Allan Kardec
Príncipe,
Vossa alteza concedeu-me a honra
de dirigir-me várias perguntas relativas ao Espiritismo. Tentarei respondê-las
até onde o permita o estado dos conhecimentos atuais sobre a matéria, resumindo,
em poucas palavras, o que o estudo e a observação nos ensinaram a respeito.
Essas questões repousam sobre os próprios princípios da Ciência; para dar mais
clareza à solução, é necessário ter em mente esses princípios. Permiti-me,
pois, considerar o assunto de um plano um pouco mais elevado, estabelecendo
como preliminares certas proposições fundamentais que, aliás, servirão de
respostas a algumas de vossas indagações.
Fora do mundo corporal visível
existem seres invisíveis, que constituem o mundo dos Espíritos.
Os Espíritos não são seres à
parte, mas as próprias almas dos que viveram na Terra ou em outras esferas, e
que se despojaram de seus invólucros materiais.
Os Espíritos apresentam todos os
graus de desenvolvimento intelectual e moral. Conseguintemente, os há bons e
maus, esclarecidos e ignorantes, levianos, mentirosos, velhacos, hipócritas,
que procuram enganar e induzir ao mal, da mesma forma como os há superiores em
tudo, que não procuram fazer senão o bem. Essa distinção é um ponto capital.
Os Espíritos nos rodeiam
incessantemente. Sem que o saibamos, dirigem os nossos pensamentos e as nossas
ações, assim influindo nos acontecimentos e nos destinos da Humanidade.
Frequentemente os Espíritos
atestam sua presença através de efeitos materiais. Tais efeitos nada têm de
sobrenatural, assim nos parecendo por repousarem sobre bases que escapam às
leis conhecidas da matéria. Uma vez conhecidas essas bases, o efeito entra na
categoria dos fenômenos naturais. É assim que os Espíritos podem agir sobre
corpos inertes e movê-los sem o concurso dos nossos agentes exteriores. Negar a
existência de agentes desconhecidos pela simples razão de não os compreender
seria impor limites ao poder de Deus e acreditar que a Natureza nos tenha dito
sua última palavra.
Todo efeito tem uma causa;
ninguém o contesta. É, pois, ilógico negar a causa pelo simples fato de que é
desconhecida.
Se todo efeito tem uma causa,
todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Quando vemos o braço do
telégrafo produzir sinais que correspondem ao pensamento, não concluímos que
ele seja inteligente, mas, sim, que é movido por uma inteligência.
Dá-se o mesmo com os fenômenos
espíritas. Se a inteligência que os produz não é a nossa, evidentemente
encontra-se fora de nós.
Nos fenômenos das ciências
naturais agimos sobre a matéria e a manipulamos à vontade; nos fenômenos
espíritas agimos sobre inteligências que dispõem de livre-arbítrio e não se
submetem à nossa vontade. Há, pois, entre os fenômenos comuns e os fenômenos
espíritas uma diferença radical quanto ao princípio, razão por que a ciência
vulgar é incompetente para os julgar.
O Espírito encarnado tem dois
envoltórios: um material, que é o corpo, e outro semimaterial e indestrutível,
que é o perispírito. Deixando o primeiro, o Espírito conserva o segundo, que,
para ele, constitui uma espécie de corpo, mas cujas propriedades são
essencialmente diferentes. Em seu estado normal o perispírito nos é invisível,
embora possa tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível: tal é a causa
do fenômeno das aparições.
Os Espíritos não são, pois,
seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados, com existência
própria, pensando e agindo em virtude de seu livre-arbítrio. Estão em toda
parte, à nossa volta; povoam os espaços e se transportam com a rapidez do pensamento.
Os homens podem entrar em
relação com os Espíritos e receber comunicações diretas através da escrita, da
palavra e por outros meios. Estando os Espíritos ao nosso lado, ou podendo,
através de certos intermediários, atender ao nosso apelo, com eles podemos
estabelecer comunicações continuadas, da mesma forma que um cego pode fazê-lo
com as pessoas que não vê.
Certos indivíduos são mais
dotados que outros de uma aptidão especial para transmitir comunicações dos
Espíritos: são os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é o
instrumento de que se serve o Espírito. Esse instrumento pode ser mais ou menos
perfeito, do que resultam comunicações mais ou menos fáceis.
Os fenômenos espíritas são de
duas ordens: as manifestações físicas e materiais e as manifestações
inteligentes. Os efeitos físicos são produzidos por Espíritos inferiores; os
Espíritos elevados não se ocupam dessas coisas, do mesmo modo que os nossos sábios
não se entregam a ações que exijam grande vigor físico: seu papel é instruir
pelo raciocínio.
As comunicações tanto podem
emanar de Espíritos inferiores como de Espíritos superiores. Como os homens, os
Espíritos são reconhecidos por sua linguagem. A dos Espíritos Superiores é
sempre séria, digna, nobre e cheia de benevolência; toda expressão trivial ou
inconveniente, todo pensamento que choca a razão e o bom-senso, que denota
orgulho, acrimônia ou malevolência, procede necessariamente de um Espírito
inferior.
Os Espíritos elevados só boas
coisas ensinam; sua moral é a do Evangelho; só pregam a união e a caridade e
jamais se enganam. Os Espíritos inferiores dizem absurdos, mentiras e, muitas
vezes, até grosserias.
A eficiência de um médium não
consiste apenas na facilidade das comunicações, mas, sobretudo, na natureza das
comunicações que recebe. Um bom médium é o que simpatiza com os Espíritos bons
e só recebe boas comunicações.
Todos nós temos um Espírito
familiar, que a nós se liga desde o nascimento, guia-nos, aconselha e protege;
é sempre um Espírito bom.
Além do Espírito familiar,
existem aqueles que atraímos graças à sua simpatia por nossas qualidades e
defeitos ou em virtude de antigas afeições terrenas. Daí se segue que, em toda
reunião, há uma multidão de Espíritos mais ou menos bons, conforme a natureza
do meio.
Podem os Espíritos revelar o futuro?
− Os Espíritos não conhecem o
futuro senão em razão de sua elevação. Os inferiores nem mesmo o seu próprio
futuro conhecem e, com mais forte razão, desconhecem o dos outros. Os Espíritos
superiores o conhecem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Em princípio,
e por um sábio desígnio da Providência, o futuro nos deve ser ocultado. Se o
conhecêssemos, nosso livre-arbítrio seria tolhido. A certeza do sucesso
tirar-nos-ia a vontade de fazer qualquer coisa, porque não veríamos a
necessidade de nos darmos a esse trabalho; a certeza de uma desgraça nos
desencorajaria. Todavia, há casos em que o conhecimento do futuro pode ser
útil, embora, nessa situação, jamais possamos ser juízes. Os Espíritos no-lo
revelam quando o julgam conveniente e quando têm a permissão de Deus. Então o
fazem espontaneamente e não a pedido nosso. É preciso esperar com confiança a
oportunidade e, sobretudo, não insistir em caso de recusa, pois, de outro modo,
correríamos o risco de tratar com Espíritos levianos, que se divertem à nossa
custa.
Os Espíritos podem guiar-nos por meio de conselhos
diretos nas coisas da vida?
− Sim, podem e o fazem de bom
grado. Esses conselhos nos chegam diariamente pelos pensamentos que nos
sugerem.
Muitas vezes fazemos coisas cujo
mérito nos atribuímos quando, na realidade, resultam apenas de uma inspiração
que nos foi transmitida. Ora, como estamos rodeados de Espíritos que nos
influenciam neste ou naquele sentido, temos sempre o livre-arbítrio para nos
guiar na escolha; e felizes seremos se preferirmos o nosso gênio bom.
Além dos conselhos ocultos,
podemos obter estes diretamente através de um médium; mas aqui é o caso de
recordarmos os princípios fundamentais que acabamos de emitir. A primeira coisa
a considerar é a qualidade do médium, se não somos nós próprios. Um médium que
só boas comunicações obtém; que, por suas qualidades pessoais não simpatiza
senão com os Espíritos bons, é um ser precioso, do qual podemos esperar grandes
coisas, desde que o secundemos na pureza de suas próprias instruções e o
utilizemos convenientemente; direi mais: é um instrumento providencial.
Não menos importante, o segundo
ponto consiste na natureza dos Espíritos aos quais nos dirigimos. Não devemos
crer que possamos ser guiados corretamente pelo primeiro que apareça.
Aquele que visse nas
comunicações espíritas apenas um meio de adivinhação e no médium um leitor de buena
dicha[2]
enganar-se-ia redondamente. É preciso considerar que no mundo dos Espíritos
temos amigos que por nós se interessam, muito mais sinceros e devotados do que
os que tomam esses títulos na Terra, e que não têm o menor interesse em nos
lisonjear ou em nos enganar. São, além do nosso Espírito protetor, parentes ou
pessoas a quem nos afeiçoamos quando vivas, ou Espíritos que nos querem o bem
por simpatia. Quando chamados vêm de boa vontade e até mesmo quando não são
chamados; muitas vezes os temos ao nosso lado, sem que o suspeitemos. Através
dos médiuns podemos pedir-lhes conselhos diretos e os recebemos, mesmo
espontaneamente, sem que lhes tenhamos pedido. Fazem-no sobretudo na
intimidade, no silêncio, e desde que nenhuma influência estranha os venha
perturbar; são, aliás, muito prudentes e, de sua parte, jamais devemos temer
uma indiscrição: calam-se quando há ouvidos em demasia. Fazem-no ainda com mais
prazer quando estão em frequente comunicação conosco. Como não dizem senão
coisas adequadas e conforme a oportunidade, é preciso esperar a sua boa vontade
e não acreditar que, à primeira vista, venham satisfazer a todos os nossos
pedidos. Querem assim provar que não estão às nossas ordens.
A natureza das respostas depende
muito da maneira de fazer as perguntas. É necessário aprender a conversar com
os Espíritos como se aprende a conversar com os homens: em tudo é preciso
experiência. Por outro lado, o hábito faz que os Espíritos se identifiquem
conosco e com o médium, os fluidos se combinem e as comunicações sejam mais
fáceis; então entre eles e nós estabelecem-se verdadeiras conversações
familiares; o que não dizem num dia falarão noutro. Habituam-se à nossa maneira
de ser, como nós à deles: ficamos reciprocamente mais à vontade. Quanto à
ingerência dos Espíritos maus e dos Espíritos enganadores, o que constitui o
grande escolho, a experiência nos ensina a combatê-los e podemos sempre
evitá-los. Se não lhes damos atenção, eles não vêm, porque sabem que vão perder
tempo.
Qual poderá ser a utilidade da propagação das ideias espíritas?
− Sendo o Espiritismo a prova
palpável e evidente da existência, da individualidade e da imortalidade da
alma, é a destruição do materialismo, essa negação de toda religião, essa chaga
de toda sociedade. O número dos materialistas que ele conduziu a ideias mais
sãs é considerável e aumenta diariamente: só isso seria um benefício social.
Não somente prova a existência e a imortalidade da alma, como ainda mostra o
seu estado feliz ou desgraçado, conforme os méritos desta vida. As penas e recompensas
futuras não são mais uma teoria, mas um fato patente aos nossos olhos. Ora,
como não há religião possível sem a crença em Deus, na existência da alma e nas
penas e recompensas futuras, o Espiritismo traz de volta a essas crenças as
pessoas nas quais elas estavam apagadas; resulta daí que ele é o mais poderoso
auxiliar das ideias religiosas: dá religião aos que não a possuem, fortifica-a naqueles
em que é vacilante, consola pela certeza do futuro, faz suportar com paciência
e resignação as tribulações da vida e desvia do pensamento o suicídio, ideia
que naturalmente repelimos quando vemos as consequências; eis por que são
felizes os que penetraram em seus mistérios. Para eles o Espiritismo é a luz
que dissipa as trevas e as angústias da dúvida.
Se considerarmos agora a moral
ensinada pelos Espíritos superiores, concluiremos que ela é toda evangélica;
prega a caridade evangélica em toda a sua sublimidade e faz mais: mostra a sua
necessidade tanto para a felicidade presente quanto para a futura, porque as consequências
do bem e do mal que fazemos estão diante dos nossos olhos. Reconduzindo os
homens aos sentimentos de seus deveres recíprocos, o Espiritismo neutraliza o efeito
das doutrinas que subvertem a ordem social.
Não podem essas crenças representar um perigo para a razão?
– Todas as ciências não
forneceram o seu contingente para os hospitais de alienados? Devemos, por isso,
condená-las? Não estão largamente representadas entre elas as crenças
religiosas? Seria justo, por isso, proscrever a religião? Acaso conhecemos todos
os loucos produzidos pelo medo ao diabo? Todas as grandes preocupações
intelectuais levam à exaltação e podem reagir de maneira lastimável sobre um
cérebro fraco. Teríamos razão de ver no Espiritismo um perigo especial se ele
fosse a única causa ou a causa preponderante da loucura. Fez-se grande alarido
em torno de dois ou três casos que, em outras circunstâncias, não teriam merecido
nenhuma atenção, ao não se levar em consideração as causas predisponentes
anteriores. Poderíamos citar outros em que, bem compreendidas, as ideias
espíritas poderiam deter o desenvolvimento da loucura.
Em resumo, o Espiritismo não
oferece maior perigo de loucura do que as mil e uma causas que a produzem
diariamente.
Digo mais: oferece bem menos
perigo, visto trazer em si mesmo o corretivo e, pela direção que dá às ideias e
a calma que proporciona ao espírito dos que o compreendem, pode neutralizar o
efeito das causas estranhas. O desespero é uma dessas causas. Ora, ao nos fazer
encarar as coisas mais desagradáveis com sangue-frio e resignação, o
Espiritismo atenua os funestos efeitos do desespero.
As crenças espíritas não são a consagração das ideias supersticiosas
da Antiguidade e da Idade Média e, assim, não devem ser endossadas?
– As pessoas sem religião não
tacham de superstição a maioria das crenças religiosas? Uma ideia só é
supersticiosa quando é falsa; deixa de o ser quando se torna uma verdade. Está provado
que no fundo da maioria das superstições existe uma verdade amplificada e
desnaturada pela imaginação. Ora, tirar dessas ideias todo o seu conteúdo
fantástico e deixar apenas a realidade é destruir a superstição. Tal é o efeito
da ciência espírita, que põe a nu o que há de verdadeiro e de falso nas crenças
populares. Por muito tempo as aparições foram consideradas como crenças
supersticiosas; hoje, que são um fato provado e, mais ainda, perfeitamente
explicado, entraram no domínio dos fenômenos naturais. Por mais que as
condenemos, não impediremos que continuem a produzir-se. Todavia, os que se deram
conta e as compreenderam, não apenas não se apavoram como estão satisfeitos, e
isso a tal ponto que aqueles que não têm essas ideias desejariam tê-las.
Deixando o campo livre à imaginação, os fenômenos incompreendidos representam a
fonte de uma porção de ideias acessórias, absurdas, que degeneram em superstição.
Mostremos a realidade, expliquemos a causa e a imaginação se detém no limite do
possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem e, com eles a
superstição. Tais são, dentre outras, as práticas cabalísticas, a virtude dos
signos e das palavras mágicas, as fórmulas sacramentais, os amuletos, os dias
nefastos, as horas diabólicas e tantas outras coisas que o Espiritismo, bem
compreendido, demonstra o ridículo.
Tais são, Príncipe, as respostas
que julguei adequadas às perguntas com que me honrastes. Sentir-me-ei feliz se
elas puderem corroborar as ideias que Vossa Alteza já possui sobre o assunto e
vos levarem a aprofundar uma questão de tão elevado interesse; mais feliz ainda
se meu concurso ulterior puder ser de alguma utilidade.
Com o mais profundo respeito,
sou, de Vossa Alteza, muito humilde e muito obediente servidor.
Allan Kardec
Nenhum comentário:
Postar um comentário