Crônica de Alessandra Del’Agnese[2]
Nos últimos tempos, parece que
Deus virou uma franquia. Cada um quer ser o dono da marca, o representante
exclusivo, o gerente-geral da fé. O mercado da espiritualidade anda tão inflacionado
que até o amor ao próximo está sendo terceirizado.
Dizem que vivemos tempos
modernos, mas o ódio continua medieval. Se antes queimávamos bruxas em
fogueiras, hoje queimamos reputações em redes sociais. Se antes expulsávamos
hereges das cidades, hoje os linchamos com palavras, cancelamos com certezas
absolutas e arremessamos dogmas como pedras. O progresso da intolerância foi só
tecnológico; a essência continua a mesma.
O curioso é que todas as
religiões — todas! — pregam a paz, o respeito, o amor. Mas há sempre os
autoproclamados sócios minoritários de Deus, aqueles que decidiram que Ele
precisa de advogados. Como se o Criador do universo precisasse que alguém
defendesse sua honra na internet ou em templos erguidos à base de arrogância.
O que faz um homem crer que sua
fé é a única verdadeira e que, por isso, ele tem o direito de impor sua visão a
outros? Que luz espiritual é essa que ilumina apenas um caminho e cega para
todos os outros?
Os intolerantes se esquecem de
um detalhe incômodo: a fé não precisa de polícia. A religião, quando genuína, é
um farol, não um holofote. Se a sua crença é tão forte, tão iluminada, tão
cheia de verdades, por que precisa ser defendida à força? Deus não tem CNPJ. A
espiritualidade não tem dono.
O que nos separa não é o nome
que damos ao divino, mas o ego que insiste em transformar a fé em um
campeonato. Como se houvesse um pódio no céu, um troféu para quem reza mais
alto ou para quem aponta mais pecados alheios.
A única coisa que deveria ser
realmente proibida em qualquer religião é essa mania de achar que Deus tem
lado. O que nos faz humanos não é a fé que professamos, mas o respeito que
praticamos. Afinal, de nada adianta orar de joelhos se o coração continua de
pé, endurecido e arrogante.
Quem sabe um dia a gente entenda
que Deus não precisa ser defendido. Ele só precisa ser vivido.
[1] https://www.blogderocha.com.br/deus-nao-tem-cnpj-cronica-de-alessandra-delagnese/?fbclid=IwY2xjawH-7LlleHRuA2FlbQIxMQABHZSvG5gAiU3NklfgHXtLXacwg5zWR02gxRuL0-6rFsTKQe6g02dkTH8Thw_aem_3BNDpk17nfghwh8O-nqqEg
[2] Alessandra Del’Agnese – Escritora que integra o
Movimento Literário Mulherio das Letras Amapá – Matita Perera.
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