sábado, 9 de março de 2024

O TESOURO DOS ESPÍRITAS[1]

 



Miguel Vives y Vives

 

Sim, um tesouro! E tão difícil de avaliar no seu justo valor, que a imaginação mais ampla e a inteligência mais lúcida só poderão apreciá-lo na superfície. Os reis da Terra dão aos seus filhos o nome de príncipes, e os príncipes dão aos seus filhos os títulos de duques, condes, e outros. E o fazem por causa das grandes riquezas e títulos nobiliárquicos que possuem. Mas todos os reis e príncipes, duques e condes juntos, não possuem as riquezas e os títulos de nosso pai, que é Deus.

Se juntarmos as riquezas de toda a aristocracia do mundo, nada serão em comparação com as de nosso Pai. E todas elas foram criadas para nós, seus filhos, que as recebemos em propriedade e as desfrutaremos eternamente. Os reis vestem os seus príncipes com ouro e pedrarias, mas nosso Pai nos vestirá de luz imortal. Os reis dão aos seus príncipes carruagens faustosas, para viajarem através dos seus reinos. E o Pai nos dará asas e meios etéreos, para viajarmos com a rapidez do pensamento, sem encontrar obstáculos. Os reis querem dar aos seus príncipes todas as formas de felicidade, mas não podem evitar as enfermidades e os incômodos, que, irremissíveis, acompanham a matéria. Nosso Pai nos dará uma condição em que não haverá enfermidades nem incômodos. Os reis não podem evitar o cansaço, o sono, o frio, nem o calor, para os seus filhos. Nosso Pai nos dará uma vida em que não teremos de dormir, nem nos cansaremos, nem sentiremos jamais frio ou calor.

Ah, meus irmãos, como é grande o que nos aguarda! Isso, porém, pelo cumprimento das leis divinas, e não por capricho.

Por ato de justiça e por necessidade, pois sem a lei não haveria ordem, sem ordem não haveria harmonia, e sem ordem e harmonia não haveria felicidade. Assim, pois, para que todos sejamos felizes, temos de ajustar-nos à lei, à harmonia, à ordem.

Dessa maneira, para onde formos, levaremos ordem e harmonia, e os que viverem conosco levarão harmonia e ordem, e todos juntos cumpriremos a lei, e todos seremos felizes.

No entanto, para fazer tudo isso, temos de compreender a lei, que implica o respeito ao que é grande, sublime e justo; implica virtude, caridade, amor, justiça, abnegação. E como essa lei divina e universal está demonstrada e explicada pelo Espiritismo, por isso dizemos: Nós, os espíritas, temos um tesouro em nossas mãos. É preciso acentuar isto, porque nem todos estão em condições de compreender o Espiritismo, e menos ainda de praticá-lo. Não podemos compreender a verdade, enquanto não nos despojarmos de muitos erros, enquanto o nosso amor e a nossa bondade não tenham atingido um certo grau.

Nós, os espíritas, que ainda não podemos chamar-nos de bons, estamos no nível comum das criaturas. Assim, já podemos calcular o número de existências que tivemos de passar, para chegar a esse nível? Não, mil vezes não! Primeiro, dominou-nos o instinto; depois, as paixões; logo, os vícios; e através de grandes lutas chegamos a merecer que nos contassem no grande apostolado desta época, que se chama Espiritismo. Temos, porém, de considerar que do instinto, das paixões e dos vícios nos sobraram resíduos, e aqui está o nosso tesouro, e não podemos possuí-lo se não soubermos arrancar pela raiz esses resíduos, para nos tornarmos dignos dele.

Assim, pois, nós, os espíritas, chegamos a entrar no caminho que conduz à realização de todos os progressos, que leva o espírito a herdar toda a felicidade. Esse caminho é o Espiritismo, que nos alforria de todas as dúvidas, liberta de todos os erros, ilumina-nos a inteligência, fortalece-nos o espírito na luta contra todas as preocupações. De maneira que, se o espírita não for indolente, pode realizar tudo quanto deseja para o seu bem. E por isso vos digo que nós, os espíritas, temos um tesouro nas mãos.

A extinção completa dos resíduos que nos ficaram dos instintos, das paixões e dos vícios é um trabalho de gigante. E por isso entendo que todo espírita deve estudar-se a si mesmo, para chegar a conhecer-se, coisa que é às vezes um pouco difícil, mormente se o instinto do orgulho e da vaidade predomina em nós. Mas, pedindo e estudando, chegaremos ao conhecimento de nós mesmos.

O espírita deve observar se facilmente se ofende por qualquer contrariedade ou palavra que o mortifique. Se isso acontece, é que o amor-próprio desmedido, sinônimo de vaidade, está enraizado em seu espírito. Deve então dirigir toda a sua atenção em por às claras essa tendência ou instinto que vem do passado.

A seguir, deve submeter-se às humilhações, evitando que estas o magoem, prosseguindo na prática, até aprender a sofrer desprezos e desenganos sem perder a serenidade. Porque muitos dos desprezos, desenganos, juízos injustos, que nos atingem, ferem mais ao nosso amor-próprio do que nos causam danos.

Quando é assim, não devemos duvidar de que, se o nosso amor próprio fosse menor, suportaríamos tudo aquilo sem grande ressentimento. Não diremos que não existam desenganos que não firam aos mais humildes, mas que devemos suportá-los com resignação, pagando sempre o mal com o bem. A segurança que o Espiritismo nos dá, de que essa espécie de sofrimento acarreta grande progresso para o nosso espírito, quando o sabemos suportar, nos dará a força necessária.

Se o espírita sente que possui alguma paixão ou vício que o pode levar à queda, terá de ser valente e, mesmo que lhe custe a vida, terá de cortá-lo pela raiz. Porque mais vale sofrer muito, para aniquilar um vício e adquirir uma virtude, do que nada sofrer dando rédeas à paixão. Aqui está o trabalho de gigante do espírita, porque, quando quer enfrentar o passado, o espírito do mal, que vai perder todo domínio sobre ele, resiste e tudo faz para não deixar escapar a presa. Para isso, valem-se de todos os meios, até mesmo dos sonhos, para lhe preparar a nova emboscada. Mas o espírita que quer libertar-se deve resistir, dizendo no seu íntimo:

Tudo por Deus e pela prática da sua lei! Vale mais sofrer do que sucumbir. Antes a morte do meu corpo, do que a perturbação e o atraso do meu espírito.

Com essas determinações, o espírito tentador é rechaçado, perde a sua influência, e o espírita recobra a sua liberdade e triunfa.

No tocante aos pequenos defeitos e dificuldades da vida, que todos temos e havemos de enfrentar, vale muito a prática constante da virtude, da abnegação e da caridade. O espírita não deve ser impertinente, nem ter mau gênio, nem ser precipitado, nem murmurar, mas há de ser paciente, saber perdoar as faltas alheias, amável quanto possível, serviçal, e deve procurar o bem de seus subordinados, seja na família ou na sua posição social.

Deve, pois, criar uma auréola de boa influência e de confiança; consolar os que sofrem, até onde suas forças o permitam. Assim conseguirá revelar esse grande tesouro que temos em nossas mãos, dando-lhe realidade.

Para conseguir essa vida ascendente de perfeição, não podemos esquecer que necessitamos da proteção dos grandes Espíritos, e que não devemos duvidar deles, sempre que nos coloquemos em condições de receber as suas influências.

Porque, à medida que avançamos nesse caminho, chamamos de maneira poderosa a atenção dos bons Espíritos, que nos amam e se interessam por nós, pelo nosso progresso e nossa felicidade.

Portanto, podemos contar com a sua influência, com o seu amor.

E se os nossos propósitos forem realmente grandes e os pusermos em prática, então eles se apossarão de nós de tal maneira, que nos farão objeto dos seus desejos e da sua vontade, beneficiando a Humanidade por nosso intermédio.

Não duvideis, irmãos, de que a nós, espíritas, só nos faltam a vontade e os bons desejos, para realizarmos maravilhas e prodígios. Encontrareis no Espiritismo criaturas que, antes de serem espíritas, ninguém as conhecia, e hoje têm um nome universal. E mesmo que a Humanidade atual não faça caso de seus escritos e seus livros, chegará o dia em que a Humanidade, já menos incrédula e mais adiantada, buscará esses trabalhos e os aplicará na prática. É que essas criaturas constituem a vanguarda do progresso, porque, em virtude de seus trabalhos e anseios elevados, estão inspiradas pelo Espírito da Verdade, que as induz à moral e à ciência do futuro.

Irmãos, muito podereis fazer, se tiverdes vontade. Não deveis olvidar que os que foram contados para este apostolado do Espiritismo são distinguidos pelo Alto. Os jovens, que na idade da inquietude, das quedas, das distrações, se dedicam à propaganda e à prática do Espiritismo, se perseverarem, chegarão muito rápidos. Vós sois uma esperança para os velhos espíritas, e elementos de grande valor para os Espíritos que trabalham em favor da Humanidade. Sereis os mestres espíritas do futuro. Sede constantes na tarefa iniciada, sede fortes, praticai os ensinamentos espíritas, sede bons discípulos, obedientes e respeitosos, que mais tarde sereis bons mestres.

É verdade que no Espiritismo, humanamente falando, não há categorias. Mas, espiritualmente, sim: elas são muito conhecidas no mundo dos Espíritos, e infeliz daqueles que não souberem respeitá-las, pois pouco se adiantarão na existência terrena, e por mais que tentem levantar-se, nunca o lograrão. Farão como os negociantes de gêneros, que, sem conhecerem as classificações, não podem fazer negócios, pois tomam as últimas pelas primeiras. Assim, pois, se quereis ser bons mestres no futuro, sede agora bons discípulos, até que a Providência vos chame a desempenhar mais alta missão.

As pessoas entendidas e virtuosas fazem muita falta em nosso meio, para espargirem uma luz tão radiante como a do Espiritismo. Essas pessoas são muito procuradas e assistidas pelos bons Espíritos. Assim, pois, quando chegar a vossa hora de ascender, sereis chamados de maneira poderosa. Vós, porém, podeis perguntar-nos: E como conhecer essa hora? Quando a Providência quer que alguma coisa se realize, nada nem ninguém o pode evitar. Quando um de vós for chamado, tudo se fará de tal maneira, que vós mesmos não podereis evitá-lo, a menos que quisésseis fugir a todos os deveres, precipitando-vos num abismo.

De minha parte, quero dizer-vos que embora pouco tenha sido no Espiritismo, quando a Providência quis chamar-me para o insignificante posto que ocupo há trinta e dois anos; primeiro me tirou a saúde e a alegria.

E quando eu já me considerava verdadeiramente perdido e desgraçado, então me apresentaram o Espiritismo, e não pude esquivar-me de vê-lo e praticá-lo. Porque era, então, a minha única salvação.

E quando me instruí o suficiente para dirigir e orientar naqueles tempos a propaganda do Espiritismo em Tarrasa, repentinamente faleceu Joaquim Rovira Fradera, antigo e ilustrado espírita. Então, não pude evitar que a presidência do Centro Fraternidade Humana viesse parar nas minhas mãos, e nunca a exerci por direito, mas apenas de fato.

Digo isto porque, sempre que foi necessário apresentar-me como tal, pedi a algum de meus irmãos, por certo muito digno, que se apresentasse em meu lugar. Quanto à propaganda, sempre ocupei o meu posto.

Assim, quando virdes sinais e acontecimentos extraordinários, que não possais evitar, ainda que eles vos contrariem e prejudiquem, e tiverdes diante de vós o chamado do Espiritismo para o seu serviço, aceitai-o com gosto. Não olheis para trás, nem para o que vos prejudica, porque às vezes, ao começar o desempenho de tão útil missão, faz-se presente a cruz, pois há de carregá-la quem tenha a missão de ensinar e conduzir os seus irmãos. Porque já sabemos qual é a condição humana: sacrificar os que nos beneficiam, e embora os espíritas se tenham adiantado um pouco sobre o comum das criaturas, sabemos que ainda guardamos resquícios do passado e temos de lutar.

Quando, jovens de hoje, fordes chamados a desempenhar cargos de pequenos mentores, lembrai-vos que chegou a hora da abnegação, do sacrifício e da humildade, e que deveis possuir essas virtudes no máximo grau. Nada de vos ofenderdes pelo que vos fizerem de mal. Vossa paciência há de ser a toda prova, e a única prática possível é a de pagar o mal com o bem. Que importam todos os sacrifícios feitos, ainda que vos paguem mal e vos caluniem, dizendo de vós todo o mal?

Há um grande Mestre que é o guia de todos os que ensinam e praticam as suas leis. A esse exemplo devereis dirigir toda a vossa vontade. E, se o seguirdes, Ele se encarregará de defender-vos, e aquelas angústias que os que ainda não aprenderam a gratidão vos fariam sofrer vos levarão à felicidade futura. Não vos aflijais nunca pelas angústias que vos possam causar: bendizei-as.

Eu bendigo a língua que me quis ferir, durante o exercício do meu cargo. Eu bendigo todas as provas que, no transcurso de tantos anos, me fizeram passar. Benditas sejam, mil vezes, pois se algumas sofri sem motivo, não perderei a recompensa. Esses sofrimentos são grandemente recompensados no Reino de Deus. Todo o tempo que se passa na Terra, e que não serviu para o adiantamento do nosso espírito, é tempo perdido.

Animai-vos, pois, Juventude Espírita! Aprendei bastante no caminho da virtude e dos conhecimentos e práticas espíritas, pois necessitamos de muitos mestres para o futuro. Aprendei dos vossos mestres de agora, e assim, esse tesouro que tendes nas mãos, e que se chama Espiritismo, vos revestirá de esplendores eternos no Reino de Deus.

Por fim, eu, o mais insignificante, o menos apto, e o menos autorizado, me atrevo a dar-vos um conselho: Tudo quanto tendes, sois e possuís deveis a Deus, o Pai infalível e universal, autor de toda a Criação. Portai-vos, pois, como bons filhos. Lembrai-vos que quando éreis pequenos Ele vos deu o encanto da selva virgem; quando já um pouco mais iniciados nos conhecimentos humanos, vos pôs em sociedade, para que desenvolvêsseis as afeições de vossa alma, nela encontrando amigos, esposa e filhos; e hoje, que já estais aptos a conhecer um princípio de verdade, vos chamou para este apostolado do Espiritismo. Amai-o, pois, amai-o mais do que a vós mesmos, mais do que a vossas esposas e a vossos filhos; adorai-o na Criação, já que tantas grandezas criou, para que sejam, quando as alcançardes, a vossa paz e a vossa eterna felicidade.

O Pai está em toda parte, sabe o que pensais, vos vê e vos ama. Sede constantes admiradores d’Ele e adorai-o muitas vezes ao dia, que Ele vos ouve e sabe o que pedis e o que desejais.

Assim como tanto vos deu quando não lhe pedíeis, e não tínheis fé nem esperança n’Ele, hoje, que o amais e lhe pedis, vos dará tudo quanto vos for justo e conveniente.

Lembrai-vos que o maior dos irmãos, que é o Mestre Sublime, o Senhor dos senhores, antes que vós o conhecêsseis, antes que lhe désseis atenção, quando estávamos todos perdidos em veleidades e caprichos, deixou a Morada da Luz, afastou-se da felicidade e desceu para sofrer a brutalidade humana.

Enquanto estávamos entregues à libertinagem, Ele sofreu cruentos martírios, sem pronunciar uma queixa, sem dizer uma palavra, dando-nos exemplo de caridade, de indulgência, de perdão, de amor e de sacrifício. Nada disso chamou a nossa atenção naquela época. Hoje, porém, é o exemplo em que mantemos fixos os nossos olhos e a nossa atenção, porque é o único caminho que nos conduzirá à conquista da nossa felicidade.

Quando fordes pequenos mestres, tomai por Mestre o Senhor.

Segui-o e amai-o muito, porque sem abnegação e sacrifício não podereis entrar no Reino de Deus. E, quando chegarem as horas de grandes provas, se o tomardes por Mestre, não ficareis órfãos da sua proteção.

Ele veio bem antes, para preparar os que deviam passar pelo sacrifício. Veio antes, para que, ao chegar a hora do Calvário para cada um de nós, pudéssemos vê-lo à frente com a sua cruz, a sua coroa de espinhos, suas carnes flageladas. E depois ficou, para guiar-nos no caminho. Não o duvideis, jovens espíritas, o Senhor paira acima do apostolado espírita e se serve de todos os que amam e praticam a lei com justiça.

Ah!, Senhor, quando os homens vos conhecerão? Quando se lembrarão que Aquele que deu a própria vida para ensinar-lhes o caminho não pode abandoná-los? Quando compreenderão que a vossa humildade e o vosso amor são superiores à vossa grandeza? Quando compreenderão que, à medida que avançam, os espíritos mais se aproximam de Vós, e que cada espírito que alcança a felicidade eterna é um prêmio para Vós, que nos ensinastes o caminho?

Graças vos dou, Senhor meu, porque me destes a compreender quanto nos amais! Graças, Mestre, que, compadecido de minha pequenez, me destes alento! Minha vida vos pertence, pois nunca poderei pagar-vos toda a solicitude, tanto amor e o bem que me fizestes. Vossa humildade não tem limites, e aquele que vos ama e se esforça por praticar a vossa lei, não o deixais desalentado.

Tanto entrais na cabana do camponês como no palácio do potentado. Não fazeis acepção de pessoas, mas apenas de virtudes.

Ali, Senhor, onde o amor, a virtude e a caridade têm a sua morada, ali é a vossa morada, ali atendeis, dando coragem, esperança e paz de espírito.

Confiemos n’Ele, juventude espírita, e não desmaiemos no caminho! Adoremos ao Pai por sua grandeza, e amemos ao Senhor por seu grande amor.



[1] O TESOURO DOS ESPÍRITAS – Miguel Vives y Vives

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