terça-feira, 18 de março de 2025

O SONO (Dissertações de Além Túmulo)[1]

 


Allan Kardec

 

Pobres homens! Como conheceis pouco os mais ordinários fenômenos que fazem vossa vida! Acreditais ser bastante sábios, julgais possuir uma vasta erudição e, a estas simples perguntas de todas as crianças: “O que fazemos quando dormimos? O que são os sonhos?”, ficais mudos. Não tenho a pretensão de vos fazer compreender o que vou explicar, porquanto há coisas para as quais vosso Espírito não pode, ainda, submeter-se, por não admitir senão o que compreende.

O sono liberta inteiramente a alma do corpo. Quando dormimos, ficamos momentaneamente no estado em que nos encontraremos, de maneira definitiva, após a morte. Os Espíritos que cedo se desprenderam da matéria por ocasião da morte tiveram sono inteligente; quando dormem, se reúnem à companhia de outros seres superiores a eles: viajam, conversam e com eles se instruem.

Trabalham até em obras que, ao morrer, acham concluídas. Isso nos deve ensinar uma vez mais a não temer a morte, visto que, conforme a palavra de um santo, morreis diariamente.

Isto quanto aos Espíritos elevados; para a massa dos homens, porém, que com a morte devem ficar longas horas nessa perturbação, nessa incerteza da qual falaram, ou irão para mundos inferiores à Terra, onde os chamam antigas afeições, ou talvez busquem prazeres mais deprimentes ainda do que os daqui; vão aprender doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis e mais nocivas do que as professadas em vosso meio. E o que faz a simpatia na Terra outra coisa não é senão o fato de nos sentirmos, ao despertar, aproximados pelo coração daqueles com quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de prazer. O que também explica essas antipatias invencíveis é que sabemos, no fundo do coração, que essas criaturas têm uma outra consciência, diferente da nossa, pois as conhecemos sem jamais as termos visto com os olhos. É ainda o que explica a indiferença, pois que não intentamos fazer novos amigos, quando sabemos que há outros que nos amam e nos querem bem. Numa palavra, o sono influi em vossas vidas muito mais do que pensais.

Por efeito do sono os Espíritos encarnados estão sempre em contato com o mundo dos Espíritos, e é isso que faz com que os Espíritos superiores consintam, sem muita repulsa, em reencarnar entre vós. Quis Deus que durante seu contato com o vício eles viessem retemperar-se na fonte do bem, a fim de eles mesmos não falirem, logo eles que vinham instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para os amigos do céu; é a recreação após o trabalho, à espera da grande libertação, a libertação final que os deve reconduzir ao seu verdadeiro ambiente.

O sonho é a lembrança do que viu o vosso Espírito durante o sono, mas notai que nem sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais daquilo que vistes ou de tudo o que vistes; não é vossa alma em todo o seu desdobramento; muitas vezes não é senão a lembrança da perturbação que acompanha vossa partida ou chegada, a que se junta a recordação daquilo que fizestes ou que vos preocupa no estado de vigília; sem isso, como explicaríeis esses sonhos absurdos, que tanto têm os mais sábios quanto os mais simples? Os Espíritos maus também se servem dos sonhos para atormentar as almas frágeis e pusilânimes.

Aliás, em breve vereis desenvolver-se uma nova espécie de sonhos, tão antiga quanto a que conheceis, mas que ignorais. O sonho de Joana, o sonho de Jacó, o sonho dos profetas judeus e de alguns profetas indianos: esse sonho é a lembrança da alma inteiramente desprendida do corpo, a lembrança dessa segunda vida de que vos falava há pouco.

Procurai distinguir bem essas duas espécies de sonhos, dentre aqueles de que vos recordais, sem o que entrareis em contradições e em erros que seriam funestos à vossa fé.

Observação – O Espírito que ditou essa comunicação, solicitado a declinar o nome, respondeu:

− Para quê? Acreditais que somente os Espíritos dos grandes homens vos vêm dizer coisas boas?

− Não levais em nenhuma consideração aqueles que não conheceis ou que são ignorados na vossa Terra? Ficai sabendo que muitos não tomam um nome senão para vos contentar.



[1] REVISTA ESPÍRITA – dezembro/1858 – Allan Kardec


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