Allan Kardec
Tendo-se reunido em nossa casa
algumas pessoas, com vistas a constatar certas manifestações, produziram-se os
fatos que se seguem, no curso de várias sessões, originando a conversa que
vamos relatar, e que apresenta um grande interesse do ponto de vista do estudo.
Manifestou-se o Espírito por
pancadas, que não eram dadas com o pé da mesa, mas na própria intimidade da
madeira. A troca de ideias que então ocorreu, entre os presentes e o ser
invisível, não permitia duvidar da intervenção de uma inteligência oculta. Além
das respostas a várias perguntas, seja por sim, seja por não,
seja ainda por meio da tiptologia alfabética, os golpes batiam à vontade uma
marcha qualquer, o ritmo de uma ária, imitavam a fuzilaria e o canhoneiro de
uma batalha, o barulho do tanoeiro e do sapateiro; faziam eco com admirável
precisão etc. Depois ocorreu o movimento de uma mesa e sua translação sem
qualquer contato das mãos, uma vez que os assistentes se mantinham
afastados; colocada sobre a mesa, em vez de girar uma saladeira pôs-se a
deslizar em linha reta, igualmente sem contato com as mãos. Os golpes eram
ouvidos do mesmo modo, nos diversos móveis do quarto, algumas vezes
simultaneamente; outras, como se estivessem respondendo.
O Espírito parecia ter uma
marcante predileção pelo toque de tambor, pois que os repetia a cada instante
sem que se lhe pedisse. Muitas vezes, em lugar de responder a certas perguntas,
batia a generala ou tocava o reunir. Interrogado sobre várias particularidades
de sua vida, disse chamar-se Célima, ter nascido em Paris, falecido aos
quarenta e cinco anos e sido tocador de tambor.
Entre os assistentes, além do
médium especial de efeitos físicos que produzia as manifestações, havia um
excelente médium psicógrafo que serviu de intérprete ao Espírito, o que nos
permitiu obter respostas mais explícitas. Tendo confirmado, pela escrita, o que
havia dito pela tiptologia a propósito de seu nome, lugar de nascimento e época
da morte, foi-lhe dirigida a série de perguntas que se segue, cujas respostas
oferecem vários traços característicos que corroboram certas partes essenciais
da teoria.
1. Escreve qualquer coisa, o que quiseres.
– Ran plan plan, ran, plan, plan.
2. Por que escreveste isso?
– Eu era tocador de tambor.
3. Havias recebido alguma instrução?
– Sim.
4. Onde fizeste teus estudos?
– Nos Ignorantins[2]
5. Pareces jovial.
– Eu o sou bastante.
6. Uma vez nos disseste que, em vida, gostavas muito de beber;
é verdade?
– Eu gostava de tudo o que era bom.
7. Eras militar?
– Claro que sim, pois que era tocador de tambor.
8. Sob que governo serviste?
– Sob Napoleão, o Grande.
9. Podes citar-nos uma das batalhas em que tomaste parte?
– A de Beresina.
10. Foi lá que morreste?
– Não.
11. Estavas em Moscou?
– Não.
12. Onde morreste?
– Na neve.
13. Em que corpo servias?
– Nos fuzileiros da guarda.
14. Gostavas muito de Napoleão, o Grande?
– Como todos nós o amávamos, e sem saber o porquê!
15. Sabes em que se tornou Napoleão depois de sua morte?
– Depois de minha morte só me ocupei de mim mesmo.
16. Estás reencarnado?
– Não, pois que venho conversar convosco.
17. Por que te manifestas por pancadas, sem que tenhas sido
chamado?
– É preciso fazer barulho para aqueles cujo coração nada
crê. Se não tendes o bastante, dar-vos-ei ainda mais.
18. É de tua própria vontade que vieste bater, ou um outro
Espírito obrigou-te a fazê-lo?
– Venho por minha vontade; há um outro, a quem chamais
Verdade, que pode forçar-me a isto também. Mas há muito tempo que eu queria
vir.
19. Com que objetivo querias vir?
– Para conversar convosco; era o que queria; havia,
porém, alguma coisa que me impedia. Fui forçado por um Espírito familiar da
casa, que me exortou a tornar-me útil às pessoas que me fizessem perguntas.
Esse Espírito, então, tem muito poder, visto comandar outros
Espíritos?
– Mais do que imaginais, e não o emprega senão para o
bem.
Observação – O Espírito familiar da casa deu-se a
conhecer sob o nome alegórico de Verdade, circunstância ignorada
do médium.
20. O que te impedia de vir?
– Não sei; alguma coisa que não compreendo.
21. Lamentas a vida?
– Não; nada lamento.
22. Qual a existência que preferes: a atual ou a terrestre?
– Prefiro a existência do Espírito à do corpo.
23. Por quê?
– Porque estamos bem melhor do que na Terra. A Terra é um
purgatório; durante todo o tempo em que nela vivi, sempre desejei a morte.
24. Sofres em tua nova situação?
– Não; mas ainda não sou feliz.
25. Ficarias satisfeito se tivesses uma nova existência
corporal?
– Sim, porque sei que devo elevar-me.
26. Quem te disse isso?
– Eu o sei bem.
27. Reencarnarás logo?
– Não sei.
28. Vês outros Espíritos à tua volta?
– Sim; muitos.
29. Como sabes que são Espíritos?
– Entre nós, vemo-nos tais quais somos.
30. Sob qual aparência os vês?
– Como se podem ver os Espíritos; mas não pelos olhos.
31. E tu, sob que forma estás aqui?
– Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tocador de
tambor.
32. E os outros Espíritos? Tu os vês sob a forma que
possuíam quando estavam encarnados?
– Não; só tomamos uma aparência quando somos evocados, de
outro modo nos vemos sem forma.
33. Tu nos vês tão claramente como se estivesses vivo?
– Sim, perfeitamente.
34. É através dos olhos que nos vês?
– Não; temos uma forma, mas não temos sentidos; nossa
forma é apenas aparente.
Observação – Seguramente os Espíritos têm sensações,
já que percebem; se assim não fora, seriam inertes; contudo, suas sensações não
são localizadas, como quando têm um corpo, mas inerentes a todo o ser.
35. Dize-nos positivamente em que lugar estás aqui.
– Perto da mesa, entre vós e o médium.
36. Quando bates, estás sob a mesa, em cima dela ou na
intimidade da madeira?
– Estou ao lado; não me meto na madeira: basta-me tocar a
mesa.
37. Como produzes os ruídos que fazes ouvir?
– Creio que é por intermédio de uma espécie de
concentração de nossa força.
38. Poderias explicar-nos a maneira pela qual são produzidos
os diferentes ruídos que imitas, as arranhaduras, por exemplo?
– Eu não saberia precisar muito a natureza dos ruídos; é
difícil de explicar. Sei que arranho, mas não posso explicar como produzo esse
ruído que chamais de arranhadura.
39. Poderias produzir os mesmos ruídos com qualquer outro
médium?
– Não; há especialidade em todos os médiuns; nem todos
podem agir da mesma forma.
40. Vês entre nós, além do jovem S... (o médium de efeitos
físicos pelo qual o Espírito se manifesta), alguém que poderia te ajudar a
produzir os mesmos efeitos?
– No momento não vejo ninguém; com ele eu estaria muito
disposto a fazê-lo.
41. Por que com ele e não com outro?
– Porque o conheço mais; depois, porque está mais apto do
que qualquer outro a esse gênero de manifestações.
42. Tu o conhecias há muito tempo? Antes de sua atual
existência?
– Não; só o conheço há bem pouco tempo; de alguma sorte a
ele fui atraído para que se tornasse meu instrumento.
43. Quando uma mesa se eleva no ar, sem ponto de apoio, quem
a sustenta?
– Nossa vontade, que lhe ordenou obedecer e, também, o
fluido que lhe transmitimos.
Observação – Essa resposta vem apoiar a teoria que
nos foi dada sobre a causa das manifestações físicas e que relatamos nos
números 5
e 6
desta Revista.
44. Poderias fazê-lo?
– Creio que sim; tentarei quando o médium vier (nesse
momento ele estava ausente).
45. De que depende isso?
– Depende de mim, pois me sirvo do médium como de um
instrumento.
46. Mas a qualidade do instrumento não conta para alguma
coisa?
– Sim, auxilia-me muito; tanto é assim que eu disse não
poder fazê-lo hoje com outros médiuns.
Observação – No curso da sessão tentou-se levantar a
mesa, mas não se obteve êxito, talvez porque não tivesse havido bastante
perseverança; houve esforços evidentes e movimentos de translação sem contato
nem imposição das mãos. Entre as experiências feitas destacou-se a da abertura
da mesa, que era elástica; porque oferecesse muita resistência, em face de um
defeito de construção, foi posta de lado, enquanto o Espírito tomava uma outra
e conseguia abri-la.
47. Por que, outro dia, os movimentos da mesa se detinham a
cada vez que um de nós tomava de uma luz para olhar embaixo dela?
– Porque eu queria punir a vossa curiosidade.
48. De que te ocupas em tua existência de Espírito,
considerando que não deves passar o tempo todo somente a bater?
– Muitas vezes tenho missões a cumprir; devemos obedecer
a ordens superiores e, sobretudo, fazer o bem aos seres humanos que estão sob
nossa influência.
49. Por certo tua vida terrestre não foi isenta de faltas;
reconhece-as, agora?
– Sim; e por isso as expio, permanecendo estacionário
entre os Espíritos inferiores; só poderei purificar-me bastante quando tomar um
outro corpo.
50. Quando aplicavas os golpes na mesa e, ao mesmo tempo, em
outro móvel, eras tu quem os produzia, ou era um outro Espírito?
– Era eu mesmo.
51. Estavas só, portanto?
– Não, mas realizava sozinho o trabalho de bater.
52. Os demais Espíritos que lá se encontravam não te auxiliavam
em alguma coisa?
– Não para bater, mas para falar.
53. Então não eram Espíritos batedores?
– Não; a Verdade somente a mim havia permitido
bater.
54. Algumas vezes os Espíritos batedores não se reuniam em
maior número, com o fim de haver mais força na produção de certos fenômenos?
– Sim, mas para aqueles que eu podia fazer, a mim só
bastava.
55. Estás sempre na Terra, em tua existência espiritual?
– Mais frequentemente
no espaço.
56. Vais algumas vezes a outros mundos, isto é, a outros globos?
– Não aos mais perfeitos, mas aos mundos inferiores.
57. Por vezes te divertes em ver e ouvir o que fazem os homens?
– Não; entretanto, algumas vezes tenho piedade deles.
58. De preferência, quais aqueles que procuras?
– Os que querem crer de boa-fé.
59. Poderias ler os nossos pensamentos?
– Não; não leio nas almas; não sou bastante perfeito para
isso.
60. Todavia, deves conhecer nossos pensamentos, já que vens entre
nós; de outra forma, como poderias saber se cremos de boa-fé?
– Não leio, mas compreendo.
Observação – A pergunta 58 tinha por objetivo saber a
quem, espontaneamente, dirigia sua preferência na vida de Espírito, sem ser
evocado; através da evocação, como Espírito de uma ordem pouco elevada, poderia
ser constrangido a vir a um meio que lhe desagradasse. Por outro lado, sem ler
propriamente os nossos pensamentos, por certo poderia ver que as pessoas ali
reunidas não o faziam senão com um objetivo sério e, pela natureza das
perguntas e da conversa que ouvisse, seria capaz de julgar se a assembleia
era composta de pessoas sinceramente desejosas de se esclarecerem.
61. Encontraste alguns dos teus antigos companheiros do
Exército no mundo dos Espíritos?
– Sim, mas suas posições eram tão diferentes que não os
reconheci a todos.
62. Em que consistia essa diferença?
– Na situação feliz ou infeliz de cada um.
63. Como entendias essa subida para Deus?
– Cada degrau transposto é um degrau a mais até Ele.
64. Disseste que morreste na neve; foi em consequência do
frio?
– De frio e de necessidade.
65. Tiveste consciência imediata de tua nova existência?
– Não, mas já não sentia mais frio.
66. Alguma vez retornaste ao local onde deixaste teu corpo?
– Não, ele me fez sofrer bastante.
67. Nós te agradecemos as explicações que tiveste a bondade
de dar-nos. Elas nos forneceram material de observação muito útil para o nosso
aperfeiçoamento na ciência espírita.
– Estou inteiramente às vossas ordens.
Observação – Pouco avançado na hierarquia espírita,
como se vê, o próprio Espírito reconhecia a sua inferioridade. Seus conhecimentos
são limitados; mas tem bom senso, sentimentos louváveis e benevolência. Como
Espírito, sua missão carecia de significado, visto que desempenhava o papel de
Espírito batedor para chamar os incrédulos à fé; contudo, mesmo no
teatro, a humilde indumentária de comparsa não pode envolver um coração
honesto?
Suas respostas têm a simplicidade da ignorância; entretanto,
pelo fato de não possuírem a elevação da linguagem filosófica dos Espíritos
superiores, nem por isso deixam de ser menos instrutivas, sobretudo para o
estudo dos costumes espíritas, se assim nos podemos exprimir. É somente
estudando todas as classes desse mundo que nos aguarda que podemos chegar a
conhecê-lo e nele marcar, de algum modo, por antecipação, o lugar que a cada um
de nós será dado ocupar. Vendo a situação que, por seus vícios e virtudes,
criaram os homens, nossos iguais aqui na Terra, sentimo-nos encorajados para
nos elevar o mais rapidamente possível desde esta vida: é o exemplo ao lado da
teoria. Para conhecermos bem alguma coisa, e dela fazermos uma ideia isenta de
ilusões, é preciso dissecá-la em todos os seus aspectos, assim como o botânico
não pode conhecer o reino vegetal a não ser observando desde o mais humilde
criptógamo, que o musgo oculta, até o carvalho altaneiro, que se eleva nos
ares.
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