sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

RESPINGOS HISTÓRICOS – PREVISÃO FALSA[1]

 


Vianna de Carvalho[2]

 

Muitos pensadores vaticinaram o desaparecimento da fé religiosa, supondo-a insustentável em face da evolução científica que vem alargando prodigiosamente o campo das especulações positivas.

Afigura-se-lhes permanente o conflito entre a simpleza das crenças na vida de além-túmulo e os processos experimentais lecionados com fervores materialistas na quietude dos laboratórios.

De suas cogitações baniram todos os problemas catalogados na hierarquia dos misticismos antiquados e irreconciliáveis, com a série, cada vez mais farta, de descobertas dissolventes que se incorporavam ao patrimônio intelectual da civilização.

À primeira vista, parece realmente inacessível o consórcio de opiniões tão desencontradas como as defendidas, de um lado, pela rigidez dos conhecimentos sistemáticos, e de outro, pela ânsia imortalista que constitui o mais dominante sinal da essência humana.

Analisando ligeiramente as atribuições, os métodos e objetos de que se deve ocupar a ciência no conceito de seus incensadores entusiastas e confrontando-os com as aspirações da religião, era natural concluir por incompatibilidades profundas, separando essas duas antagonistas seculares.

Na verdade, há bem pouco tempo, aceitar-se-ia sem repugnância tal solução, emprestando-se-lhe até algum lustre de valor razoável.

Quando a ciência se internava furiosamente na floresta dos fenômenos naturais, alheando-se do mundo subjetivo, reduzindo o Universo a um turbilhão de forças inconscientes, se lhe tornara impossível galgar os cimos em que palpitam as leis diretoras dos destinos das almas.

Seu horizonte se caracterizava por um nível terra a terra, por uma estreiteza incapaz de transpor as muralhas erigidas à custa de preconceitos, de emperramentos nocivos e de impugnações vaidosas.

Confiando-se no minúsculo bojo das retortas, vendo a natureza através da envidraçada pupila telescópica, fiando mais nas frias revelações dos instrumentos passivos do que na potência viva da indução racional, tinha fatalmente de esbarrar na dúvida ou perder-se em negrores de afirmações pueris.

Foi esta a sorte do materialismo que andou às tontas escavando enigmas, para afinal fazer obra de interrogações, com a agravante de nem ao menos consentir vicejassem pétalas de futuras esperanças sobre os escombros empilhadas pela ira de implacável camartelo.

Por sua vez, as religiões escravizando-se cegamente ao mistério e a cultos taxados de fetichismo, deslumbraram a significação das máximas evangélicas, substituíram o fundo que é a segurança das doutrinas pela forma que é apenas o seu adorno superficial.

Na loucura de um conservantismo intransigente, abriram luta obcecada com as correntes progressistas que trabalham incessantemente e seguem curso definido a despeito de todas as nossas insignificantes resistências.

Não quiseram perceber a providencialidade das revelações sucessivas, segundo a qual, os ensinos devem se ajustar à condição de momento, acompanhando a marcha das inteligências no sentido de suas incoercíveis amplificações.

Foi assim que o divórcio se acentuou cada vez mais, chegando a estabelecer abismos de separação, onde importa que subsistam a continuidade e harmonia, sem as quais a ciência se resume num amontoado de princípios inertes e a religião em colecionamento de fábulas repelidas pelas indeclináveis exigências da razão.

Felizmente, aí está o Espiritismo para corrigir essa falha, associando, sob o influxo de demonstrações inteiriças, os domínios diversificados por má compreensão das leis divinas.

Ante a explicação que ele consegue organizar, estendendo-se em fatos irredutíveis, sobre a parte do conjunto universal ora acessível às nossas investigações, desfaz-se o augúrio triste de apagamento da fé nas consciências.

Muito ao contrário: só agora pode esta mesma fé renovar-se admiravelmente, porque não encontrará mais, em seu caminho, nem os sarcasmos da falsa sabedoria, nem as contradições de certos credos que, em breve, ficarão para sempre abandonados no sudário de suas pretensões gananciosas.



[1] MUNDO ESPÍRITA - Dezembro de 2023 Número 1673 Ano 91

[2] REVISTA DE ESPIRITUALISMO, ano VII, número 1, janeiro de 1922

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