sexta-feira, 20 de outubro de 2023

ÚTERO ARTIFICIAL – A REENCARNAÇÃO EXTRACORPÓREA[1]

 


Edson Gomes Tristão - outubro/2023

 

A fertilização assistida (fecundação extrauterina) evoluiu muito, nos últimos 40 anos. Desde a primeira criança nascida em 1978, em Bristol, na Inglaterra, as técnicas têm sido aperfeiçoadas, sendo considerada hoje, uma das principais formas de nascimento, contabilizando até o último ano mais de oito milhões de bebês em todo o mundo. Chegamos, nos dias atuais, com a chamada ectogênese ou desenvolvimento de gestação extracorpórea através do útero artificial.

O tema, noticiado em toda a mídia, foi apresentado pelo biotecnólogo e comunicador científico Hashem Al-Ghaili, um produtor, cineasta e comunicador de ciência, com mestrado em biologia molecular, nascido no Iêmen e residindo na Alemanha, em Berlim.

Na justificativa do projeto, instalação do primeiro útero artificial do mundo, ele relata inúmeras vantagens, onde os pais poderiam escolher as características do bebê que vai nascer, selecionando inteligência, cor dos olhos, cabelos, altura, eliminação de doenças genéticas e hereditárias, além de outras. Possibilita, ainda, a prevenção de mortes maternas no mundo, em decorrência da gravidez e parto, relatado pelos marcadores da saúde em mais de trezentos mil por ano ou oitocentas e setenta e duas mortes por dia[2].

Através dessa técnica, seria possível a produção inicial de trinta mil bebês por ano, com os casais inférteis se tornando os verdadeiros pais biológicos. Conforme o autor, superadas as barreiras éticas para concluir as pesquisas, em aproximadamente dez anos, o projeto poderia entrar em funcionamento efetivo.

Apesar de ser uma proposta atraente e desafiadora e até um tanto exagerada,  a opinião geral dos médicos da área da reprodução humana, é de que o útero artificial não é uma técnica atualmente disponível[3].

Existem, no entanto, várias pesquisas científicas, demonstrando progresso na elaboração do futuro útero artificial, levando-nos a crer que, cedo ou tarde, ele virá, deixando de ser uma ficção científica.

O escritor inglês, Aldous Huxley[4], em 1932, no seu livro Admirável Mundo Novo, descreveu fatos que se passam no ano 2540, em Londres. Apresenta uma visão industrial e futurística na geração humana, repleta de escolhas na manipulação genética, da criação de indivíduos com potencial direcionado à necessidade do meio. O livro se tornou um best seller.

Na década de 80, Yoshiro Kuwabara, Chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Juntendo (Tóquio), citado no trabalho de Perri Klass[5], criou uma placenta artificial, com líquido amniótico sintético, tentando reproduzir o ambiente uterino fora do organismo materno. As pesquisas foram realizadas com cabritos.

Helen Liu, pesquisadora da Universidade de Cornell, Nova York, é citada por Bulletti C. e Cols.[6], em 2011. Desenvolveu um endométrio artificial (onde o embrião adere) na mesma proveta local em que ele vai evoluir. São subsídios para o útero extracorpóreo.

Em 2006, Henri Atlan2 em seu livro já citado, afirma que a tendência da Medicina Reprodutiva é fazer com que os fetos, no início da gestação e próximo ao seu final, deverão estar fora do útero materno, por precaução, frente intercorrências graves nesses períodos.

Em 2018, Diana Coutinho[7] relata em seu artigo O futuro da tecnologia reprodutiva,  trabalho de Cousin–Frankl[8], mostrando cordeiros prematuros mantidos em biobag (recipiente com líquido amniótico, inclusive com cordão umbilical artificial). Os autores afirmam que os testes com humanos poderiam começar em três anos.

Esses trabalhos, somados a outros da literatura médica, mostram que o objetivo científico é realizar a fecundação assistida e, na sequência, implantar o embrião no útero artificial até a sua viabilidade como feto. Pode demorar, mas acreditamos que essa técnica virá.

Enquanto isso, as discussões éticas, morais e filosóficas a respeito da maternidade e paternidade em todos os arranjos familiares já começaram. Temos como exemplo o artigo do cirurgião e urologista francês Laurent Alexandre[9], que aborda, especificamente, as famílias homossexuais, onde o método permitiria que eles pudessem ter filhos biológicos portadores de genes dos dois genitores, ampliando assim os sentimentos de afetividade e responsabilidade familiar. O autor, em seguida, envereda por várias dúvidas éticas na sequência que, segundo ele, necessitará de muitas discussões futuras.  Quais poderiam ser algumas observações realizadas com o auxílio da Doutrina Espírita?

Pelas explicações em O Livro dos Espíritos[10], entende-se que a vida começa com o encontro do óvulo e espermatozoide formando o ovo ou zigoto e desenvolvendo, a partir desse ponto, os agrupamentos celulares específicos, que vão formar órgãos e sistemas distintos. Toda essa evolução é comandada pelo corpo perispiritual (espécie de forma magnética) que traz, em seu interior, memórias de outras existências, e agora, obedecendo um planejamento prévio, vai passando para o corpo físico fatores intrínsecos da personalidade do futuro ser. As questões da personalidade e inteligência não são transmitidas geneticamente, pois fazem parte da alma imortal, não podem ser controladas por decisões dos pais ou da ciência. Assim, como muitas doenças genéticas e hereditárias, que aparecem apenas no transcorrer da gestação, apresentarão mais um problema ético na condução de cada caso.

Os novos arranjos familiares se beneficiarão com o método, fortalecendo vínculos e aumentando o amor entre todos, que é a base fundamental da construção familiar. O carinho e afeto dos genitores desde o começo, seria o padrão ouro, fundamental para o novo ser, sem necessidades de tantas preocupações com a estética e aspecto físico. Devemos lembrar que a doação do amor não sofre restrição, sendo a barreira física ou artificial, na geração de uma nova vida. Os esforços e recursos direcionados para esse tipo de gestação, além do envolvimento emocional profundo dos cônjuges, demonstraria o desejo real deles terem o filho que, com certeza, seria uma criança muito amada, ganhando pontos em sua evolução futura.

O útero artificial representará uma nova fase da História da reprodução, seja complementando a gestação natural, seja pela finalidade associada de salvar bebês prematuros, vidas maternas e diminuir os conflitos ético-jurídicos sobre paternidades.

Que, um dia, os seres nascidos pelo útero artificial, possam trazer  fraternidade, caridade e amor, ajudando a mudar para melhor o comportamento dos seres humanos na Terra. Bem-vinda, evolução!



[1] MUNDO ESPÍRITA – Outubro/2023 -  Número 1671 - Ano 91 - http://www.mundoespirita.com.br/?materia=utero-artificial-a-reencarnacao-extracorporea

[2] Saúde Materna –. OPAS/OMS-PAHO. https://busms.saude.gov.br  em 20.7.2023.

[3] ATLAN, Henri. O útero artificial. Tradução de Irene Ernest Dias. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

[4] HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano. São Paulo: Globo, 1941.

[5] KLASS, Perry. The artificial womb is born. The New York Times, Nova Iorque, 1996, sept 26; 117-9, 1996.

[6] BULLETTI, C; PALAGIANO, A; PACE; CERNI, A; BONINI, A; ZIEGLER, D (2011). The artificial womb. Annals of the New York Academy of Science, Nova Iorque (124-128).

[7] COUTINHO, Diana, O “futuro” da tecnologia reprodutiva: O útero artificial. Universidade do Minho. Escola de Direito. https://hdl.handle.net/1822/56127 . março de 2018.

[8] COUSIN- FRANKL, Jennifer. Fluid filled “biobag” allows premature lambs to develop outside the womb, “Science” consultado em 6.2.2018.

[9] LAURENT, Alexandre. Biologia e homogenitorialidade. Instituto Humanitas Unisinos – IHU. publicado no caderno Science et Techno do Jornal Le Monde em 3.11.2012.

[10] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt.1, cap.II

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