BBC Mundo - 15 janeiro 2022
Panspermia vem do
grego antigo pan(todo) e esperma(semente)
Qual foi o estopim para tornar vida o que não era vida?
Um dos grandes mistérios que ainda
não foram resolvidos, e que ninguém espera que seja resolvido em curto prazo, é
a origem da vida na Terra (ou em qualquer outro lugar do Universo).
A ciência vem tentando
compreender a questão, mas, apesar de progressos surpreendentes, ainda há muito
ser explicado.
Há uma hipótese cujos
antecedentes remontam ao Império Antigo do Egito, e que também se encontram no
hinduísmo inicial, na filosófica pré-socrática do grego Anaxágoras e entre
gnósticos. Ela tem sido descartada repetidamente, mas sobreviveu através da história.
É a teoria da panspermia.
Alguns desses primeiros
conceitos defendiam que o cosmo inteiro está cheio de sementes e que a vida na
Terra se originou a partir delas.
A versão moderna postula − em
poucas palavras − que a vida existe em todo o Universo e pode se transportar
através do espaço de um lugar para outro.
Não está provada, claro, e
vários especialistas apontam que, mesmo que haja evidências disso, não vai
resolver necessariamente a questão da origem da vida.
De qualquer forma, várias
descobertas dão certa credibilidade a essa teoria.
Segundo o blog de
astrobiologia da Nasa, uma equipe de proeminentes cientistas do MIT
(Massachusetts Institute of Technology) e da Universidade Harvard, por exemplo,
"está tão convencida da plausibilidade da panspermia que investiu em mais
de uma década fundos da Nasa e de outras origens". O objetivo é
"projetar e fabricar um instrumento que possa ser enviado a Marte e
potencialmente detectar o DNA ou o mais primitivo RNA (ácido ribonucleico,
molécula em formato de fita que carrega o código genético do DNA para a
produção de proteínas em uma célula)". Esse plano poderia coletar
evidências de que alguma forma de vida chegou a Marte.
Será possível?
Como conta o físico britânico
Brian Cox, em um vídeo da BBC
Ideas e da Open University no Reino Unido, isto é o que sabemos:
A vida é incrivelmente
adaptável, basta ver a forma que nossa própria espécie conseguiu prosperar por
todo o planeta.
E os micro-organismos, como
bactérias e arqueas, ao longo de milhões de anos de evolução puderam se
modificar e se adaptaram a uma ampla variedade de condições.
Isso significa que hoje em dia
existem micróbios que podem sobreviver com uma gama de dietas − enxofre,
amoníaco, o metal manganês − com ou sem oxigênio.
Alguns inclusive sobrevivem nas
condições mais extremas que a Terra oferece.
O Pyrococcus furiosus
prospera nos respiradouros hidrotermais no fundo do mar. A temperatura ideal
para o crescimento é de 100°C, um calor que acabaria com a maioria dos seres
vivos. Já o organismo antártico Psychrobacter frigidicola prefere
ambientes mais frios.
Também se pode encontrar extremófilos
em ácido quente ou sobrevivendo à dissecação em desertos cobertos de sal.
Algumas dessas criaturas podem
inclusive fazer frente a vários extremos de uma vez.
É possível encontrar Deinococcus
radiodurans tanto em águas termais como no solo antártico. Ele sobrevive à
dessecação e é um dos organismos mais resistente à radiação que conhecemos.
Tudo isso faz com que os
extremófilos sejam provavelmente os organismos mais capazes de sobreviver e,
potencialmente, colonizar os entornos hostis de outros planetas e luas, sempre
que haja líquido ao menos por uma parte do tempo.
Mas...
Como chegariam a esses outros lugares?
A forma mais fácil seria viajar
com os humanos enquanto nós exploramos o Sistema Solar e outros locais mais
distantes.
Nas naves espaciais da Nasa
foram descobertas bactérias Tersicoccus phoenicis: teremos introduzido
acidentalmente bactérias da Terra na Lua e em Marte?
Outra forma é que esses
micróbios se movam pelo Sistema Solar pegando carona nos meteoritos.
Quando estes se chocam com um
planeta, rochas e escombros saem voando e se produzem mais meteoritos.
Até agora foram encontrados 313
meteoritos marcianos na Terra, e também foram achadas pedras terrestre na Lua −
e assim se sabe que há uma troca interplanetária de rochas.
Mas...
Como conseguiriam sobreviver no espaço?
Uma vez no espaço, esses
viajantes resistentes poderiam lidar facilmente com o frio e falta de oxigênio.
Até as bactérias normais, em
condições extremas, podem entrar em um estado de letargia, criando espaços
seguros rodeados de paredes grossas, que se conhecem como esporas. São pacotes
de DNA bacteriano resistentes ao calor, ao frio, à seca, à acidez e aos raios
ultravioletas ao viajar pelo espaço.
No entanto, um grande problema é
que o espaço está repleto de radiação que destrói o DNA.
Mas isso não detém o Deinococcus.
Grupos desses pequenos indivíduos sobreviveram a três anos de exposição ao
espaço exterior. Outros sobreviveram até seis anos na forma de esporas.
Outro obstáculo é o tempo. O
espaço é imenso − viajar a qualquer lugar toma muito tempo.
Mas em 2020 cientistas japoneses
reviveram bactérias que ficaram inativas no fundo do oceano durante 100 milhões
de anos − ou seja talvez as distâncias extraordinárias não sejam um problema
para esses diminutos viajantes especiais.
O último passo é sobreviver à
aterrisagem forçada em seu novo lar.
E já se demonstrou que as
bactérias podem fazer precisamente isso... sempre que estejam alojadas em
fraturas profundas na rocha cósmica.
Será que sim, então?
Então é possível que a vida
microbiana já tenha viajado a algum lugar como Marte.
As condições eram notavelmente
similares às da Terra há 3,8 bilhões de anos.
Poderiam esses micróbios
extremófilos terem colonizado os aquíferos subterrâneos de Marte?
Se já estão lá, terão se
adaptado ao seu novo entorno?
Ou talvez a vida na Terra se
originou em Marte e logo viajou para o nosso planeta?
Pode ser que não sejam pequenos
extraterrestres verdes ou vida inteligente como a entendemos, mas a
possibilidade que a vida tenha se deslocado através do Sistema Solar e para
além é profundamente intrigante.
E com o telescópio James T. Webb
começando sua busca por sinais reveladores de vida distante em outros planetas
poderíamos talvez descobrir que a vida é muito mais inevitável do que já
pensamos?
Grande parte desta reportagem é
uma adaptação do vídeo da BBC Ideas "Are we thinking about alien life all
wrong?", realizado com o consultor acadêmico Dr. Mark Fox-Powell,
pesquisador na Open University, e apresentado pelo físico Brian Cox.
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