terça-feira, 30 de janeiro de 2024

SENHORA SCHWABENHAUS – Letargia Extática[1]

 


Allan Kardec

 

Segundo o Courrier des États-Unis, vários jornais relataram o fato que a seguir apresentamos, e que nos pareceu fornecer matéria para um estudo interessante:

 

Diz o Courrier des États-Unis que uma família alemã de Baltimore acaba de emocionar-se vivamente com um caso singular de morte aparente. A Sra. Schwabenhaus, há longo tempo enferma, parecia ter exalado o derradeiro suspiro na noite de segunda para terça-feira. As pessoas que dela cuidavam puderam observar todos os sintomas da morte: o corpo estava gelado e seus membros tornaram-se rígidos. Após ter prestado ao cadáver os últimos deveres, e quando tudo na câmara mortuária estava pronto para o enterro, os assistentes foram repousar. Esgotado de fadiga, o Sr. Schwabenhaus em breve os acompanhou. Estava mergulhado num sono agitado quando, cerca de seis horas da manhã, a voz da esposa feriu-lhe o ouvido. A princípio julgou-se vítima de um sonho; mas o seu nome, repetido várias vezes, não mais lhe deixou qualquer dúvida, precipitando-se de imediato para o quarto da esposa. Aquela que era tida por morta estava sentada na cama, parecendo fruir de todas as faculdades e mais forte do que nunca, desde o início da doença.

A Sra. Schwabenhaus pediu água e depois desejou tomar chá e vinho. Rogou ao marido que fizesse adormecer a criança que chorava num quarto vizinho. Mas ele estava muito emocionado para isso e correu a despertar as demais pessoas de casa. Sorridente, a doente acolheu os amigos e domésticos que, trêmulos, aproximaram-se de seu leito. Não parecia surpreendida com o aparato funerário que lhe feria o olhar.

“Sei que me acreditáveis morta, disse; entretanto, estava apenas adormecida. Durante esse tempo minha alma transportou-se para as regiões celestes; um anjo veio buscar-me e em poucos instantes transpusemos o espaço. O anjo que me conduzia era a filhinha que perdemos o ano passado... Oh! Em breve irei reunir-me a ela... Agora, que experimentei as alegrias do Céu, não mais queria viver na Terra. Pedi ao anjo para, uma vez mais, vir abraçar meu marido e meus filhos; mas logo retornará para buscar-me”.

Às oito horas, após se haver despedido com ternura do marido, dos filhos e de uma multidão de pessoas que a rodeavam, dessa vez a Sra. Schwabenhaus expirou realmente, conforme foi constatado pelos médicos, de forma a não deixar subsistir nenhuma dúvida a esse respeito.

Esta cena impressionou profundamente os habitantes de Baltimore.

 

Havendo sido evocado no dia 27 de abril passado, numa sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, o Espírito da Sra. Schwabenhaus manteve a seguinte conversa:

 

1. Com vistas à nossa instrução, desejaríamos fazer algumas perguntas relacionadas com a vossa morte; consentiríeis em respondê-las?

– Como não, logo agora que começo a vislumbrar as verdades eternas, e sabedora da necessidade que igualmente sentis de também as conhecer?

2. Lembrais da circunstância particular que precedeu vossa morte?

– Sim; foi o momento mais feliz da minha existência na Terra.

3. Durante vossa morte aparente, ouvíeis o que se passava à volta e percebíeis os preparativos do funeral?

– Minha alma estava muita preocupada com a felicidade que se avizinhava.

 

Observação – Sabe-se, em geral, que os letárgicos veem e ouvem o que se passa à volta deles, conservando a lembrança ao despertar. O fato a que nos referimos oferece a particularidade de ser o sono letárgico acompanhado de êxtase, circunstância que explica por que foi desviada a atenção da paciente.

 

4. Tínheis a consciência de não estar morta?

– Sim; mas isso me era ainda mais penoso.

5. Poderíeis dizer a diferença que fazeis entre o sono natural e o letárgico?

– O sono natural é o repouso do corpo; o letárgico, a exaltação da alma.

6. Sofríeis durante a letargia?

– Não.

7. Como se operou vosso retorno à vida?

– Deus permitiu-me voltar para consolar os corações aflitos que me rodeavam.

8. Desejaríamos uma explicação mais material.

– O que chamais de perispírito ainda animava o meu invólucro terrestre.

9. Como foi possível não vos terdes surpreendido à vista dos preparativos que faziam para o enterro?

– Eu sabia que devia morrer; tudo aquilo pouco me importava, desde que havia entrevisto a felicidade dos eleitos.

10. Recobrando a consciência, ficastes satisfeita de retornar à vida?

– Sim, para consolar.

11. Onde estivestes durante o sono letárgico?

– Não posso descrever toda a felicidade que experimentava: a linguagem humana é incapaz de exprimir essas coisas.

12. Ainda vos sentíeis na Terra ou no espaço?

– Nos espaços.

13. Dissestes, quando voltastes a vós, que a filhinha que havíeis perdido no ano anterior vos tinha vindo buscar. É verdade?

– Sim; é um Espírito puro.

 

Observação – Nas respostas dessa mãe, tudo anuncia tratar-se de um Espírito elevado; nada há, pois, de espantoso que um Espírito mais elevado ainda se tivesse unido ao seu por simpatia.

Entretanto, não devemos tomar ao pé da letra a qualificação de Espírito puro, que por vezes os Espíritos se dão entre si. Por essa expressão devemos entender os Espíritos de uma ordem mais elevada que, achando-se completamente desmaterializados e purificados, não mais estão sujeitos à reencarnação: são os anjos que desfrutam a vida eterna. Ora, aqueles que não atingiram um grau suficiente não compreendem ainda esse estado supremo; podem, pois, empregar o termo Espírito puro para designar uma superioridade relativa, mas não absoluta. Disso temos numerosos exemplos, querendo parecer-nos que a Sra. Schwabenhaus encontra-se neste caso. Algumas vezes os Espíritos zombeteiros também se atribuem a qualidade de Espíritos puros, a fim de inspirarem mais confiança àqueles a quem desejam enganar, e que não têm suficiente perspicácia para os julgarem por sua linguagem, pela qual sempre se traem em razão de sua inferioridade.

 

14. Que idade tinha essa criança quando morreu?

– Sete anos.

15. Como a reconhecestes?

– Os Espíritos superiores se reconhecem mais depressa.

16. Vós a reconhecestes sob uma forma qualquer?

– Somente a vi como Espírito.

17. O que ela vos dizia?

– “Vem; segue-me em direção ao Eterno”.

18. Vistes outros Espíritos, além do de vossa filha?

– Vi uma porção de outros Espíritos, mas a voz de minha filha e a felicidade que pressentia eram minhas únicas preocupações.

19. Por ocasião de vosso retorno à vida, dissestes que em breve iríeis reencontrar a filha; tínheis, pois, consciência de vossa morte próxima?

– Para mim era uma esperança feliz.

20. Como o sabíeis?

– Quem não sabe que é preciso morrer? Minha doença me dizia bem.

21. Qual era a causa de vossa enfermidade?

– Os desgostos.

22. Que idade tínheis?

– Quarenta e oito anos.

23. Deixando a vida definitivamente, tivestes de imediato consciência clara e lúcida da nova situação?

– Tive-a no momento da letargia.

24. Experimentastes a perturbação que acompanha ordinariamente o retorno à vida espírita?

– Não; estava deslumbrada, mas não perturbada.

 

Observação – Sabe-se que a perturbação que se segue à morte é tanto menor e menos duradoura quanto mais se depurou o Espírito durante a vida. O êxtase que precedeu a morte dessa mulher era, aliás, um primeiro desprendimento da alma de seus laços terrenos.

 

25. Desde que estais morta já revistes vossa filha?

– Frequentemente estou com ela.

26. A ela estais reunida por toda a eternidade?

– Não. Sei, porém, que depois de minhas últimas encarnações estarei no paraíso, onde habitam os Espíritos puros.

27. Então vossas provas não terminaram?

– Não, mas, doravante, serão mais felizes. Não me deixam senão esperar e a esperança já é quase a felicidade.

28. Vossa filha tinha vivido em outros corpos antes daquele pelo qual foi vossa filha?

– Sim; em muitos outros.

29. Sob que forma vos encontrais entre nós?

– Sob minha derradeira forma de mulher.

30. Percebei-nos tão distintamente como o faríeis quando viva?

– Sim.

31. Desde que estais aqui sob a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes?

– Claro que não, o Espírito não tem olhos. Encontro-me sob minha última forma tão-somente para satisfazer às leis que regem os Espíritos, quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.

32. Podeis ler os nossos pensamentos?

– Sim, posso; lerei caso eles sejam bons.

 

Agradecemos as explicações que houvestes por bem nos dar; pela sabedoria das vossas respostas reconhecemos que sois um Espírito elevado e esperamos que possais fruir a felicidade que mereceis.

 

– Sinto-me feliz em contribuir para vossa obra; morrer é uma alegria, quando podemos auxiliar o progresso, como o faço agora.



[1] Revista Espírita – Setembro/1858 – Allan Kardec

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