões frívolas, onde nos divertimos com as suas facécias: estão no seu próprio ambiente e o aproveitam com alegria.



[1] REVISTA ESPÍRITA – março/1859 – Allan Kardec

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