terça-feira, 8 de abril de 2025

UMA VIÚVA DE MALABAR (Conversas Familiares de Além-Túmulo)[1]

 


Allan Kardec

 

Desejávamos interrogar uma dessas mulheres da Índia, obrigadas a se queimarem sobre os corpos dos maridos.

Não conhecendo nenhuma delas, tínhamos pedido a São Luís que nos enviasse uma que pudesse responder às nossas perguntas de maneira satisfatória. Ele nos respondeu que o faria de bom grado dentro de algum tempo. Na sessão da Sociedade, do dia 2 de novembro de 1858, o Sr. Adrien, médium vidente, avistou uma, disposta a falar, e da qual nos deu a seguinte descrição:

Olhos negros e grandes; escleróticas levemente amareladas; rosto arredondado; faces salientes e gordas; pele amarelo-açafrão; cílios longos e supercílios arqueados e negros; nariz um pouco grande e levemente achatado; boca grande e sensual; belos dentes, grandes e bem-dispostos; cabelos lisos, abundantes, negros e engordurados. Corpo obeso e rechonchudo, envolvido por fino tecido de seda, deixando à mostra a metade do peito. Pulseiras nos braços e pernas.

 

1. Lembrais mais ou menos em que época vivestes na Índia e onde fostes queimada com o corpo de vosso marido?

– [Ela fez um sinal, dando a entender que não se lembrava.] – São Luís responde que foi há cerca de cem anos.

2. Lembrais o nome que tínheis?

– Fátima.

3. Que religião professáveis?

– A maometana.

4. Mas o maometanismo não reprime tais sacrifícios?

– Nasci muçulmana, mas meu marido pertencia à religião de Brahma. Tive de me conformar com os costumes do país onde morava. As mulheres não se pertencem.

5. Que idade tínheis quando morrestes?

– Creio que 20 anos, aproximadamente.

 

Observação – O Sr. Adrien observou que ela aparentava vinte e oito a trinta anos; mas que naquele país as mulheres envelhecem mais depressa.

 

6. Vosso sacrifício foi voluntário?

– Preferia ter-me casado com outro. Refleti bem e concebereis que todas pensamos do mesmo modo. Segui o costume, mas, no fundo, teria preferido não o fazer. Esperei vários dias por outro marido, mas ninguém apareceu; então obedeci à lei.

7. Que sentimento poderia ter ditado essa lei?

– Ideia supersticiosa. Ao nos queimarem, imaginam agradar à Divindade; que resgatamos as faltas daquele que acabamos de perder e que vamos ajudá-lo a viver feliz no outro mundo.

8. Vosso marido ficou satisfeito com o sacrifício?

– Jamais procurei revê-lo.

9. Há mulheres que assim se sacrificam de livre vontade?

– Poucas; uma em mil. No fundo elas não desejariam fazê-lo.

10. O que se passou convosco quando se extinguiu a vida corporal?

– Perturbação; experimentei uma espécie de nevoeiro e depois não sei o que aconteceu. Minhas ideias não se aclararam senão muito tempo depois. Ia a toda parte, mas não via bem; e ainda agora não me sinto inteiramente esclarecida; tenho muitas encarnações a sofrer, a fim de me elevar; mas não me queimarei mais... Não vejo necessidade de me queimar, de lançar-me no meio das chamas para me elevar..., sobretudo por faltas que não cometi; depois, isto não me agradou. Aliás, eu nunca procurei saber. Proporcionar-me-íeis grande prazer se orásseis por mim, pois agora compreendo que somente a prece é capaz de fazer-nos suportar corajosamente as provações que nos são enviadas... Ah! Se eu tivesse fé!

11. Pedis que oremos por vós; como somos cristãos, nossas preces poderiam vos ser agradáveis?

– Não há senão um Deus para todos os homens.

 

Observação – Em várias sessões seguidas a mesma mulher foi vista entre os Espíritos que as assistiam. Disse que vinha para instruir-se. Parece que foi sensível ao interesse que lhe testemunhamos, porque nos seguiu várias vezes em outras reuniões e, até mesmo, na rua.



[1] REVISTA ESPÍRITA – dezembro/1858 – Allan Kardec

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