Vianna de Carvalho[2]
Muitos pensadores vaticinaram o
desaparecimento da fé religiosa, supondo-a insustentável em face da evolução
científica que vem alargando prodigiosamente o campo das especulações
positivas.
Afigura-se-lhes permanente o
conflito entre a simpleza das crenças na vida de além-túmulo e os processos
experimentais lecionados com fervores materialistas na quietude dos
laboratórios.
De suas cogitações baniram todos
os problemas catalogados na hierarquia dos misticismos antiquados e
irreconciliáveis, com a série, cada vez mais farta, de descobertas dissolventes
que se incorporavam ao patrimônio intelectual da civilização.
À primeira vista, parece
realmente inacessível o consórcio de opiniões tão desencontradas como as
defendidas, de um lado, pela rigidez dos conhecimentos sistemáticos, e de
outro, pela ânsia imortalista que constitui o mais dominante sinal da essência
humana.
Analisando ligeiramente as
atribuições, os métodos e objetos de que se deve ocupar a ciência no conceito
de seus incensadores entusiastas e confrontando-os com as aspirações da
religião, era natural concluir por incompatibilidades profundas, separando essas
duas antagonistas seculares.
Na verdade, há bem pouco tempo,
aceitar-se-ia sem repugnância tal solução, emprestando-se-lhe até algum lustre
de valor razoável.
Quando a ciência se internava
furiosamente na floresta dos fenômenos naturais, alheando-se do mundo
subjetivo, reduzindo o Universo a um turbilhão de forças inconscientes, se lhe
tornara impossível galgar os cimos em que palpitam as leis diretoras dos destinos
das almas.
Seu horizonte se caracterizava
por um nível terra a terra, por uma estreiteza incapaz de transpor as muralhas
erigidas à custa de preconceitos, de emperramentos nocivos e de impugnações
vaidosas.
Confiando-se no minúsculo bojo
das retortas, vendo a natureza através da envidraçada pupila telescópica,
fiando mais nas frias revelações dos instrumentos passivos do que na potência
viva da indução racional, tinha fatalmente de esbarrar na dúvida ou perder-se
em negrores de afirmações pueris.
Foi esta a sorte do materialismo
que andou às tontas escavando enigmas, para afinal fazer obra de interrogações,
com a agravante de nem ao menos consentir vicejassem pétalas de futuras
esperanças sobre os escombros empilhadas pela ira de implacável camartelo.
Por sua vez, as religiões
escravizando-se cegamente ao mistério e a cultos taxados de fetichismo,
deslumbraram a significação das máximas evangélicas, substituíram o fundo que é
a segurança das doutrinas pela forma que é apenas o seu adorno superficial.
Na loucura de um conservantismo
intransigente, abriram luta obcecada com as correntes progressistas que
trabalham incessantemente e seguem curso definido a despeito de todas as nossas
insignificantes resistências.
Não quiseram perceber a
providencialidade das revelações sucessivas, segundo a qual, os ensinos devem
se ajustar à condição de momento, acompanhando a marcha das inteligências no
sentido de suas incoercíveis amplificações.
Foi assim que o divórcio se
acentuou cada vez mais, chegando a estabelecer abismos de separação, onde
importa que subsistam a continuidade e harmonia, sem as quais a ciência se
resume num amontoado de princípios inertes e a religião em colecionamento de fábulas
repelidas pelas indeclináveis exigências da razão.
Felizmente, aí está o
Espiritismo para corrigir essa falha, associando, sob o influxo de
demonstrações inteiriças, os domínios diversificados por má compreensão das
leis divinas.
Ante a explicação que ele
consegue organizar, estendendo-se em fatos irredutíveis, sobre a parte do
conjunto universal ora acessível às nossas investigações, desfaz-se o augúrio
triste de apagamento da fé nas consciências.
Muito ao contrário: só agora
pode esta mesma fé renovar-se admiravelmente, porque não encontrará mais, em
seu caminho, nem os sarcasmos da falsa sabedoria, nem as contradições de certos
credos que, em breve, ficarão para sempre abandonados no sudário de suas
pretensões gananciosas.
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