sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

DEUS NÃO TEM CNPJ[1]

 


Crônica de Alessandra Del’Agnese[2]

 

Nos últimos tempos, parece que Deus virou uma franquia. Cada um quer ser o dono da marca, o representante exclusivo, o gerente-geral da fé. O mercado da espiritualidade anda tão inflacionado que até o amor ao próximo está sendo terceirizado.

Dizem que vivemos tempos modernos, mas o ódio continua medieval. Se antes queimávamos bruxas em fogueiras, hoje queimamos reputações em redes sociais. Se antes expulsávamos hereges das cidades, hoje os linchamos com palavras, cancelamos com certezas absolutas e arremessamos dogmas como pedras. O progresso da intolerância foi só tecnológico; a essência continua a mesma.

O curioso é que todas as religiões — todas! — pregam a paz, o respeito, o amor. Mas há sempre os autoproclamados sócios minoritários de Deus, aqueles que decidiram que Ele precisa de advogados. Como se o Criador do universo precisasse que alguém defendesse sua honra na internet ou em templos erguidos à base de arrogância.

O que faz um homem crer que sua fé é a única verdadeira e que, por isso, ele tem o direito de impor sua visão a outros? Que luz espiritual é essa que ilumina apenas um caminho e cega para todos os outros?

Os intolerantes se esquecem de um detalhe incômodo: a fé não precisa de polícia. A religião, quando genuína, é um farol, não um holofote. Se a sua crença é tão forte, tão iluminada, tão cheia de verdades, por que precisa ser defendida à força? Deus não tem CNPJ. A espiritualidade não tem dono.

O que nos separa não é o nome que damos ao divino, mas o ego que insiste em transformar a fé em um campeonato. Como se houvesse um pódio no céu, um troféu para quem reza mais alto ou para quem aponta mais pecados alheios.

A única coisa que deveria ser realmente proibida em qualquer religião é essa mania de achar que Deus tem lado. O que nos faz humanos não é a fé que professamos, mas o respeito que praticamos. Afinal, de nada adianta orar de joelhos se o coração continua de pé, endurecido e arrogante.

Quem sabe um dia a gente entenda que Deus não precisa ser defendido. Ele só precisa ser vivido.

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