Bárbara de Assis Marra
Imaginemos o sentimento de amor
genuíno que nós, cuidadores, temos para com nossas crianças; um amor que nos
estimula a sair de nosso egoísmo e orgulho pelo bem-estar dos pequenos e,
incansavelmente, buscar as melhores escolhas em nossos dias. Tal sentimento
atua como um catalisador da nossa própria transformação pessoal, que é capaz de
promover a educação infantil – ou, em verdade, a educação humana – ao se
utilizar do amor e do exemplo.
Remetendo-nos ao pedagogo da
Humanidade, Jesus, observamos que sua superioridade moral, aliada ao seu amor
genuíno por todo ser vivente, nos legou o mais sublime exemplo educativo. É a
partir do seu exemplo que podemos visualizar a potencialidade que a educação
terrena possui. Há milênios, seu exemplo nos educou e nos educa no amor, sendo
Ele a prova viva e indelével do que devemos almejar a alcançar em diversos
âmbitos, em especial no da educação humana.
Entretanto, compreendamos a
realidade de nossa posição espiritual frente ao Mestre: ainda andamos na senda
dos Espíritos imperfeitos. São inúmeras, ainda, as limitações e imperfeições,
que nos impossibilitam de aplicar, em nossa práxis, o Seu exemplo educacional.
Podemos, porém, refletir, ainda, que, mesmo estando nesse estágio, Deus,
infinitamente bom e misericordioso, nos permite, a cada dia, receber mais
Espíritos para tutelar e amar segundo a nossa capacidade.
Frente ao reconhecimento de
nosso estágio imperfeito e, também, da misericórdia de Deus em nos conceder,
mesmo estando nele, tão bela missão, chegamos ao nosso ponto de reflexão
principal: como ser, pois, um cuidador melhor para meus tutelados e honrar essa
missão recebida? E a reflexão inicial também se torna nosso primeiro passo. Em
frente, temos o trabalho árduo, mas também o caminho libertador.
Quando adentramos o âmbito da
educação infantil, muitas são as linhas de abordagem presentes hoje para
estudo, cada uma trazendo ferramentas a serem utilizadas com as crianças.
Dentro desse amplo espectro de abordagens, observamos a diversidade das ferramentas
disponíveis, que visam: a disciplina, a autonomia infantil, o contato com a
natureza, a simplicidade, o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento motor,
dentre tantas outras. Entretanto, gostaríamos de dar um passo para trás nesse
momento.
O lugar comum nesse grande
cenário é a utilização de tais propostas pedagógicas para com as crianças.
Compreendamos, porém, anteriormente, quem é o intermediário que as irá aplicar:
o adulto cuidador. É nele que iremos focar a nossa reflexão educacional.
Consideremos, a título exemplificativo, um adulto cuidador, que mesmo diante do
indiscutível amor por seu filho, lida, em sua vida pessoal, com lutas
emocionais. Temos, nesse exemplo, um obstáculo à aplicação de qualquer
ferramenta escolhida, pois, a saúde emocional dos filhos está intimamente
relacionada à de seus cuidadores.
Falemos, agora, da linha
educacional da educação positiva, que se aproxima de nosso objetivo de
reflexão, pois faz uma proposta dando esse passo para trás: ela propõe a
educação emocional do adulto cuidador. A partir dessa ação, então, ele adquire
a segurança e a confiança para repassar uma educação saudável aos seus filhos,
independente de qual ferramenta escolha.
Maya Eingenmann é escritora e
educadora parental que, hoje, conscientiza e educa os pais acerca desse olhar
respeitoso para si mesmos e para seus filhos. Ela diz, em um artigo veiculado
na seção “Mães e Filhos” da revista digital Marie Claire (2023):
A educação positiva salvou os meus filhos de mim mesma.
Precisava cuidar de mim para poder cuidar dos meus filhos.
Transportando essa fala profunda
e significativa para a Doutrina Espírita, educar a nós, adultos cuidadores, é continuamente
cuidar da nossa própria reforma íntima, sempre nos conhecer mais a fundo,
vigiar nossos impulsos e orar por auxílio. Salvar nossos filhos de nós mesmos é
não projetar neles as sombras e as más inclinações que, ainda, carregamos em
nossa bagagem espiritual. Imperfeitos, ainda, sim; mas mais conscientes e menos
reativos também, nos esforçando para subir pequenos degraus na conquista de nós
mesmos.
“Conhece-te a ti mesmo”, a
memorável frase de Santo Agostinho (Espírito) presente na resposta dada à
questão 919 de O Livro dos Espíritos, frente a essa discussão, adquire
novas cores e uma nova aplicabilidade. Colocar luz em cima de nossas limitações
nos permite vê-las com mais clareza quando elas emergem de nós em direção ao
nosso próximo. Esse primeiro passo nos permite conhecê-las para, em seguida,
aceitar sua presença e, eventualmente, educá-las para o Bem. O autoconhecimento
é a linha de partida; a educação respeitosa e amorosa, a linha de chegada. E o
trajeto, portanto, é nossa reforma íntima e nossa educação pessoal.
A educação pessoal, caminhando
de mãos dadas com a reforma íntima, passa por uma das bases da educação
respeitosa infantil: o acolhimento. Acolher a criança em suas emoções é
imperioso, mas tanto quanto é o acolhimento a nós mesmos em nossas emoções e sentimentos.
Compreender que somos frágeis, despertando em nós a virtude da humildade, nos
permite abraçar os efeitos dessa fragilidade. Venha ela por meio da irritação,
da impaciência, da intolerância, da apatia, ou de qualquer outra limitação;
ainda assim, ela não mais se esconderá ou passará despercebida aos olhos da
autoeducação.
Ao se tornar evidente, qualquer
ação – ou reação – perde o peso do desconhecimento e da ignorância. E é uma
questão de tempo, até que ela gere o incômodo irreversível para a mudança.
Incomodados que ficamos com a presença constante, nossas limitações começam a
se enfraquecer e, aos poucos, se curvar frente ao Homem novo que toma espaço,
rememorando a carta do apóstolo Paulo aos Efésios. O Homem novo passa a ter voz
ativa e escolher, de forma racional, sua ação e sua reação, não mais se
permitindo dar vazão às escolhas emocionais não raciocinadas.
Khalil Gibran, poeta libanês, em
seu livro “O Profeta” (2019), nos apresenta uma bela imagem mental sobre este
tema: os pais são o arco, os filhos são as flechas e o arqueiro é Deus. Nós
somos os instrumentos de atuação d’Ele na vida de nossos filhos, e tal
instrumento, como o arco, deve curvar-se frente à vontade do arqueiro,
facilitando seu direcionamento para essas flechas. Nossa atenção deve
dividir-se entre nossa própria calibração emocional e espiritual e a orientação
emocional e espiritual dos nossos tutelados.
“Amar o próximo como a si mesmo”
foi a orientação, sabendo Jesus que estaríamos cerceados por nossa capacidade
limitada frente ao que Ele fez. Porém, ainda assim, amar. O caminho, o verbo, o
agir foi a mensagem; de onde, por sua vez, podemos inferir ser fundamental não
estacionar e não desanimar. No capítulo XVII de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, lemos: Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua
transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações
más”, ou seja, honraremos a missão que nos foi dada por Deus pelo nosso esforço
no caminho da autoeducação, utilizando-nos das vivências morais.
Nessa caminhada temos para onde
olhar, pois temos o exemplo do Cristo e suas orientações. Pela misericórdia
divina temos, ainda, a Doutrina Espírita a nos consolar e esclarecer; e todos
os seus enviados, com a Espiritualidade superior a nos intuir e por nós
interceder.
Recordando-nos do sentimento
sublime de amor pelos filhos, citado no início desta reflexão, que não o
associemos somente ao sentimento de que poderíamos morrer pelos nossos filhos,
mas sim, que o liguemos ao sentimento de que iremos viver, nos esforçando no
caminho do Bem, por eles.
Pelo exemplo e pelo amor, eles
farão o mesmo[2].
Referências:
§ ALLAN KARDEC. O Livro dos Espíritos. Questão
919.
§ ALLAN KARDEC. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Página 235, Item 4 – Os bons espíritas).
§ KHALIL GIBRAN. O profeta. São Paulo – SP,
Editora Planeta do Brasil LTDA, 2019. Página 31.
§ BÍBLIA. Carta de Paulo aos Efésios, capítulo 4,
versículos de 22 a 24.
§ REPORTAGEM. Maya Eigenmann fala sobre como educação
positiva 'salvou' sua família: 'Não sabia acolher nem a mim mesma'. Revista
digital Marie Claire, 2023. Disponível em: LINK-1
Acesso em: 23 de setembro de 2023.
[1] O CONSOLADOR - Ano 18 - N° 881 - 21 de Julho de
2024 - https://www.oconsolador.com.br/ano18/881/especial.html
[2] Artigo contemplado no Concurso A Doutrina Explica
2023, promovido pelo Jornal Brasília Espírita, em parceria com a Revista
Eletrônica O Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.
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