quarta-feira, 17 de maio de 2023

SUICÍDIO POR OBSESSÃO[1]

 


Allan Kardec

 

Lê-se no Droit:

 

O Sr. Jean-Baptiste Sadoux, fabricante de canoas em Joinville-le-Pont, avistou ontem um jovem que, depois de ter vagueado por algum tempo sobre a ponte, subiu no parapeito e se jogou no Marne. Imediatamente foi em seu socorro e, ao cabo de sete minutos, retirou-o. Mas a asfixia já era completa, tendo sido infrutíferas todas as tentativas feitas para reanimar aquele infeliz.

Uma carta encontrada com ele revelou tratar-se do Sr. Paul D..., de vinte e dois anos, residente à rua Sedaine, em Paris. A carta, dirigida pelo suicida ao seu pai, era extremamente tocante. Pedia-lhe perdão por o abandonar e dizia que havia dois anos era dominado por uma ideia terrível, por uma irresistível vontade de se destruir. Acrescentava que lhe parecia ouvir fora da vida uma voz que o chamava sem tréguas e, malgrado todos os seus esforços, não podia impedir-se de ir para ela. Encontraram, também, no bolso do paletó, uma corda nova, na qual tinha sido feito um nó corredio. Depois do exame médico-legal, o corpo foi entregue à família.

 

A obsessão aqui está bem evidente, e o que não o está menos, é que o Espiritismo lhe é completamente estranho, nova prova de que esse mal não é inerente à crença. Mas, se o Espiritismo nada tem a ver com o caso, só ele pode dar a sua explicação. Eis a instrução dada a respeito por um dos nossos Espíritos familiares, e da qual ressalta que, malgrado o arrastamento a que o jovem cedeu para a sua infelicidade, não sucumbiu à fatalidade. Tinha o seu livre-arbítrio e, com mais vontade, poderia ter resistido. Se tivesse sido espírita, teria compreendido que a voz que o solicitava não podia ser senão a de um Espírito mau e as consequências terríveis de um instante de fraqueza.

 

(Paris – Grupo Desliens, 20 de dezembro de 1868 – Médium: Sr. Nivard)

 

A voz dizia: Vem! vem! Mas essa voz do tentador teria sido ineficaz, se a ação direta do Espírito não se tivesse feito sentir.

O pobre suicida era chamado e era impelido. Por quê? Seu passado era a causa da situação dolorosa em que se achava; apegava-se à vida e temia a morte. Mas, pergunto, nesse apelo incessante que ouvia, encontrou força? Não; hauriu a fraqueza que o perdeu.

Superou os temores, porque, enfim, esperava encontrar do outro lado da vida o repouso que o lado de cá lhe negava. Foi enganado: o repouso não veio. As trevas o cercam, sua consciência lhe censura o ato de fraqueza e o Espírito que o arrastou escarnece ao seu redor e o criva de motejos constantes. O cego não o vê, mas escuta a voz que lhe repete: Vem! vem! E depois zomba de suas torturas.

A causa deste caso de obsessão está no passado, como acabo de dizer; o próprio obsessor foi impelido ao suicídio por esse que acaba de fazer cair no abismo. Era sua mulher na existência precedente e tinha sofrido consideravelmente com a devassidão e as brutalidades de seu marido. Muito fraca para aceitar com resignação e coragem a situação que lhe era dada, buscou na morte um refúgio contra seus males. Vingou-se depois, e sabeis como.

Entretanto, o ato desse infeliz não era fatal; tinha aceito os riscos da tentação; esta era necessária ao seu adiantamento, porque só ela podia fazer desaparecer a mancha que havia sujado sua existência anterior. Aceitara seus riscos com a esperança de ser mais forte e se havia enganado: sucumbiu. Recomeçará mais tarde; resistirá? Isto dependerá dele.

Rogai a Deus por ele, a fim de que lhe dê a calma e a resignação de que tanto necessita, a coragem e a força para não falir nas provas que tiver de suportar mais tarde.

Louis Nivard



[1] Revista Espírita – Janeiro/1869 – Allan Kardec

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