Seamus Coyle[2]
- Para a BBC Future
As pessoas geralmente parecem estar dormindo logo após
a morte, com uma expressão facial neutra. Mas um dos meus parentes, que sentiu
dores intensas nas horas que antecederam sua morte e não teve acesso a cuidados
médicos, tinha uma expressão radiante e de êxtase. Durante décadas, me
perguntei se os últimos minutos da vida dele poderiam ter sido felizes. Morrer
talvez desencadeie uma enxurrada de endorfina, principalmente na ausência de
analgésicos?[3]
O pesquisador Seamus Coyle,
especialista em Pesquisa Clínica da Universidade de Liverpool, tentou
respondê-la com base em estudos e em sua experiência em cuidados paliativos.
O poeta Dylan Thomas tinha
algumas coisas interessantes a dizer sobre a morte, inclusive em um de seus
poemas mais famosos:
E você, meu pai, lá na triste
altura
Maldição, abençoe-me agora
com suas lágrimas ferozes, eu rezo.
Não vá docemente nessa boa
noite.
Raiva, raiva contra a morte
da luz.
Supõe-se frequentemente que a
vida trava uma batalha até o fim contra a morte. Mas é possível chegar a um
acordo entre elas?
Como especialista em cuidados
paliativos, acho que há um processo de morrer que acontece duas semanas antes
de a morte ocorrer de fato. Durante esse período, as pessoas tendem a ficar
mal.
Elas normalmente têm dificuldade
para andar e ficam mais sonolentas, conseguindo ficar acordadas por períodos
cada vez mais curtos. Nos últimos dias de vida, a capacidade de engolir
comprimidos ou consumir alimentos e bebidas diminui.
Especialistas em cuidados
paliativos dizem que as pessoas estão "morrendo ativamente", e
geralmente pensamos que isso significa que elas têm dois a três dias de vida.
Muitas pessoas, no entanto, vão passar por toda essa fase dentro de apenas um
dia.
E algumas pessoas podem
realmente ficar à beira da morte por quase uma semana antes de morrerem de
fato, algo que em geral é extremamente angustiante para as famílias. Então,
coisas diferentes ocorrem com pessoas distintas — e não podemos prever as sequências
de acontecimentos.
Alterações químicas
É difícil decifrar o momento
real da morte. Mas um estudo ainda não publicado do meu próprio grupo de
pesquisa indica que, à medida que as pessoas se aproximam da morte, há um
aumento nos substâncias químicas relacionadas ao estresse no corpo.
Para as pessoas com câncer, e
talvez outras também, os marcadores inflamatórios aumentam. Essas são as
substâncias que aumentam quando o corpo está combatendo uma infecção.
Há quem aponte que pode haver
uma "enxurrada" de endorfinas antes de alguém morrer. Mas
simplesmente não sabemos se isso é verdade, pois ninguém ainda pesquisou essa
possibilidade.
Um estudo de 2011, no entanto,
mostrou que os níveis de serotonina, outra substância química do cérebro que
também contribui para sentimentos de felicidade, triplicaram no cérebro de seis
ratos pouco antes de sua morte. Não podemos descartar que algo semelhante possa
acontecer em humanos.
É um indício interessante, no
entanto, e existe a tecnologia para observar os níveis de endorfina e
serotonina em humanos.
Mas obter amostras sequenciais,
especialmente de sangue, nas últimas horas da vida de alguém é desafiador do
ponto de vista logístico. Conseguir o financiamento para fazer essa pesquisa
também é difícil.
No Reino Unido, por exemplo,
pesquisas sobre câncer em 2016 receberam um total de US$ 756 milhões (cerca de
R$ 3,2 bilhões), enquanto toda a pesquisa sobre cuidados paliativos teve menos
US$ 2,6 milhões (R$ 8,6 milhões) em financiamento.
Não há indícios de que
analgésicos, como a morfina, impediriam a produção de endorfinas. A dor nem
sempre é um problema quando as pessoas morrem. Minhas próprias observações e
discussões com colegas indicam que, se a dor já não fosse um problema para uma
pessoa antes, é pouco comum que ela se torne um problema durante o processo de
morte.
Não sabemos por que isso ocorre
— pode estar relacionado a endorfinas. Novamente, nenhuma pesquisa ainda foi
feita sobre isso.
Existem vários processos no
cérebro que podem nos ajudar a superar a dor intensa. É por isso que os
soldados no campo de batalha geralmente não sentem dor no momento em que se
ferem. O trabalho de Irene Tracy, na Universidade de Oxford, demonstra o poder
fascinante do placebo, sugestões e crenças religiosas na superação da dor.
Meditação também pode ajudar.
Experiências eufóricas
Mas o que poderia causar uma
experiência eufórica durante a morte, além das endorfinas? À medida que o corpo
"desliga", o cérebro é afetado. É possível que a maneira pela qual
isso acontece influência de alguma forma as experiências que temos no momento
da morte.
A neuroanatomista americana Jill
Bolte-Taylor descreveu em uma palestra no TED como ela experimentou euforia e
até "nirvana" durante uma experiência de quase morte na qual seu
hemisfério esquerdo do cérebro, que é o centro da lógica e do pensamento
racional, foi desligado após um derrame.
Curiosamente, mesmo que uma
lesão tenha ocorrido no lado esquerdo do cérebro, uma lesão no lado direito
também pode aumentar seus sentimentos de "estar perto de algo maior".
Acho que há uma chance de alguém
ter uma profunda experiência ou realização espiritual. Eu sei que quando meu
avô morreu, ele levantou a mão e o dedo como se estivesse apontando para alguém.
Meu pai, um católico devoto, acredita que ele viu minha avó. Meu avô morreu com
um sorriso no rosto, o que trouxe uma profunda tranquilidade ao meu pai.
O processo de morrer é sagrado
para os budistas, que acreditam que o momento final oferece um grande potencial
para a mente. Eles veem a transição do viver para o morrer como o evento mais
importante da sua vida, aquele em que você carrega o Karma desta vida para
outras.
Isso não significa que as
pessoas religiosas tenham experiências de morte mais alegres. Testemunhei que
padres e freiras ficam extremamente ansiosos quando se aproximam da morte,
talvez consumidos por preocupações com seu histórico moral e pelo medo do "julgamento".
Por fim, cada morte é diferente
— e você não pode prever quem terá uma mais pacífica. Eu acho que alguns dos
que eu vi morrer não se beneficiaram com um aumento da endorfina. Posso pensar
em várias pessoas mais jovens sob meus cuidados, por exemplo, que acharam
difícil aceitar que estavam morrendo. Eles tinham famílias jovens e nunca
lidaram bem com o processo de morte.
Lembro-me de uma mulher que
estava recebendo nutrição pelas veias. Ela tinha câncer de ovário e não
conseguia comer. Pessoas alimentadas assim estão em risco de infecções graves.
Depois de sua segunda ou terceira infecção com risco de vida, ela mudou.
A sensação de paz que emanava
dela era palpável. Ela conseguiu deixar o hospital e ir para casa por curtos
períodos e ainda me lembro dela falando sobre a beleza do pôr do sol. Essas
pessoas sempre ficam na minha memória e me fazem refletir sobre minha própria
vida.
Por fim, sabemos muito pouco
sobre o que acontece quando alguém está morrendo. Podemos dizer como você morre
por afogamento ou por ataque cardíaco, mas não sabemos como você morre de
câncer ou pneumonia. O melhor que podemos fazer é descrever essas situações.
Minha pesquisa está focada em
tentar desmistificar o processo de morrer, entender a biologia básica e
desenvolver modelos que prevejam as últimas semanas e dias de vida. Com o
tempo, também podemos pesquisar o papel das endorfinas nas últimas horas e realmente
responder à pergunta do nosso leitor definitivamente.
É possível que experimentemos o
nosso momento mais profundo no interior sombrio entre a vida e a morte. Mas
isso não significa que devemos parar de se enfurecer contra a morte. Como
afirmou o diplomata sueco Dag Hammarskjöld:
Não busque a morte. A morte vai encontrar você. Mas
procure o caminho que faz da morte uma realização.
[1]BBC NEWS BRASIL
- https://www.bbc.com/portuguese/revista-51453618
[2] Seamus Coyle é pesquisador honorário de Pesquisa
Clínica da Universidade de Liverpool, na Inglaterra.
[3] A questão acima foi enviada à BBC pelo leitor Göran,
de 77 anos, de Helsingborg, na Suécia.
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