sábado, 27 de janeiro de 2024

O ESPÍRITA E A HUMANIDADE[1]

 


Miguel Vives y Vives

 

Disse o Senhor: Vós sois o sal da terra; se o sal perder o seu sabor, com o que se há de salgar? E foi como se dissesse que sois a luz do mundo; se a luz perder a sua claridade, com o que se iluminará? Todo espírita que fez profissão pública de sua crença não deve jamais esquecer-se de que, por onde passa, aonde vai, e onde frequenta, está sendo observado e estudado.

Por que nos observam e estudam, para ver como agimos nós, os espíritas, pois sabem que a nossa maneira de pensar é bem diferente da maneira dos que não seguem as nossas ideias. De forma que devemos ter bem presentes aquelas palavras de um grande espírito: Prudência no pensar, prudência no falar, prudência no agir. Porque, se nos esquecermos das regras que o Espiritismo nos prescreve, algumas das quais estão anotadas nos capítulos anteriores, podemos cair no ridículo, por não estarem os nossos atos de acordo com a moral que o mundo espera de nós.

Essa moral, quando bem praticada, é o melhor meio de propagar e exaltar os nossos princípios; de maneira que uma atitude correta e cheia de doçura tem grande poder de atração, e podemos conquistar com ela a simpatia de muitos, fazendo-nos agradáveis pelo nosso trato. Nossas maneiras e costumes são o primeiro instrumento que todo espírita deve usar na propaganda doutrinária: primeiro agir, depois falar; a não ser que a necessidade e as circunstâncias nos obriguem a falar primeiro.

Quando assim tivermos de fazer, devemos ser muito prudentes e humildes, dando provas de uma excelente educação. Porém, sempre que possível, devemos agir primeiro. Vale mais que nos conheçam primeiro por nossas obras, do que por nossas palavras.

Assim, quando chegar a hora de falarmos, nos escutarão com mais respeito e seremos atendidos.

Evitemos entrar na propaganda de nossas ideias, aguardando a ocasião oportuna. Comecemos então por demonstrar o que é a moral do Espiritismo, quais as suas tendências e os seus fins, que são tornar os homens melhores, conquistar a paz para a humanidade e revelar um porvir mais feliz do que aquele que nos espera na Terra. Só devemos entrar na explicação dos fenômenos espíritas quando as pessoas a quem falamos já tenham aceitado a moral, compreendendo algo de sua sublimidade. Nesses casos em que pudermos falar dos fenômenos, devemos explicar aqueles que podem ser mais bem compreendidos, de acordo com o alcance dos nossos ouvintes.

Temos ouvido, às vezes, alguns espíritas exporem fenômenos entre pessoas estranhas à doutrina, dando explicações de fatos que estão muito fora do alcance dos ouvintes. Isso quase sempre resulta em burla ou em maior incredulidade, porque o espírita é logo considerado como fanático, perdendo assim toda influência moral sobre essas pessoas. Por isso, a propaganda moral é quase sempre bem recebida, e mais ainda, se o espírita que a propaga sabe portar-se de maneira correta, o que é muito fácil para todo espírita estudioso, que esteja bem compenetrado do que o Espiritismo lhe prescreve.

Não se deve olvidar que um dos primeiros mandamentos da lei é: Amarás ao próximo como a ti mesmo. Se bem que seja muito difícil praticar este mandamento ao pé da letra, não é menos verdade que os espíritas estão obrigados a praticar a caridade com os seus irmãos de crença. Ora, se entre nós devemos ser indulgentes, benévolos, e devemos ajudar, fechar os olhos e até perdoar, não haveremos de fazer menos para a Humanidade.

Os não-espíritas empenham-se às vezes em questões, alterações, disputas, rixas e não raro se maltratam. Devemos fugir inteiramente de tudo isso. Se com boas maneiras podemos colocar as coisas nos seus lugares, é assim que devemos fazer.

Mas, se para tanto devemos afastar-nos das regras prescritas, é preferível calar, buscando a melhor maneira de sairmos da dificuldade. E se, apesar da nossa prudência e do nosso amor, não pudermos livrar-nos das contendas, devemos sofrer com paciência as iras da ignorância e da má fé. Devemos perdoar sem reservas, do fundo de nossa alma, e pagar o mal com o bem, sempre que possível.

Por isso, não podemos olvidar a figura do Mestre e Senhor.

Ele é o modelo, a verdade e a vida. Que disse Ele, quando o insultavam, apostrofavam, maltratavam e cuspiam? Nada.

Baixava os olhos e perdoava em seu coração. Pois se Ele, que era tão elevado e tanto podia, fez exatamente como ensinou, faremos nós o contrário? Desgraçado do espírita que tem a oportunidade de devolver o bem como pagamento do mal, e não o faz!

Desgraçado do espírita que pode perdoar e não perdoa! Pois dias virão em que exclamará:

De que me serviu saber o que sabia, e de me haver chamado espírita? Mais me valera nada saber, para não arcar com tamanha responsabilidade!

Há espíritas que, guiados por sua ardente caridade, se dedicam a curar enfermos por meios magnéticos, seja com água, seja com passes. Quando a estas práticas não se misturam segundas intenções, havendo apenas um amor ardente pelos enfermos e o desejo puro de fazer o bem, com ardente fé no Pai, podem alcançar-se bons resultados. Entretanto, deve-se considerar que, se o espírita deve usar de prudência em todos os casos, muito mais deverá usá-la quando pretende dar saúde aos enfermos. Deve ele levar uma vida muito pura, isenta de falhas e defeitos que possam retirar-lhe a boa proteção, porque, do contrário, em lugar de fazer bem aos enfermos, lhes fará mal, prejudicando-os.

Aquele que deseja aliviar ou curar a Humanidade doente, mesmo que apenas no âmbito das suas relações particulares, deve levar uma vida de santidade. Chamemo-la assim, para melhor distinguir o que a pratica, tanto mais se o espírita que cura não for dotado de conhecimentos médicos ou de outra ciência que o autorize a tanto. Os que, porém, só o fazem por amor à Humanidade devem despojar-se de tudo o que possa empanar o brilho de seus espíritos, para que o seu perispírito e o seu corpo possam transmitir os bons fluidos. De maneira que devem aplicar-se constantemente a seguinte máxima:

Se queres curar aos demais, cura primeiro o teu corpo e a tua alma, pois, do contrário, como curarás aos outros, se estás enfermo?

Claro que devem ser observados os costumes e as maneiras que atrás assinalamos, abstendo-se de fazer aos enfermos promessas que não podem ser cumpridas. Pois o que se dedica a práticas tão elevadas nunca deve confiar em suas próprias forças, mas conta apenas com o seu bom desejo, a sua boa vontade, e sobretudo com a ajuda de Deus e dos bons Espíritos, procurando ter fé n’Aquele que curou os cegos, os paralíticos, e ressuscitou os mortos. Assim fazendo, muito poderá esperar do Todo poderoso, e sua missão será uma consolação para os que choram e os que sofrem[2].

Mas não deve olvidar que precisa dar de graça o que de graça recebe, porque é muito prejudicial e anti-espírita fazer da proteção do Alto uma profissão lucrativa. É bom fazer a caridade, mas é muito mau explorá-la.

Em resumo:

§  a Humanidade geme, chora, desespera-se, pelo muito que sofre; o egoísmo tudo devora; as vítimas da maldade se sucedem sem parar; as religiões se desviaram do caminho; os homens de bem, intermediários entre a Humanidade e a Providência, são escassos;

§  os espíritas estão encarregados de trazer a luz, já que sabem porque a Humanidade sofre, porque chora, porque se desespera;

§  sacrifiquemo-nos, pois, para poder explicar-lhe a causa de seus sofrimentos, de suas lágrimas, de seu desespero;

§  procedamos de maneira a mostrar que a dor depura, eleva, santifica, exalta, e assim cumpriremos a nossa missão.

O espírita que muito deseja fazer por seus semelhantes não deve perder de vista o Senhor – quando o açoitavam atado ao pilar, quando o coroavam de espinhos, quando carregava a cruz, quando consumava o seu sacrifício –, para saber imitá-lo em seus atos de amor pela Humanidade, de abnegação e de sacrifício.

Vós sois o sal da terra; se o sal perder o seu sabor, com o que se há de salgar?



[1] O TESOURO DOS ESPÍRITAS – Miguel Vives y Vives

[2] No original há esta maravilhosa expressão, praticamente intraduzível: “su misión será un paño de lágrimas”, que traduzimos apenas por: será uma consolação. Que não se perca a imagem original. (N.T.)

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