Certa manhã daquele ano, fui
chamado para a Srta. CS, de 14 anos de idade, filha de um dos homens mais
ativos e mais inteligentes da Itália, que tinha também mãe sã, inteligente e
robusta, mas dois irmãos crescidos extraordinariamente na estatura, nas
proximidades da puberdade, e com alguma turbação pulmonar; e a própria CS, que
era de gentil aspecto, altura de 1,54m, com pupila um pouco midriática, tato
normal e normal sensibilidade dolorífica e às cores, quando na vizinhança da
época púbere cresceu subitamente 15 centímetros, e teve, nos primeiros acenos
menstruais, graves fenômenos histéricos no estômago (vômitos, dispepsia), e por
isso, durante um mês, só pôde ingerir alimentos sólidos, e num outro mês
alimentos líquidos, apresentando, no terceiro mês, acessos de convulsões
histéricas, hiperestesia incrível, pois um fio posto sobre a mão lhe parecia
ter o peso de uma barra de ferro.
Em outro mês, manifestou
cegueira e pontos histerogênicos no dedo mínimo e no reto, que, tocados,
provocavam convulsões, bem como paralisia muscular no movimento das pernas, com
reflexos exagerados, contraturas, energia muscular aumentada, sendo que o
dinamômetro passava, pressionado pela mão, de 32 a 47 quilogramas.
Começaram, então, a apresentar-se
nela fenômenos extraordinários.
De início, sonambulismo, durante
o qual mostrava singular atividade nos labores domésticos, grande afetividade
aos parentes, distinta disposição musical; mais tarde apresentou mutação no
caráter, audácia viril e imoral; mas, o fato mais estranho era que, enquanto
perdia a visão com os olhos, via, com o mesmo grau de acuidade (o 7º da escala
de Jager), pela ponta do nariz e lóbulo esquerdo da orelha, lendo, assim, uma
carta que então me viera dos Correios, enquanto que eu lhe vendara os olhos, e
pôde distinguir os números de um dinamômetro.
Curiosa era depois a nova mímica
com que reagia nos estímulos levados aos que chamaremos órgãos ópticos
transitórios e transpostos.
Avizinhando, por exemplo, um
dedo à orelha ou ao nariz, ou fazendo menção de os tocar, ou ainda melhor,
fazendo com uma lente incidir um raio de luz de lâmpada, mesmo à distância e
por fração de minuto, ressentia-se vivamente e irritava-se.
– Quereis cegar-me? –
gritava.
Depois, com instintiva mímica inteiramente
nova, tão nova quanto o fenômeno, movia o antebraço a defender o lóbulo da
orelha e a extremidade do nariz, e assim permanecia por alguns minutos.
Também o olfato estava
transposto: o amoníaco e a assafética não lhe provocavam a menor reação, quando
colocados sob o nariz, enquanto que uma substância ligeiramente odorífera, sob
o queixo, dava lugar a viva impressão, e a mímica toda especial.
Assim, se o aroma lhe era
agradável, sorria, piscava os olhos e respirava com maior frequência; se o
perfume desagradava, levava rapidamente a mão à dobra do queixo, tornado este a
sede do olfato, e voltava com rapidez a cabeça para o lado. Mais tarde, o
olfato se transferiu ao dorso do pé, e então, quando um odor a desagradava,
movia a perna para a direita e esquerda, contorcendo também todo o corpo;
quando agradava, permanecia imóvel, sorridente, respirando mais frequentemente.
Vieram depois fenômenos de
profetismo e de lucidez, pois previa com rigor, direi matemático, com 15 ou 16
dias de antecedência, o dia dos acessos, a hora em que sobreviriam e o metal
apto a fazê-los cessar.
Assim, a 15 de junho predisse
que a 2 de julho teria delírio e em seguida 7 acessos catalépticos, que
cessariam com ouro, e, para 25 desse mês, faringismo e dores nos membros; para
6 de julho, catalepsia à primeira gota de água que lhe fosse atirada, e calma
até 12, no qual seria presa de acesso às 6 da manhã, com tendência a morder e a
despedaçar, e que só se acalmaria mediante meia colherinha de quinina e três
gotas de éter.
E tudo aconteceu exatamente como
houvera vaticinado.
No dia 14, predisse que os
quatro acessos do dia 15 seriam sanados com chumbo. Em verdade, porém, este
ajudou pouco, sendo mais eficaz o ouro; mas, se houve engano nisto, este não se
positivou na designação da hora, preanunciada exatamente, e no número de
acessos.
Mais tarde, profetizou aventuras
que deviam atingir o pai e o irmão, as quais, dois anos depois, se verificaram;
viu também, estando no leito, o irmão que nesse momento se encontrava em um
teatro distante mais de um quilômetro da sua casa.
Esses fenômenos de nenhum modo
são isolados ou únicos.
Já em 1808, Petetin[2]
estudou oito mulheres catalépticas, nas quais os sentidos externos eram
translocados para a região epigástrica ou para os dedos das mãos ou dos pés.
Em 1840, Carmagnola, no
“Giornale dell’Accademia di Medicina”, narrava um caso inteiramente análogo ao
nosso.
Tratava-se de uma jovem, de 14
anos de idade, também de recente catamênio, sofrendo tosse convulsiva,
cefaleia, delíquio, soluços quando bebia; espasmos, dispneia e convulsões
mímicas, durante as quais cantava; modorra que se prolongava por três dias, e
verdadeiros acessos de sonambulismo, em cujo decurso via distintamente pela mão
e com esta separava fitas e cores, e lia às escuras. Querendo mirar-se ao
espelho, ante o qual colocava as mãos, via apenas estas; abaixava-o para ver o
rosto e, não o conseguindo, enraivecia-se e fugia, sapateando no pavimento,
gesto, o primeiro, espontâneo, instintivo, que reproduz aquele da nossa CS,
escondendo o lóbulo da orelha irritado pelo imprevisto raio de luz, e que
bastava por si mesmo para excluir a simulação.
Note-se ainda que, tal qual no
caso de Petetin (e não se dirá mais que se trata de coisas descobertas agora),
a aplicação do ouro e da prata acalmava as raivas e a retornava alegre, pelo
que, durante os acessos, buscava avidamente esses metais.
Certa vez tocou em bronze,
supondo-o ouro, mas, embora completa fosse a sua ilusão, não obteve alívio
algum. A seda e as peliças lhe tiravam as forças. Pouco a pouco melhorou, mas
reincidia a cada período lunar mensal.
Despine refere o caso de uma
Stella, de Neuchâtel, de 11 anos de idade, que, parética, depois de um
traumatismo no dorso e aliviada com o uso dos banhos de Aix, após práticas
magnéticas apresentava a transposição da faculdade auditiva para várias partes
do corpo, mão, cotovelo, espádua e, durante a crise letárgica, para o
epigástrio, juntando a isto facilidade para exercícios natatórios e de
equitação, bem como, sob aplicações de ouro, força extraordinária.
Frank (Praxeos Médicae,
Turim, 1821) menciona um certo Baerkmann, no qual a audição era transferida,
ora para o epigástrio, ora para o osso frontal, e ainda ao occipital.
O Dr. Angonoa estudava, em
Carmagnola, em 1840, uma GL, de 14 anos de idade, tornada dispéptica e
amenorreica após um desgosto. Presa de sonambulismo, mais ou menos à meia-noite,
identificava moedas aproximando-as da nuca e distinguia aromas com o dorso da
mão; mais tarde, em fins de abril, vista e ouvido emigraram para a região
epigástrica, de modo que, olhos vendados, lia um livro posto a poucos passos de
distância do seu corpo.
O mesmo esculápio observou certa
Piovano, de 22 anos de idade, com catalepsias histéricas e acessos epilépticos,
a qual, no sonambulismo artificial, enxergava ora pela nuca, ora pelo
epigástrio, e cheirava com os pés, pretendendo ainda distinguir, no próprio
corpo, trinta e três vermes, que, ao fim de algum tempo, expeliu.
Embora de tal não se
estabelecesse analogia, o fato se ligava ao que era conhecido: sonâmbulos
comuns que veem perfeitamente quando com os olhos estáticos e insensíveis, com
as pálpebras fechadas ou com o globo ocular voltado para o alto, à semelhança
de quem dorme.
Evidentemente, eles enxergam por
qualquer outra parte do corpo, que não pelos olhos.
Preyer e Berger, ainda que
observassem, a exemplo recente de Heidenhain, fatos semelhantes, acreditaram
interpretá-los recorrendo à maior sensibilidade tátil ou à maior agudeza
visual, que verdadeiramente se observam amiúde em casos tais.
Mas, se essa interpretação pode
explicar demais a visão em local escuro, o que não ocorre, não pode explicar a
transposição neste caso em que se observam inteiramente idênticas, fora e
dentro da crise, a sensibilidade tátil e a acuidade visual. Aqui, a percepção
visual se revela em dois pontos da cútis; a sensibilidade é medíocre e não
basta para, de qualquer modo, explicar a leitura de um manuscrito.
Se os autores mais modernos não
levaram em conta estes casos (e Hasse os averbou de ilusão), é porque,
com tendência louvável, mas também excessiva, só desejavam admitir os fatos que
cientificamente se pudessem explicar. Por isso, tardaram em dar crédito ao
magnete e a muitos dos resultados que, empiricamente, obtiveram os
magnetizadores (catalepsias, hipnoses, hiperestesias), agora veríssimos e até
certo ponto explicados (Heidenhain).
A verdade é que uma explicação
absolutamente científica não se pode dar destes fatos, os quais entram no
vestíbulo daquele mundo que, com justiça, se deve chamar ainda oculto,
porque inexplicado[3]. E
assim a lucidez só em parte se pode explicar por uma espécie de sugestão, por
maior agudeza daquela instintiva consciência do próprio estado, que faz ao
moribundo recapitular a sua vida na derradeira hora da existência. Mais ainda:
melhor se nota o desenvolvimento sucessivo dos fenômenos da própria nevrose
porque, na excitação extraordinária do êxtase sonambúlico, adquirimos maior
consciência do nosso organismo, em cujas condições, à semelhança da engrenagem
dos relógios, estão inscritas em potência, em germe, as várias sucessões
mórbidas.
Cabe aqui conectar a esses fatos
um caso primeiramente revelado pelo nosso Salvioli 9 no sonambulismo, isto é,
que o afluxo do sangue ao cérebro é maior do que em vigília, e maior é, pois, a
atividade da psique, de igual modo que ocorre aumento na excitabilidade
muscular.
Efetivamente, a nossa enferma,
que adquiria, em sonambulismo, uma força maior de 12 quilos no dinamômetro,
dizia-me que, nesse estado, não podia ficar tranquila com o pensamento, pois
necessitava estar sempre ruminando novas ideias.
Mas, esta conclusão já não
serve, quando a lucidez chega ao ponto de profetizar o que acontecerá, dois
anos depois, ao pai e ao irmão, nem tampouco explicar cientificamente a
transposição dos sentidos.
Emerge aqui, de modo
característico, apenas o fato de que os fenômenos ocorrem em pacientes
histéricos e nos acessos hipnóticos do grande histerismo.
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