Juan Carlos Orozco
Certa vez, em um curso de estudo
espírita, perguntaram-me:
− Por que a necessidade de retornar à vida corporal para
evoluir; não bastaria progredir como Espírito? Quais os motivos de voltar à
vida material?
Alguns esclarecimentos estão no
objetivo da reencarnação e na razão de se evoluir em novo corpo físico para
viver as experiências, as vicissitudes e as lições que a influência da vida
material proporciona ao Espírito imortal.
Reencarnação e vida material
Em O Livro dos Espíritos,
de Allan Kardec, a resposta à questão 115 é:
Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes,
isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los
e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da
verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e
eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos
adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais
depressa à meta que lhes foi assinada. Outros só a suportam murmurando e, pela
falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da
prometida felicidade.
Na questão 133, se têm
necessidade de encarnação os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o
caminho do bem, a resposta é:
Todos são criados simples e ignorantes e se instruem
nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer
felizes a uns, sem fadigas e trabalhos, conseguintemente sem mérito.
Pelas respostas anteriores, Deus
cria todos os Espíritos simples e ignorantes, com determinada missão, para
chegar progressivamente à perfeição, iniciando seus processos evolutivos em
pluralidade de existências, passando pelas provas que Deus impõe para se
instruírem nas lutas e tribulações da vida corporal, porquanto a conquista da
verdadeira felicidade não pode ocorrer sem esforço e trabalho decorrente do
próprio merecimento.
Na Introdução de O Livro dos
Espíritos, Kardec esclarece:
O Espírito encarnado se acha sob a influência da
matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua
alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele
que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na
satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando
preponderância à sua natureza animal.
Na questão 166, sobre
− Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a
vida corpórea, acabar de depurar-se?, a resposta é:
Sofrendo a prova de uma nova existência.
Em seguida, Kardec pergunta:
− Como realiza essa nova existência? Será pela sua
transformação como Espírito?
A resposta é:
Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta uma
transformação, mas para isso necessária lhe é a prova da vida corporal.
A respeito de prova da vida
corporal, na questão 196, Kardec faz a seguinte pergunta:
− Não podendo os Espíritos aperfeiçoar-se, a não ser por
meio das tribulações da existência corpórea, segue-se que a vida material seja
uma espécie de crisol ou de depurador, por onde têm que passar todos os seres
do mundo espírita para alcançarem a perfeição?
A resposta é:
Sim, é exatamente isso. Eles se melhoram nessas provas,
evitando o mal e praticando o bem; porém, somente ao cabo de mais ou menos
longo tempo, conforme os esforços que empreguem; somente após muitas
encarnações ou depurações sucessivas, atingem a finalidade para que tendem.
Logo, percebe-se que o Espírito
encarnado está sob a influência da matéria, porquanto esta influência é
necessária para a sua depuração e elevação, fazendo-o se aproximar dos bons Espíritos.
Para tanto, tem que dominar as paixões materiais próprias dos Espíritos
impuros, que estão mais próximos da natureza animal.
Enquanto não se depurar
completamente, sofrerá as provas de novas existências para experimentar as
transformações necessárias.
A vida corpórea proporciona ao
Espírito, mediante provas, oportunidades de depuração, aperfeiçoamento e
transformação em nova existência, em que as tribulações funcionam como uma
espécie de cadinho, lugar ou circunstância apropriada para aprender e adquirir
os atributos morais essenciais para o seu progresso. Nessas experiências, o
Espírito aprende a diferenciar o bem do mal pelo uso consciente do
livre-arbítrio para escolher o melhor caminho rumo à perfeição.
Na questão 113, Kardec comenta a
respeito dos Espíritos da primeira ordem, os Espíritos puros, em que eles:
Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham
submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material.
Na questão 132, Kardec pergunta:
− Qual o objetivo da encarnação
dos Espíritos?
A resposta é:
Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los
chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para
alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência
corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de
pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da
criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento,
de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele
ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral,
ele próprio se adianta.
Kardec comenta em seguida:
A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do
Universo. Deus, porém, na sua sabedoria, quis que nessa mesma ação eles
encontrassem um meio de progredir e de se aproximar dele. Deste modo, por uma
admirável lei da Providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.
A reencarnação é um determinismo
divino para que o Espírito chegue à perfeição, podendo ser expiação ou missão.
Para tanto, os Espíritos têm de sofrer todas as vicissitudes da existência
corporal, sendo que a ação dos seres corpóreos é necessária para a marcha do
Universo como instrumento na obra geral da criação em harmonia com a matéria
essencial do mundo em que vive.
As vicissitudes da vida material
As vicissitudes da vida material
relacionam-se com os acontecimentos do cotidiano, que muitos atribuem às
circunstâncias inesperadas do acaso que muda o rumo da vida.
Para a Doutrina Espírita, nada
acontece por acaso e um fundamento governa a existência: todo efeito tem causa
geradora, ou seja, atrás de um acontecimento há uma causa ou razão de ser.
Qualquer coisa na Natureza não
surgiu miraculosamente, ou por acaso, mas a partir de um potencial
preexistente.
A despeito do determinismo
divino direcionando a vida do reencarnado, o planejamento reencarnatório não é
rígido, pois ele procura executar as linhas mestras da programação preparada
para uma nova experiência no plano físico, não se prendendo a detalhes ou
aspectos secundários.
O ser humano, pelo uso do
livre-arbítrio em seu processo evolutivo a caminho da perfeição, é construtor
do seu destino e, de acordo com suas disposições íntimas, pode modificá-lo para
melhor ou complicá-lo.
Tudo se reporta, no final, ao
livre-arbítrio ou à liberdade de ação de cada um, que é coerente com o seu
nível de inteligência, consciência de si mesmo e do estágio evolutivo moral em
que se encontra.
Inseridos nos desígnios de Deus,
temos que cumprir esse determinismo divino na construção do destino na busca da
perfeição em pluralidade de existências e cooperar com a regeneração da
humanidade, tendo Jesus como modelo e guia para as condutas do dia a dia.
Por conseguinte, a vida tem
sentido existencial, em que o Espírito imortal necessita adquirir todas as
virtudes e aptidões pela prática do bem, do amor e da caridade, concorrendo
para a execução dos propósitos divinos, no limite do desenvolvimento de suas
forças físicas e intelectuais, em que cada um tem papel a desempenhar, sendo
solidário para o progresso geral.
Para isso, o Espírito depara-se
com as vicissitudes da vida como provas para a sua evolução moral e espiritual.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan
Kardec, no Capítulo V, em Bem-aventurados os aflitos, Causas atuais das Aflições,
no item 4, tem-se:
De duas espécies são as vicissitudes da vida, ou, se o
preferirem, promanam de duas fontes diferentes, que importa distinguir. Umas
têm sua causa na vida presente; outras, fora desta vida. Remontando-se à origem
dos males terrestres, reconhecer-se-á que muitos são consequência natural do
caráter e do proceder dos que os suportam.
Por conseguinte, as vicissitudes
da vida podem ter causas na existência presente ou na vida passada, sendo
frutos do caráter e do proceder dos que os suportam.
Em O Céu e o Inferno, de
Allan Kardec, na Primeira Parte – Capítulo VII, Código Penal da Vida Futura, em
As penas futuras segundo o Espiritismo, no item 31, ensina:
Às penas que o Espírito experimenta na vida espiritual
ajuntam-se as da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições do homem,
às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de presentes e
passadas faltas. É na vida corpórea que o Espírito repara o mal de anteriores
existências, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual. Assim se
explicam as misérias e vicissitudes da vida mundana que, à primeira vista,
parecem não ter razão de ser. Justa são elas, no entanto, como espólio do
passado - herança que serve à nossa romagem para a perfectibilidade.
Pode-se perceber a relação
existente entre os mundos material e espiritual, em que as experiências da vida
corporal, chamadas de vicissitudes, com suas origens em existências passadas ou
atuais, permitem ao Espírito vivenciar as influências da matéria, frutos de
suas imperfeições e paixões, tais como: provas do poder, da riqueza, da
pobreza, da avareza, do egoísmo, do orgulho, da soberba, da inveja, do ciúme,
do apego material, da ingratidão, dentre outras tantas.
No mesmo contexto, em O Livro
dos Espíritos, depois da resposta à questão 399, Kardec comenta:
As vicissitudes da vida corpórea constituem expiação
das faltas do passado e, simultaneamente, provas com relação ao futuro.
Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem murmurar.
A natureza dessas vicissitudes e das provas que
sofremos também nos podem esclarecer acerca do que fomos e do que fizemos, do
mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um culpado pelo castigo que lhe
inflige a lei. Assim, o orgulhoso será castigado no seu orgulho, mediante a
humilhação de uma existência subalterna; o mau rico, o avarento, pela miséria;
o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que sofrerá; o tirano, pela
escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um
trabalho forçado etc.
Portanto, há correspondência de
causa e efeito entre existências vividas pelo ser humano no corpo físico, as
faltas cometidas, o planejamento reencarnatório, a reencarnação, as
vicissitudes da vida material, as expiações e as provas necessárias para depurar
o Espírito em seu processo de progresso moral e transformação espiritual rumo à
perfeição.
Evolução do Espírito e sua desmaterialização
Em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, de Allan Kardec, no Capítulo III, em Diferentes Categorias de Mundos
Habitados, no item 3, somos informados:
Do ensino dado pelos Espíritos, resulta que muito
diferentes umas das outras são as condições dos mundos, quanto ao grau de
adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre eles há os em que
estes últimos são ainda inferiores aos da Terra, física e moralmente; outros,
da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos superiores a
todos os respeitos. Nos mundos inferiores, a existência é toda material, reinam
soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral. À medida que esta se
desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos
mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
Assim, em sua evolução, o
Espírito passa por diferentes mundos, desde os inferiores, nos quais a
existência é toda material e quase nula é a vida moral, até os mais elevados,
em que diminui a influência da matéria, tornando a vida toda espiritual.
No livro A Gênese, de
Allan Kardec, em Gênese espiritual, no item 26, temos o seguinte
esclarecimento:
À medida que progride moralmente, o Espírito se
desmaterializa, isto é, depura-se, com o subtrair-se à influência da matéria;
sua vida se espiritualiza, suas faculdades e percepções se ampliam; sua
felicidade se torna proporcional ao progresso realizado. Entretanto, como atua
em virtude do seu livre-arbítrio, pode ele, por negligência ou má vontade,
retardar o seu avanço; prolonga, conseguintemente, a duração de suas
encarnações materiais, que, então, se lhe tornam uma punição, pois que, por
falta sua, ele permanece nas categorias inferiores, obrigado a recomeçar a
mesma tarefa. Depende, pois, do Espírito abreviar, pelo trabalho de depuração
executado sobre si mesmo, a extensão do período das encarnações.
Portanto, a reencarnação para o
Espírito é oportunidade de recomeço, aprendizado, crescimento interior,
aperfeiçoamento, recomposição, correção, renovação, regeneração e
transformação, para a construção do seu destino e evoluir moral e
espiritualmente.
Para tanto, o Espírito necessita
do retorno ao corpo físico para enfrentar a influência da matéria e as
vicissitudes da vida para depurar-se sofrendo a prova de nova existência, cujas
lições e aprendizados, pela lei de Causa e Efeito, proporcionarão ao Espírito
devedor as condições de refazimento do seu destino, sobretudo se há empenho em
melhorar-se mediante o uso correto do livre-arbítrio.
As vicissitudes da vida material
trazem as provas essenciais para o Espírito acumular os tesouros sagrados nas
experiências vividas, conectando passado, presente e futuro, na busca da
transformação íntima para internalizar atributos divinos de forma mais sólida
pela prática do amor, do bem e da caridade.
Todo esse processo de
transformação exige trabalho, esforço e firmeza de propósitos, porquanto as
virtudes são conquistas individuais do Espírito, alcançadas em sucessivas
experiências reencarnatórias.
Bibliografia:
§ KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A
Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
§ KARDEC, Allan; tradução de Manuel Quintão. O céu e
o inferno. 61ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
§ KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita
Brasileira, 2019.
§ KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro
dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
[1] O CONSOLADOR - Ano 18 - N° 910 - 16 de Fevereiro
de 2025 - https://www.oconsolador.com.br/ano18/910/especial.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário