sexta-feira, 9 de junho de 2023

NAS LUTAS DA VIDA[1]

 


André Henrique de Siqueira −  junho/2023

 

A melancolia é sentimento de tristeza que invade o coração humano em momentos de dificuldade ou profunda reflexão. Tem causas diversificadas mas exige atenção pelo potencial de prejuízo que pode causar quando não é devidamente tratada. O Espiritismo fornece elementos adicionais de compreensão para os desafios da vida e propõe na prece recurso lenitivo das aflições, fortalecendo a alma para as árduas lutas no campo do aprimoramento espiritual

 

Introdução

O sentimento de melancolia representa um estado de insatisfação diante de situações que, em nosso julgamento, deveriam ser melhores. Aparece como um tema comum na literatura, na filosofia e na psicologia. Trata-se de uma emoção que muitas pessoas experimentam em algum momento de suas vidas.

O termo tem origem grega e significa bílis negra. Na medicina antiga, a melancolia era considerada uma doença causada pelo excesso de bílis negra no corpo. Hoje, a ciência compreende que a melancolia é uma emoção que pode ser causada por uma variedade de fatores, incluindo eventos traumáticos, estresse crônico e desequilíbrios químicos no cérebro.

Frequentemente considerada uma emoção negativa, devido à sua associação a sintomas de depressão e ansiedade, há um crescente movimento de estudiosos que classificam a melancolia como uma parte importante da experiência humana, permitindo que as pessoas processem eventos traumáticos e enfrentem desafios.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo[2] encontramos significativa mensagem do Espírito François de Genève a respeito da melancolia:

 

Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos corações e vos leva a considerar amarga a vida? É que vosso Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se esgota, jungido ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele. Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais infelizes.

Crede-me, resisti com energia a essas impressões que vos enfraquecem a vontade. São inatas no espírito de todos os homens as aspirações por uma vida melhor; mas, não as busqueis neste mundo e, agora, quando Deus vos envia os Espíritos que lhe pertencem, para vos instruírem acerca da felicidade que Ele vos reserva, aguardai pacientemente o anjo da libertação, para vos ajudar a romper os liames que vos mantêm cativo o Espírito. Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra.

 

Esse Espírito esteve na Terra sob o nome de François de Sales que, em 1583, entrou para o Collège Clermont, em Paris, uma instituição jesuíta, para estudar Retórica e Humanidades. Ao participar de uma discussão teológica sobre predestinação, ele se convenceu que estava condenado ao inferno, o que o colocou numa profunda crise de melancolia, da qual só saiu em dezembro de 1586. Durante esse período, ficou tão doente a ponto de passar um tempo na cama sem poder se levantar.

Conta a história que, em janeiro de 1587, com grande dificuldade, François visitou a antiga paróquia de Saint-Étienne-des-Grès, em Paris, onde se ajoelhou em oração perante uma famosa estátua de Nossa Senhora do Livramento e, depois de melhorar significativamente, consagrou-se à Virgem Maria e decidiu dedicar sua vida a Deus, tornando-se um nome notável na tradição da Igreja Católica Apostólica Romana: São Francisco de Sales.

A mensagem sobre a melancolia, apresentada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, destaca-a em uma de suas causas espirituais:

 

[…] vosso Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se esgota, jungido ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele. Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais infelizes.

 

Francisco de Sales destaca um aspecto de desespero no qual o Espírito encarnado desanima, devido a pensamentos de desolação, que culminam numa situação de abatimento físico e moral. Mas alerta:

 

Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos.

 

Precisamos compreender alguns aspectos fundamentais para a adequada apreciação da mensagem, como recurso de esclarecimento ante os desafios da vida.

 

Dos objetivos da encarnação

A encarnação é definida, pelo Espiritismo, como a vinda do Espírito para o corpo material de modo a experimentar os desafios da existência material. Em O Livro dos Espíritos[3] encontramos significativa questão sobre o tema:

 

132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?

Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, “têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal”: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.

A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo. Deus, porém, na Sua sabedoria, quis que nessa mesma ação eles encontrassem um meio de progredir e de se aproximar dele. Deste modo, por uma admirável lei da Providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.

 

Esclarecem os Espíritos que o propósito da encarnação é o progresso. Para uns é uma forma de corrigir erros cometidos, na forma de expiação, e para outros é um desafio de empregar suas potencialidades na colaboração à Natureza das coisas, na forma de missão. Contudo, os benfeitores destacam que todos necessitamos, em nossa jornada de progresso, sofrer todas as vicissitudes da existência corporal.

O sofrimento caracteriza-se pela submissão a forças e condições que estão além de nosso domínio. Se na ação somos os agentes dotados de livre-arbítrio para definir o rumo das coisas, no sofrimento somos pacientes submetidos às vicissitudes de circunstâncias que nos colocam em condições de padecimento educativo. Ambas as situações – de ação ou de sofrimento – são oportunidades de aprendizado que a vida nos oferece para edificar uma compreensão efetiva das Leis que regem a realidade e que nos convidam a uma conduta coerente.

 

A luta é árdua

A vida se mostra como um desafio constante. A palavra luta tem origem no latim lucta, que significa combate, briga, que vem do verbo luctari, que significa lutar, brigar, pelejar, originalmente aplicado em sentido esportivo: uma luta era uma disputa por mostrar mais habilidade e força que o oponente. Ao longo do tempo, o termo também passou a ser usado para se referir a outros tipos de disputas: batalhas por causas políticas, sociais ou ideológicas.

Em sentido espiritual, a vida é uma luta, que nos coloca em oposição a quem somos para demonstrar suficiente força e habilidade para nos tornarmos melhores. Para isso lutamos contra nossos impulsos desequilibrados, contra nossos hábitos malfazejos e contra nossos sentimentos infelizes. Lutamos no cenário da vida, auxiliados pelos desafios do cotidiano e amparados pela resistência da matéria, que nos convida ao esforço da ação e nos submete às lições do sofrimento.

Na luta da vida sentimos o cansaço natural dos que fazem esforços. E nosso cansaço é de natureza física, intelectual e sentimental, pois corpo e mente estão envolvidos na construção de nossa nova realidade. Quando descuidamos de alimentar nossas almas com ideais superiores, de cultivar sentimentos reparadores na prática da justiça, do amor e da caridade – na busca efetiva da felicidade pelo desejo do bom e do belo, então sentimos um cansaço peculiar que nos intimida a existência: a melancolia espiritual.

O estado de melancolia espiritual é caracterizado por uma ausência de significado do que fazemos e do que buscamos. Causa uma indiferença existencial e inicia, bastas vezes, os processos determinantes da depressão: debilidades psicológicas e desequilíbrios neurofisiológicos que impactarão a vida íntima e social da criatura.

 

A vanguarda na Terra enfrenta percalços

A busca de valores efetivos para a vida exige atenção e esforço no campo da educação de nós mesmos. Não conseguiremos usufruir das conquistas do Espírito sem o natural esforço de disciplinar a mente e equilibrar as emoções e sentimentos. É no campo da ação efetiva, domínio da manifestação de nosso livre-arbítrio engajado na construção de obras físicas, intelectuais e morais, que conseguiremos estabelecer o edifício de nossa própria felicidade.

O empreendimento da felicidade não é instantâneo nem solitário. Não há felicidade efetiva onde não há compartilhamento de alegrias e trabalho efetivo pelo bem-estar de todos. Então, o esforço de felicidade encontra resistências e percalços.

São os que desejam permanecer em regime de injustiça, para usufruir egoisticamente das ilusões que os dilacerarão.

As circunstâncias de deboche nas quais a alma operosa no bem é dilacerada pela incompreensão malsã.

As perseguições gratuitas em que se pretende interromper o trabalho de burilamento, no qual o esforço edificante aprimora a si e aos circunstantes no labor efetivo de compreender e praticar o bem.

As críticas malfazejas que pretendem desestimular o que pode causar ofuscamento ao ilusório brilho individual dos que cultivam a ignorância alheia como recurso de diferenciação.

Em todos os casos, é necessário o discernimento da emoção e a lucidez do equilíbrio tornando o autoconhecimento num instrumento eficaz para a identificação e resolução dos conflitos íntimos, em busca de estados melhores.

 

As fontes de suprimento espiritual permanecem a postos

Reconhecer os momentos de dificuldade espiritual é instrumento chave para a libertação da melancolia espiritual.

Uma vez caracterizado o estado de desesperança, é conveniente buscar as fontes superiores do suprimento espiritual pelo mecanismo da prece, da meditação e da oração.

Embora prece e oração muitas vezes sejam usadas como sinônimos, há uma sutil diferença em seus significados efetivos, no âmbito da cultura humana.

A prece é uma forma de comunicação informal e espontânea com uma divindade ou poder espiritual. Geralmente, a prece é feita para pedir ajuda, orientação ou proteção e para agradecer e louvar, isto é, reconhecer concessões e oportunidades. As preces podem ser faladas ou silenciosas e podem ser realizadas individualmente ou em grupo. A prece é, assim, considerada um ato espontâneo de súplica, agradecimento ou devoção.

A oração, por outro lado, é uma forma mais ampla e sistemática de comunicação com o divino. Pode incluir preces, meditação, contemplação e reflexões sobre questões espirituais ou existenciais. A oração pode ser vista como um processo mais formal, que exige mais preparação e esforço íntimo para que o indivíduo encontre uma conexão mais profunda com o sagrado e com sua própria espiritualidade.

Na perspectiva espírita, vamos encontrar em O Livro dos Espíritos[4]:

 

659. Qual o caráter geral da prece?

− A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com ele. A três coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir, agradecer.

 

A prece é entendida como um ato de integração com Deus, compreendido pelo Espiritismo como a essência da realidade: inteligência suprema, causa primária de todas as coisas[5].

Pela prece, a criatura busca compreender-se e compreender as circunstâncias que a realidade lhe impõe para empreender a melhoria de si mesmo. Com a busca por tal integração, o ser humano eleva suas aspirações e, no encontro com o sagrado – aquilo que traz propósito efetivo e dá significado a todas as coisas, alimenta sua alma e torna mais suportável e compreensível as árduas lições da vida.

A Providência Divina nos oferece sempre as fontes de suprimento espiritual e é pela prece, ou oração, que elevamos o nosso pensamento a Deus buscando compreender a realidade das coisas e haurir as forças necessárias para fazer o nosso melhor, em benefício dos outros e de nós mesmos.

 

Há uma supervisão espiritual no progresso humano

É justo reconhecer que em nosso esforço de luta espiritual, em busca da melhoria e do progresso intelectual e moral, não estamos desamparados ou sozinhos.

Ao questionar a espiritualidade acerca da utilidade da prece na melhoria do Espírito, Kardec recebe elevado esclarecimento da parte dos benfeitores da Vida Maior[6]:

 

660. A prece torna melhor o homem?

− Sim, porquanto aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.

 

Vemos que não faltarão os recursos necessários para a espiritualização efetiva. Os bons Espíritos, que nos secundam o esforço de melhoria, assistem-nos em nossas lutas e desafios.

Recordemos que tratando acerca do mundo espiritual e das missões que os Espíritos desempenham, Allan Kardec já havia perguntado[7]:

 

489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?

− Há o ”irmão espiritual”, o que chamais o “bom Espírito” ou o “bom gênio”.

 

490. Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo guardião?

− O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.

 

491. Qual a missão do Espírito protetor?

− A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.

 

Almas muito dedicadas nos assistem em nossos desafios de espiritualização! É necessário que estejamos atentos para porfiar nas lutas de melhoria pessoal e coletiva.

Ante as dificuldades que nos assolam ou diante dos problemas que se multiplicam, evitemos a melancolia e busquemos a prece!

Aprendamos a reconhecer os nossos estados de perigo espiritual, nos quais a desesperança ou o pessimismo nos invadem a alma confiando-nos à reclamação ou à ociosidade doentia. Inspiremo-nos no conforto do conhecimento, busquemos a prece e a meditação como recursos de fortalecimento espiritual, procurando meditar nos profundos significados que a vida nos oferece e intentando reconhecer os benefícios que as experiências nos possibilitam, no rumo da melhoria espiritual.

Recordemos, as recomendações do Espírito François de Genève2:

 

Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra.



[1] MUNDO ESPÍRITA − Junho de 2023 − Número 1667 − Ano 90

[2] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1996. cap. V, item 25.

[3] ______.  O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995. pt. 2, cap. II, q. 132.

[4] Op. cit. pt. 3, cap. II, q. 659.

[5] Op. cit. pt. 1, cap. I, q. 1.

[6] Op. cit. pt. 3, cap. II, q. 660.

[7] Op. cit. pt. 2, cap. IX, q. 489.

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