André Henrique de Siqueira − junho/2023
A melancolia é sentimento de
tristeza que invade o coração humano em momentos de dificuldade ou profunda
reflexão. Tem causas diversificadas mas exige atenção pelo potencial de
prejuízo que pode causar quando não é devidamente tratada. O Espiritismo
fornece elementos adicionais de compreensão para os desafios da vida e propõe
na prece recurso lenitivo das aflições, fortalecendo a alma para as árduas
lutas no campo do aprimoramento espiritual
Introdução
O sentimento de melancolia
representa um estado de insatisfação diante de situações que, em nosso
julgamento, deveriam ser melhores. Aparece como um tema comum na literatura, na
filosofia e na psicologia. Trata-se de uma emoção que muitas pessoas
experimentam em algum momento de suas vidas.
O termo tem origem grega e
significa bílis negra. Na medicina antiga, a melancolia era considerada uma
doença causada pelo excesso de bílis negra no corpo. Hoje, a ciência compreende
que a melancolia é uma emoção que pode ser causada por uma variedade de
fatores, incluindo eventos traumáticos, estresse crônico e desequilíbrios
químicos no cérebro.
Frequentemente considerada uma
emoção negativa, devido à sua associação a sintomas de depressão e ansiedade,
há um crescente movimento de estudiosos que classificam a melancolia como uma
parte importante da experiência humana, permitindo que as pessoas processem
eventos traumáticos e enfrentem desafios.
Em O Evangelho Segundo o
Espiritismo[2] encontramos
significativa mensagem do Espírito François de Genève a respeito da melancolia:
Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera
dos vossos corações e vos leva a considerar amarga a vida? É que vosso
Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se esgota, jungido ao corpo que
lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele. Reconhecendo inúteis
esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a influência,
toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais
infelizes.
Crede-me, resisti com energia a essas impressões que
vos enfraquecem a vontade. São inatas no espírito de todos os homens as
aspirações por uma vida melhor; mas, não as busqueis neste mundo e, agora,
quando Deus vos envia os Espíritos que lhe pertencem, para vos instruírem
acerca da felicidade que Ele vos reserva, aguardai pacientemente o anjo da
libertação, para vos ajudar a romper os liames que vos mantêm cativo o
Espírito. Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de
desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa
família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no
curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós
desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos
para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à
companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo
entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região
inacessível às aflições da Terra.
Esse Espírito esteve na Terra
sob o nome de François de Sales que, em 1583, entrou para o Collège Clermont,
em Paris, uma instituição jesuíta, para estudar Retórica e Humanidades. Ao
participar de uma discussão teológica sobre predestinação, ele se convenceu que
estava condenado ao inferno, o que o colocou numa profunda crise de melancolia,
da qual só saiu em dezembro de 1586. Durante esse período, ficou tão doente a
ponto de passar um tempo na cama sem poder se levantar.
Conta a história que, em janeiro
de 1587, com grande dificuldade, François visitou a antiga paróquia de
Saint-Étienne-des-Grès, em Paris, onde se ajoelhou em oração perante uma famosa
estátua de Nossa Senhora do Livramento e, depois de melhorar
significativamente, consagrou-se à Virgem Maria e decidiu dedicar sua vida a
Deus, tornando-se um nome notável na tradição da Igreja Católica Apostólica
Romana: São Francisco de Sales.
A mensagem sobre a melancolia,
apresentada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, destaca-a em uma de
suas causas espirituais:
[…] vosso Espírito, aspirando à felicidade e à
liberdade, se esgota, jungido ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos
esforços para sair dele. Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo
e, como o corpo lhe sofre a influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma
espécie de apatia, e vos julgais infelizes.
Francisco de Sales destaca um
aspecto de desespero no qual o Espírito encarnado desanima, devido a
pensamentos de desolação, que culminam numa situação de abatimento físico e
moral. Mas alerta:
Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra,
tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à
vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se,
no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós
desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos
para os suportar. Afrontai-os resolutos.
Precisamos compreender alguns aspectos
fundamentais para a adequada apreciação da mensagem, como recurso de
esclarecimento ante os desafios da vida.
Dos objetivos da encarnação
A encarnação é definida, pelo
Espiritismo, como a vinda do Espírito para o corpo material de modo a
experimentar os desafios da existência material. Em O Livro dos Espíritos[3]
encontramos significativa questão sobre o tema:
132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?
Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão.
Mas, para alcançarem
essa perfeição,
“têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal”: nisso é que
está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito
em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para
executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia
com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de
vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele
próprio se adianta.
A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha
do Universo. Deus, porém, na Sua sabedoria, quis que nessa mesma ação eles encontrassem um
meio de progredir e de se aproximar dele. Deste modo, por uma admirável lei da
Providência,
tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.
Esclarecem os Espíritos que o
propósito da encarnação é o progresso. Para uns é uma forma de corrigir erros
cometidos, na forma de expiação, e para outros é um desafio de empregar suas
potencialidades na colaboração à Natureza das coisas, na forma de missão.
Contudo, os benfeitores destacam que todos necessitamos, em nossa jornada de
progresso, sofrer todas as vicissitudes da existência corporal.
O sofrimento caracteriza-se pela
submissão a forças e condições que estão além de nosso domínio. Se na ação
somos os agentes dotados de livre-arbítrio para definir o rumo das coisas, no
sofrimento somos pacientes submetidos às vicissitudes de circunstâncias que nos
colocam em condições de padecimento educativo. Ambas as situações – de ação ou
de sofrimento – são oportunidades de aprendizado que a vida nos oferece para
edificar uma compreensão efetiva das Leis que regem a realidade e que nos
convidam a uma conduta coerente.
A luta é árdua
A vida se mostra como um desafio
constante. A palavra luta tem origem no latim lucta, que significa
combate, briga, que vem do verbo luctari, que significa lutar, brigar,
pelejar, originalmente aplicado em sentido esportivo: uma luta era uma disputa
por mostrar mais habilidade e força que o oponente. Ao longo do tempo, o termo
também passou a ser usado para se referir a outros tipos de disputas: batalhas
por causas políticas, sociais ou ideológicas.
Em sentido espiritual, a vida é
uma luta, que nos coloca em oposição a quem somos para demonstrar suficiente
força e habilidade para nos tornarmos melhores. Para isso lutamos contra nossos
impulsos desequilibrados, contra nossos hábitos malfazejos e contra nossos
sentimentos infelizes. Lutamos no cenário da vida, auxiliados pelos desafios do
cotidiano e amparados pela resistência da matéria, que nos convida ao esforço
da ação e nos submete às lições do sofrimento.
Na luta da vida sentimos o
cansaço natural dos que fazem esforços. E nosso cansaço é de natureza física,
intelectual e sentimental, pois corpo e mente estão envolvidos na construção de
nossa nova realidade. Quando descuidamos de alimentar nossas almas com ideais
superiores, de cultivar sentimentos reparadores na prática da justiça, do amor
e da caridade – na busca efetiva da felicidade pelo desejo do bom e do belo,
então sentimos um cansaço peculiar que nos intimida a existência: a melancolia
espiritual.
O estado de melancolia
espiritual é caracterizado por uma ausência de significado do que fazemos e do
que buscamos. Causa uma indiferença existencial e inicia, bastas vezes, os
processos determinantes da depressão: debilidades psicológicas e desequilíbrios
neurofisiológicos que impactarão a vida íntima e social da criatura.
A vanguarda na Terra enfrenta percalços
A busca de valores efetivos para
a vida exige atenção e esforço no campo da educação de nós mesmos. Não
conseguiremos usufruir das conquistas do Espírito sem o natural esforço de
disciplinar a mente e equilibrar as emoções e sentimentos. É no campo da ação
efetiva, domínio da manifestação de nosso livre-arbítrio engajado na construção
de obras físicas, intelectuais e morais, que conseguiremos estabelecer o
edifício de nossa própria felicidade.
O empreendimento da felicidade
não é instantâneo nem solitário. Não há felicidade efetiva onde não há
compartilhamento de alegrias e trabalho efetivo pelo bem-estar de todos. Então,
o esforço de felicidade encontra resistências e percalços.
São os que desejam permanecer em
regime de injustiça, para usufruir egoisticamente das ilusões que os
dilacerarão.
As circunstâncias de deboche nas
quais a alma operosa no bem é dilacerada pela incompreensão malsã.
As perseguições gratuitas em que
se pretende interromper o trabalho de burilamento, no qual o esforço edificante
aprimora a si e aos circunstantes no labor efetivo de compreender e praticar o
bem.
As críticas malfazejas que
pretendem desestimular o que pode causar ofuscamento ao ilusório brilho
individual dos que cultivam a ignorância alheia como recurso de diferenciação.
Em todos os casos, é necessário
o discernimento da emoção e a lucidez do equilíbrio tornando o autoconhecimento
num instrumento eficaz para a identificação e resolução dos conflitos íntimos,
em busca de estados melhores.
As fontes de suprimento espiritual permanecem a postos
Reconhecer os momentos de
dificuldade espiritual é instrumento chave para a libertação da melancolia
espiritual.
Uma vez caracterizado o estado
de desesperança, é conveniente buscar as fontes superiores do suprimento
espiritual pelo mecanismo da prece, da meditação e da oração.
Embora prece e oração muitas
vezes sejam usadas como sinônimos, há uma sutil diferença em seus significados
efetivos, no âmbito da cultura humana.
A prece é uma forma de comunicação
informal e espontânea com uma divindade ou poder espiritual. Geralmente, a
prece é feita para pedir ajuda, orientação ou proteção e para agradecer e
louvar, isto é, reconhecer concessões e oportunidades. As preces podem ser
faladas ou silenciosas e podem ser realizadas individualmente ou em grupo. A
prece é, assim, considerada um ato espontâneo de súplica, agradecimento ou
devoção.
A oração, por outro lado, é uma
forma mais ampla e sistemática de comunicação com o divino. Pode incluir
preces, meditação, contemplação e reflexões sobre questões espirituais ou
existenciais. A oração pode ser vista como um processo mais formal, que exige
mais preparação e esforço íntimo para que o indivíduo encontre uma conexão mais
profunda com o sagrado e com sua própria espiritualidade.
Na perspectiva espírita, vamos
encontrar em O Livro dos Espíritos[4]:
659. Qual o caráter geral da prece?
− A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar
nele; é aproximar-se dele; é pôr-se
em comunicação
com ele. A três
coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir, agradecer.
A prece é entendida como um ato
de integração com Deus, compreendido pelo Espiritismo como a essência da
realidade: inteligência suprema, causa primária de todas as coisas[5].
Pela prece, a criatura busca
compreender-se e compreender as circunstâncias que a realidade lhe impõe para
empreender a melhoria de si mesmo. Com a busca por tal integração, o ser humano
eleva suas aspirações e, no encontro com o sagrado – aquilo que traz propósito
efetivo e dá significado a todas as coisas, alimenta sua alma e torna mais
suportável e compreensível as árduas lições da vida.
A Providência Divina nos oferece
sempre as fontes de suprimento espiritual e é pela prece, ou oração, que
elevamos o nosso pensamento a Deus buscando compreender a realidade das coisas
e haurir as forças necessárias para fazer o nosso melhor, em benefício dos
outros e de nós mesmos.
Há uma supervisão espiritual no progresso humano
É justo reconhecer que em nosso
esforço de luta espiritual, em busca da melhoria e do progresso intelectual e
moral, não estamos desamparados ou sozinhos.
Ao questionar a espiritualidade
acerca da utilidade da prece na melhoria do Espírito, Kardec recebe elevado
esclarecimento da parte dos benfeitores da Vida Maior[6]:
660. A prece torna melhor o homem?
− Sim, porquanto aquele que ora com fervor e confiança se faz mais forte contra
as tentações
do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que
jamais se lhe recusa, quando pedido com sinceridade.
Vemos que não faltarão os
recursos necessários para a espiritualização efetiva. Os bons Espíritos, que
nos secundam o esforço de melhoria, assistem-nos em nossas lutas e desafios.
Recordemos que tratando acerca
do mundo espiritual e das missões que os Espíritos desempenham, Allan Kardec já
havia perguntado[7]:
489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um
indivíduo para protegê-lo?
− Há o ”irmão espiritual”, o que chamais o “bom
Espírito” ou o “bom gênio”.
490. Que se deve entender por anjo de guarda ou anjo
guardião?
− O Espírito protetor, pertencente a uma ordem
elevada.
491. Qual a missão do Espírito protetor?
− A de um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido
pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida.
Almas muito dedicadas nos
assistem em nossos desafios de espiritualização! É necessário que estejamos
atentos para porfiar nas lutas de melhoria pessoal e coletiva.
Ante as dificuldades que nos
assolam ou diante dos problemas que se multiplicam, evitemos a melancolia e
busquemos a prece!
Aprendamos a reconhecer os
nossos estados de perigo espiritual, nos quais a desesperança ou o pessimismo
nos invadem a alma confiando-nos à reclamação ou à ociosidade doentia.
Inspiremo-nos no conforto do conhecimento, busquemos a prece e a meditação como
recursos de fortalecimento espiritual, procurando meditar nos profundos
significados que a vida nos oferece e intentando reconhecer os benefícios que
as experiências nos possibilitam, no rumo da melhoria espiritual.
Recordemos, as recomendações do
Espírito François de Genève2:
Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos
vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e
tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos.
Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que,
jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de
guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra.
[1] MUNDO ESPÍRITA − Junho de 2023 − Número 1667 −
Ano 90
[2] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Rio de Janeiro: FEB, 1996. cap. V, item 25.
[3] ______. O
Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995. pt. 2, cap. II, q. 132.
[4] Op. cit. pt. 3, cap. II, q. 659.
[5] Op. cit. pt. 1, cap. I, q. 1.
[6] Op. cit. pt. 3, cap. II, q. 660.
[7] Op. cit. pt. 2, cap. IX, q. 489.
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