segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

CLÓVIS TAVARES[1]

 

 

Sebastião Clóvis Tavares nasceu no distrito de São Sebastião, em Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1915. Era dia de São Sebastião e, por isso, seus pais deram-lhe o nome de batismo em homenagem ao padroeiro, embora sempre tenha sido tratado, em casa e em todos os ambientes, simplesmente por “Clóvis”.

Desde a infância, demonstrou pendores religiosos. Era comum, na região de São Sebastião, ver seus irmãos jogando bola ou brincando de cabra-cega e ele lendo ou rezando em seu oratório particular.

Afeiçoou-se ao padre da Igreja de São Sebastião, chamado Émille Dés Touches, francês de nascimento, de família nobre e abastada. Ele teria abandonado a sua herança para dedicar-se à vida religiosa, tendo decidido vir para o Brasil seguindo uma inspiração ou determinação do Alto. Foi o seu professor de Francês e seu primeiro orientador espiritual. Do padre Dés Touches, o público espírita conhece Petição de Servo[2], eivada de beleza e sabedoria espiritual.

Na adolescência, estudando no célebre Liceu de Humanidades de Campos, integrou um grupo de jovens idealistas que decidiram mudar o Mundo. Inscreveram-se no Partido Comunista do Brasil e viveram um sonho de liberdade.

Dois desses jovens eram Nina Arueira e Clóvis Tavares, que enamoraram-se e tornaram-se noivos. Os dois viviam intensamente a vida partidária, sendo líderes de greves operárias e movimentos estudantis. Inesperadamente, Nina é acometida de uma febre tifoide e Clóvis passa a fazer plantão ao seu lado, passando noites acordado, em vigilância, mas sem oração.

Por um destes ‘mistérios da vida’, ela conheceu, já doente, um homem chamado Virgílio de Paula, que a recebeu em sua casa para prestar-lhe tratamento. Era um profundo conhecedor de Teosofia e Espiritismo. Nina interessa-se inicialmente pela Teosofia. Lê Do Recinto Interno, de Annie Bésant e decide, já no leito, renunciar à política partidária. Conta a Clóvis a sua decisão. Este, que também estava a discordar da direção partidária quanto a rumos decididos que feriam a sua ética, passou a escutar de Nina as lições que ela ouvia do ‘Vovô Virgílio’.

Virgílio de Paula, por sua vez, aos poucos introduziu um pouco de Evangelho em suas conversações com Nina. Ela maravilhou-se com a visão de um Jesus Cristo amigo dos pobres e dos sofredores. Um Jesus Cristo amigo da Justiça e da Caridade e entregou-se, de alma inteira, ao Evangelho, explicado pela racionalidade Espírita. Foram apenas alguns meses, mas ela desencarnou considerando-se espírita.

Após o seu desenlace é que Clóvis começou a ler os livros que ela lera no seu estágio derradeiro. E como ocorreu com Nina, ele também apaixonou-se pela cosmovisão espiritista. Quando leu pela primeira vez os versos de Olavo Bilac, Cruz e Souza, Fagundes Varella, Augusto dos Anjos, Castro Alves, João de Deus, Auta de Souza, entre outros, então declarou-se espírita. E com o mesmo afinco que se dedicara há apenas alguns meses à política partidária, passa a militar ativamente no meio espírita. Começa a frequentar o Grupo Espírita João Batista, dirigido pelo Sr. Virgílio de Paula e outros companheiros da primeira hora do Espiritismo em Campos.

Em pouco tempo, Clóvis passa a realizar palestras doutrinárias que a muitos atraíram por sua fluência evangélica e pelo ardor de seu verbo. Paralelamente a essas atividades, fundou uma escola de Doutrina Espírita para crianças, na casa da mãe de sua antiga noiva, Dona Didi Arueira. Passaram a chamar essa casa de Escola Infantil Jesus Cristo.

Mais uma vez, o inesperado ocorre. Os frequentadores do Grupo Espírita João Batista, somados aos pais das crianças da Escola Infantil, afluíram em número crescente para escutar suas palestras na casa de Dona Didi.

Decide, então, a diretoria do Grupo Espírita João Batista autodissolver-se e passar a integrar os quadros da nascente Escola Jesus Cristo, já sem o qualificativo de “Infantil”.

Repetiu-se, em escala institucional, o mesmo que acontecera entre João Batista e Jesus Cristo. “É necessário que eu diminua para que Ele cresça”, e o Grupo precursor João Batista dissolveu-se e seus seguidores, assim como os seguidores de João, passaram a seguir a Escola Jesus Cristo. Iniciou-se uma Era nova para o Espiritismo local, até então conhecido apenas pelas sessões mediúnicas.

Com Clóvis, alvorece, em 1935, o Espiritismo da cultura e da prática da caridade. Clóvis sempre priorizou na Escola Jesus Cristo o serviço de amor ao próximo e o estudo doutrinário. Na Escola Jesus Cristo, ele fundou dois orfanatos: um de meninas, dirigido inicialmente pela filha de Virgílio de Paula, Inaiá de Paula, e outro para meninos, dirigido por ele mesmo e por seu companheiro de ideais, Medeiros Correia Júnior. Fundou, ainda, um Culto de Assistência, onde um grupo de irmãos visitava duas favelas de Campos, para distribuição de gêneros e para a realização de um culto de Evangelho no Lar dos assistidos.

Fundou, ainda, a Sopa dos Domingos com a ajuda dos irmãos portugueses Inocêncio Noronha, Bonifácio de Carvalho, D. Candinha e D. Mariquinhas, portugueses que sempre estiveram presentes na história da Escola Jesus Cristo.

Surge, ainda, por seu ideário, o Curso Elzinha França para orientação espiritual às crianças. A escolha do nome Elzinha França deveu-se ao fato de que a Mocidade Espírita de Campos, da qual fazia parte a jovem Hilda Mussa, com quem se casaria mais tarde, e sua amiga Zenith Pessanha, visitava as famílias pobres da Escola Jesus Cristo na busca do sofrimento a fim de mitigá-lo. Numa dessas peregrinações, na favela, encontram desvalida menina recém-nascida, abandonada. Como não havia, na época, nenhum órgão oficial de amparo à criança e nem de longe pensava-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, decidiram trazer a menina para a Casa da Criança. Apesar de Clóvis ter providenciado todos os cuidados médicos, a menor desencarnou em pouco tempo.

Todavia, em uma de suas habituais viagens a Pedro Leopoldo para encontrar-se com Chico Xavier, obteve do médium a informação de que o visitava um espírito de muita luz, chamado Elzinha França. Clóvis Tavares, a princípio pasmo, contou ao médium quem era a menina, que Chico identificou como sendo uma professora que estava integrando a equipe espiritual de serviço na Escola Jesus Cristo e que trabalharia na educação dos menores.

Fundou o Clube da Fraternidade, espaço artístico e lúdico para a realização de jogos infantis, teatros e coros musicais nos domingos à tarde, numa época em que não havia televisão.

Passou a visitar semanalmente os presos, recordando o ensino de Paulo aos hebreus:

Lembrai-vos dos encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles. E dos maltratados, como se habitásseis no mesmo corpo com eles.

Hb, 13:3

Uma vez por ano, pregava o Evangelho Consolador no cemitério, no dia 2 de novembro, iniciando uma prática consoladora e esclarecedora na nossa terra.

Outra particularidade da Escola Jesus Cristo foi abrigar em suas dependências, na década de 60, uma escola de educação formal: o Instituto Allan Kardec.

Paralelamente a essa atividade espírita, Clóvis Tavares lecionava História em duas escolas e Direito Internacional Público na Faculdade de Direito de Campos. Foi autor de livros espíritas, renunciando, todavia, aos direitos autorais, pois, aprendeu com Chico Xavier a doá-los às editoras que se dedicavam à difusão doutrinária. Escreveu: Sementeira Cristã[3]; Vida de Allan Kardec para a Infância; Meu Livrinho de Orações; Os Dez Mandamentos, e Histórias que Jesus Contou, para o público infantil, e Vida de Pietro Ubaldi[4], Trinta Anos com Chico Xavier, Amor e Sabedoria de Emmanuel, Tempo e Amor, De Jesus para os que Sofrem, e Mediunidade dos Santos[5], para o público em geral.

Tornou-se amigo íntimo de Chico Xavier, com quem conviveu por 50 anos, o que é relatado nos referidos livros do parágrafo anterior. Frequentava com assiduidade as reuniões do Grupo Meimei, em Pedro Leopoldo. Visitou, também, Belo Horizonte várias vezes, onde travou contato com Arnaldo Rocha, Joaquim Alves, Cícero Pereira e tantos outros que dignificaram o Espiritismo nas Minas Gerais e no Brasil.

Na década de 1950, passou a se corresponder com o sábio italiano Pietro Ubaldi, a quem promoveu duas vindas ao Brasil − a última das quais, definitiva. Traduziu do italiano os seguintes livros do referido autor: As Noúres, Ascese Mística, Grandes Mensagens e Fragmentos de Pensamento e Paixão[6].

Clóvis veio a casar-se somente 20 anos após da desencarnação de Nina, e a jovem Hilda Mussa, que o ajudava na pesquisa sobre a vida dos santos católicos, passou a ser também a sua fiel colaboradora nos trabalhos da Escola Jesus Cristo. Deste matrimônio nasceram cinco filhos: Carlos Vítor, que desencarnou aos 17 anos, após uma vida de sofrimentos para ele e para os pais – o que está relatado no livro: A Morte é Simples Mudança[7] –, Margarida, Flávio, Luís Alberto e Celso Vicente.

 

Desencarne

Clóvis Tavares desencarnou no dia 13 de abril de 1984, na Santa Casa de Campos. Exatamente na semana posterior ao nascimento de seu primeiro neto, Pedro, primogênito de Flávio Mussa Tavares, que traz o relato (base para este escorço biográfico) em depoimento:

Foi a semana de maior conteúdo emocional de minha vida. No dia 6 de abril, às 18 horas , eu me tornava pai. Pedro nasceu na Santa Casa de Campos, em parto realizado por minha prima Neusa, obstetra, que o entregou nas minhas mãos tão logo seccionou o cordão umbilical, para que eu providenciasse os primeiros cuidados.

Sete dias após, no mesmo hospital e na mesma hora, meu pai é internado, e na cama onde fez a radiografia abdominal, segurando as minhas mãos, ele desencarnou. Em uma semana nasceu meu filho e desencarnou meu pai, no mesmo lugar, na mesma hora, ambos nas minhas mãos... Em apenas sete dias vivenciei intensamente a experiência de ser um ajudador de dois espíritos que atravessavam o Portal da Vida no sentido inverso: um se recorporificando na Terra... outro, se despedindo deste mundo e reentrando na dimensão do Espírito.

Espero, este ano, publicar Saudade é o Metro do Amor, que é uma apresentação das seis comunicações mediúnicas do meu pai, obtidas através do seu querido amigo Chico Xavier, com quem ele mantinha uma relação de amizade que não pode ser medida pelos padrões humanos. Papai nos dera, antes de desencarnar, uma senha.

Somente se comunicaria mediunicamente através de Chico. Nós mantivemos nossa fidelidade à sua senha e ao nosso querido Chico e reconhecemos nas seis cartas a integridade de sua personalidade, pois têm as marcas indeléveis de sua racionalidade e de sua emotividade. Estas cartas nos fazem reconstruir psiquicamente seu retrato!

A Escola Jesus Cristo, em nossa Campos, vive intensamente a sua proposta de Espiritismo à luz do Evangelho de Jesus, reconhecendo que a Luz é sempre do Cristo e é por ele que a Doutrina Consoladora existe, para esclarecê-Lo, para divulgá-Lo, para plenificá-Lo entre os homens, de uma forma racional e razoável, capaz de converter-nos psiquicamente em seres mais dignos de nossa existência no Planeta.



[1] TAVARES, Flávio Mussa. In: “O Espírita Mineiro”, nº 291, maio/junho, 2006.

[2] Inserta nos livros Trinta Anos com Chico Xavier, Clóvis Tavares, IDE, Araras-SP; e Escultores da Alma, Francisco Cândido Xavier/Espíritos Diversos

[3] Edição esgotada. Federação Espírita Brasileira, Rio de Janeiro, 1942.

[4] Editados pela Livraria Allan Kardec Editora, LAKE, São Paulo.

[5] Editados pelo Instituto de Difusão Espírita, IDE, Araras-SP.

[6] Editados pelo Instituto Pietro Ubaldi, Campos-RJ.

[7] A Morte Simples Mudança. F.C.Xavier e Carlos Vitor M. Tavares, USE/Madras Espírita. São Paulo, 2005.

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