sexta-feira, 29 de março de 2024

A PALAVRA NA CASA ESPÍRITA[1]

 


Rogério Miguez

           

Ora, também a língua é um fogo.

Tiago, 3:6[2]

 

A instituição espírita existe, basicamente, para disseminar o Espiritismo a todos os desejosos em conhecê-lo, buscando iluminar as consciências, tornando-se pouco a pouco um Educandário da Alma, mas também atender, espiritualmente, às necessidades de incontáveis modalidades, considerando que as famílias e os indivíduos se encontram desnorteados diante de tanta insensatez existente neste avançadíssimo mundo tecnológico, contudo, imediatista e egoísta ao extremo.

Este apoio espiritual ocorre de variadas formas e uma das mais importantes se dá pelo uso saudável da palavra.

 

Recepção fraterna

Alguns templos espíritas mantêm uma atividade de grande valor proporcionando o primeiro contato com os visitantes: a recepção fraterna. Esta tarefa é desempenhada por voluntários que se colocam, literalmente, à frente da instituição endereçando as primeiras palavras aos interessados em obter as muitas benesses espíritas ou apenas curiosos em conhecer o Espiritismo.

Cabe a estes trabalhadores criar a primeira boa impressão aos novatos, sugerindo-lhes que chegaram a um porto seguro, depois de terem navegado por mares turbulentos, tais os que estamos tendo que nos acostumar a navegar nestes dias de tantas incertezas, materiais e espirituais.

Pronunciam as saudações iniciais aos navegantes que, cansados, buscam explicações e alívio variados para os problemas diversos que vêm enfrentando no cotidiano.

 

Secretaria

Setor de relevância para a instituição onde são equacionadas questões diversas de importância da vida física da casa. Sem encaminhamento destas tarefas a casa pode ruir materialmente. Além disso, podem, pela boa e equilibrada palavra, também envolver o visitante em uma atmosfera de bem-estar, prenunciando os benefícios que o visitante poderá obter, caso saiba bem aproveitar tudo o que é colocado à sua disposição.

Os trabalhadores das secretarias devem manter disciplina no falar e também durante as exposições – caso permaneçam em seus postos de atuação durante as preleções –, não se deixando distrair por pensamentos e palavras alheios aos objetivos de qualquer centro espírita.

Devem permanecer sempre atentos às muitas dúvidas e dificuldades vividas e relatadas por novos frequentadores nas lides espíritas, fornecendo também as primeiras explicações sobre o funcionamento da casa.

Este setor pode absorver a Recepção Fraterna.

 

Atendimento fraterno

Não há sombra de dúvida ser esta particular atividade de alto significado para o sucesso na missão da instituição. Para realizá-la só devem ser encaminhados trabalhadores que demonstraram durante alguns anos de serviço e estudos na instituição, de preferência em diferentes áreas, sólido conhecimento espírita, equilíbrio emocional, personalidade prestativa, boa vontade, entre outros.

O bom uso da palavra por esses voluntários é de capital importância, pois deverão construir uma relação de confiança com os interlocutores, em pouco tempo, de modo que o consulente se sinta à vontade para expor as variadas apreensões por eles enfrentadas.

Dissemos em pouco tempo, pois atendimento fraterno não é consulta psicológica de consultório médico. Embora alguns atendentes tenham tentado capacitar-se para tanto, a sala espírita é um ambiente de simplicidade e muita sinceridade, construído pelas boas palavras do atendente, que de modo algum precisa dominar técnicas psicológicas: o atendimento fraterno não concorre com o consultório psicológico.

A chave mestra para o sucesso nesta tarefa, que se baseia na boa condução das palavras, é a conexão mental do voluntário com o seu anjo da guarda para receber e identificar as intuições necessárias durante os atendimentos. Os Espíritos guias estão de posse de todas as informações pessoais dos visitantes, sabem exatamente como melhor abordar e responder aos relatos apresentados.

Nada de irritação, nem de reprovação, durante o trabalho. Afinal, o atendido deseja encontrar apoio para as suas dificuldades, possíveis soluções por meio de orientações seguras à luz do Espiritismo, e esclarecimentos variados sobre o funcionamento das leis de Deus, perfeitamente explicadas pelo Espiritismo, ou seja, aguardam a frase compreensiva e conveniente, estimuladora e de esperança.

Esta tarefa não pode ser franqueada a aventureiros, que mais desejam conhecer a vida alheia do que sinceramente ajudá-los em seus dilemas. Também não podem ser selecionados e aceitos por meio de superficiais treinamentos, fornecidos, às vezes, por trabalhadores que alegam conhecer o tema.

Esta tarefa é muito delicada para ser desempenhada por trabalhadores despreparados, possuindo apenas e unicamente a boa vontade, e os dirigentes que permitirem esta situação responderão por qualquer prejuízo causado por esses aprendizes de atendentes aos seus inquietos e sofridos consulentes.

 

Exposições

São os assim chamados carros chefe do centro espírita. Setor de suma importância, pois por meio das palavras, ditas durante uma apresentação, os ouvintes podem ser deslocados do inferno – onde possivelmente se encontram – para o ainda desconhecido céu, dependendo do tom e do conteúdo apresentado pelo palestrante. Possuem a capacidade de promover a esperança ou o desalento.

Sinceridade, autoridade, confiança assumem papel capital nesta atividade, uma vez que a casa pode não possuir a recepção fraterna, muito menos o atendimento fraterno, mas se a preleção é de qualidade do ponto de vista espírita, carregada de bons sentimentos, durante a exposição acontecem as duas tarefas anteriormente citadas, sem que haja absoluta necessidade da existência de ambas.

Para tanto, o expositor deve estar muito bem preparado para captar as intuições que chegam à sua mente, provenientes dos Espíritos dirigentes da Casa Espírita, pois estes sabem com perfeição o que a audiência precisa efetivamente escutar. É por esta razão que – e não é incomum – um participante qualquer da assembleia, ao final, confidenciar ao expositor que escutou exatamente o que precisava ouvir, justamente o que veio buscar, e não entende como aquilo aconteceu, sem que sequer o expositor tivesse preparado aquela particular explicação. Estes são exemplos do auxílio que vêm do Alto.

Em uma situação extrema de falta de trabalhadores, a única atividade que não pode faltar em uma Instituição de Espiritismo é a de exposições, pois sem esta a casa não pode atender o seu objetivo maior que é o de ensinar Espiritismo de modo que os ouvintes – encarnados ou desencarnados -, ao compreender as explicações e ensinos, possam buscar por si mesmos respostas ou explicações às suas dúvidas e dificuldades enfrentadas no cotidiano de suas vidas, sejam elas quais forem.

Os expositores agem como um semeador de palavras, sendo o campo de cultivo a mente dos ouvintes recebendo suas ideias e sonhos, portanto é preciso semear com cuidado e zelo de modo a ver frutificar a sementeira naqueles que os ouvem, motivo pelo qual a cátedra só deve ser entregue aos realmente capacitados, pois não há improviso nesta delicada atividade.

 

Estudos

Toda casa que possuir condições para tanto deve manter regulares programas de estudos espíritas, formando grupos de interessados em aprender a Doutrina Espírita. Esta prática facilita o aprendizado de todos.

Entretanto, o condutor da palavra espírita, o responsável por catalisar o processo de aprendizado do grupo, deve ser, como no caso dos expositores, também escolhido a dedo, pois ele será o intérprete da Doutrina para os novatos e, se ele não tiver condições de ensinar pela palavra os corretos postulados do Espiritismo, o prejuízo será enorme. Os aprendizes construirão fundamentos errôneos sobre a Doutrina e, edificando seus entendimentos sobre castelos de areia, fundados em pilares movediços, mais cedo ou mais tarde eles ruirão.

Assim, não se entende haver coordenadores de estudos que sejam homofóbicos, a favor do armamento da população para assegurar a própria segurança, misóginos, tendentes a dizer que é tudo a mesma coisa quando se trata das práticas religiosas. Todos esses desvios de personalidade e caráter não se coadunam com a essência espírita, que segue integralmente a moral cristã.

 

As atividades mediúnicas

Nesta área de atuação, a palavra também se reveste de cuidados especiais.

Para os dialogadores, doutrinadores ou esclarecedores a boca deve estar higienizada pelo hábito contínuo do uso da boa palavra. Ao conversar com as entidades desencarnadas, muitas habituadas a emitir expressões de rancor, reclamações, revestidas de ódio e mágoas diversas, o trabalhador precisa contrapor-se a essas frequências maléficas, emitindo boas vibrações pelo emprego do verbo equilibrado, criando assim melhor potencial para estabelecer sintonia com os interlocutores do lado de lá e anulando, mesmo que parcialmente, os fluidos negativos que as palavras torpes de Espíritos revoltados emitem quando se comunicam em uma reunião mediúnica. Atitudes e palavras violentas, impaciência ou desapreço ao comunicante precisam ser evitadas. De modo igual à tarefa do atendimento fraterno, a conversação não será longa em demasia, considerando a questão do tempo e a existência de outros possíveis comunicantes.

Como importante lembrança, no caso dos médiuns, alguns deixam escapar palavras rudes e imorais, expressões obscenas ou injuriosas, gritos ou interjeições grotescas, inadequados em qualquer situação, ainda mais em um encontro mediúnico, pois não têm domínio completo sobre si mesmos. E, quando isso ocorre, responsabilizam os Espíritos, alegando que eles é que desejam usar os chamados palavrões e o médium não consegue contrapor-se, não obtendo sucesso na filtragem das palavras chulas e de baixo calão. Com certeza, isso só ocorre por conta de ser o médium deseducado em sua vida íntima, empregando cotidianamente essas inadequadas palavras em seus regulares diálogos. Por conta desta realidade é que se pode afirmar que a mediunidade precisa ser desenvolvida, como qualquer outra faculdade, enquanto o médium precisa ser educado moralmente. O médium é sempre responsável pela comunicação que primeiro recebe e depois transmite, mesmo que seja inteiramente sonâmbulo.

 

Conclusão

Às áreas da Evangelização Infantil e de Mocidade se aplicam todas as recomendações anteriormente listadas, com destaque para a especialização dos trabalhadores para o correto trato com a mente infantil e juvenil.

Uma especial recomendação a todos os trabalhadores é não deixar de aderir à prática do que falam, vivendo aquilo que verbalmente transmitem. O exemplo é o maior agente de convencimento. Alguns se portam dignamente nas dependências da casa espírita onde militam, contudo, ao colocarem o pé fora da instituição, esquecem as belas palavras pronunciadas durante as atividades espíritas e passam a ser do mundo, atuando conforme o mundo age e pensa. As palavras devem ser confirmadas pelos atos, sem dúvida.

Quanto mais estivermos sintonizados com Jesus e seus colaboradores, mais força existirá em nossas palavras. A energia que passamos a carregar nas expressões verbais utilizadas na tentativa de nos fazer entender se multiplica e se depura. Passa a atingir em profundidade os ouvintes, em qualquer situação e local.

Por tudo isso o uso do verbo equilibrado é receita para o equilíbrio interno, tão escasso neste mar de vibrações irritantes, desconexas, perturbadas em que nos encontramos imersos, por conta das palavras rudes, grosseiras, de ódio e de revolta normalmente pronunciadas pelas massas, incluindo os palavrões deprimentes, agora de uso generalizado.

Se nos prepararmos melhor durante o dia, usando o verbo de modo útil e edificante, espalhando palavras de amor, sadia alegria e esperança aos que nos cercam, além de melhor nos apresentarmos para o trabalho espírita na casa escolhida – em qualquer setor -, contribuiremos para sanear a atmosfera psíquica do planeta pela caridade do verbo, consoante estas oportunas palavras de Emmanuel[3]:

Meditemos, pois, na importância do verbo e roguemos a Deus nos inspire, a fim de encontrarmos a porta adequada à palavra certa e sermos úteis aos outros, tanto quanto esperamos que os outros sejam úteis a nós.



[1] O Consolador - Ano 17 - N° 866 - 17 de Março de 2024 - https://www.oconsolador.com.br/ano17/866/especial.html

[2] BÍBLIA DE JERUSALÉM. Trad. Gilberto da Silva Gorgulho; et al. 8. ed. São Paulo: Paulus Editora, 2012.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Segue-me. Pelo Espírito Emmanuel. ed. 15ª. Matão/SP: Casa Editora O Clarim, 2014. A porta da palavra.

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