A epilepsia é uma doença que
afeta o sistema nervoso e que se caracteriza pela existência de crises
recorrentes[2].
Durante essas convulsões epiléticas pode haver perda da consciência
concomitante a episódios de movimentos descontrolado do corpo. Em geral, as
crises têm curta duração mas, se excederem 5 minutos, necessitam de cuidado
médico especial. Crises epiléticas podem resultar em acidentes severos, basta
imaginar sua ocorrência no trânsito, por exemplo. Não obstante a existência de
muitas drogas avançadas, 30% dos pacientes não tem controle sobre as crises.
As causas para a epilepsia são
inúmeras[3]:
influência genética, traumas, anormalidades no cérebro, infecções, desordens no
desenvolvimento etc. Sua ocorrência está ligada a mudanças na estrutura neural
do cérebro. Também existem complicadores tais como a idade, o histórico
familiar, a incidência de acidentes vasculares, infecções e demência.
O que acontece à consciência
durante a crise epilética é um assunto de interesse científico recente. Há
crises em que não ocorre perda da consciência e outras em que ela é afetada.
Durante as crises3, pacientes podem experimentar a sensação de dejà-vu
− quando têm a nítida impressão de já terem vivenciado a situação. Ou o seu
oposto ocorre: um "jamais vu", em que perdem a capacidade de
reconhecer o ambiente em que estão.
Por causa da natureza espiritual
do ser humano, existem, entretanto, outras experiências "anômalas"
registradas durante as crises epiléticas. Exemplos interessantes são descritos
por Greyson
et al (2014)[4], artigo
que encontramos depois das indicações em “Muito além dos Neurônios”[5]
do dr. Nubor O. Facure. Ao se encontrar o primeiro artigo, é possível achar
outros como[6],
[7].
Experiências fora do corpo são
conhecidas na literatura médica como um "fenômeno autoscópico". Nele
o paciente vê a si mesmo como se estivesse fora de seu corpo. No artigo4,
os autores encontraram que, em uma amostra de 100 pacientes, 7 descreveram
experiências que podem ser consideradas autoscopias em crises epiléticas. Não
há correlação sobre a incidência dessas experiências com outros fatores como
demografia, histórico médico, idade, frequência e duração das crises. Para cada
paciente que teve a experiência, a taxa de incidência é baixa, da ordem de uma
ou duas ao longo de vários anos. Dessa forma, não se pode associar sua
ocorrência a outros fatores tais como medicamentos usados ou mudanças nas
condições de saúde.
Recorremos a4 para
conhecer algumas das experiências vividas em crises epiléticas. Depois de
descrever detalhes do quadro clínico dos casos reportados, os autores passam a
sumarizar suas autoscopias:
1) Uma paciente de 28 anos que
apresentou o maior número de experiências e percepções verificáveis:
Ela relatou deixar seu corpo durante cada convulsão
parcial complexa: enquanto seu corpo ficava imóvel, ela sentia que estava
flutuando acima dele, e que podia ver seu corpo e os arredores desde cima. No
entanto, ela relatou uma dupla consciência em que, embora parecendo pairar
acima de seu corpo, também permanecia consciente das sensações corporais.
Relatou que, se alguém tocasse seu corpo, tinha a sensação de se
"encaixar" de volta nele, o que resultava no fim da convulsão. A
experiência de estar fora de seu corpo foi desagradável e alarmante, já que
temia que algo pudesse acontecer ao seu corpo por estar fora de seu controle.
Acreditava que suas percepções visuais extracorpóreas eram precisas e que se
encontrava fisicamente separada de seu corpo. Mas não atribuiu qualquer
significado espiritual a esse evento, considerando-o "apenas algo que acontece" quando
seu cérebro falha.
2) Uma paciente de 30 anos com
cerca de 300 crises por mês desde os 15 anos:
Ela relatou 2–3 experiências extracorpóreas associadas
a convulsões, que duraram entre 10 e 20 segundos. Afirmou que se sentiu
levantar, olhando para baixo e vendo seu corpo inerte, e que podia ver e ouvir
outras pessoas. Declarou se sentir leve durante a experiência que foi para ela
assustadora.
Embora a impressão realística, a experiência passada
parece a ela rebuscada e vaga, confundindo-se com sua imaginação.
3) Um paciente de 43 anos que apresentou
quadro de crises depois de um trauma cerebral aos 25 anos:
Ele relatou uma (única) experiência extracorpórea
associada a uma convulsão: afirmou que estava acordado durante a convulsão e se
viu passando por ela, inclinado sobre um dos joelhos. Percebeu que seu irmão
entrou na sala e tentou dizer algo ao irmão para impedir (sua crise). Alegou
ter tido dupla consciência, pois sentiu as sensações corporais de passar pela
convulsão, mas também se observou passando por ela.
Esse paciente também declarou que a memória da
experiência se apresenta a ele agora como um sonho.
A sensação de bicorporiedade é
evidente por esses relatos, uma vez que as percepções entram por duas vias: a
do corpo físico e a do corpo espiritual desdobrado durante os breves momentos
de crise epilética. Os autores em4
consideram que, ainda que não seja "clinicamente" possível distinguir
tais experiências de meras ilusões, é possível corroborar os fatos descritos
pelos pacientes na experiência extracorpórea com o que de fato ocorreu durante
as crises.
Uma importante conclusão é feita
pelos autores em4 sobre o que parecem sugerir os dados de tais
experiências produzidos por pacientes de crises epiléticas (grifo nosso):
No entanto, pode ser prematuro concluir dessas
correlações sugestivas que as experiências extracorpóreas são um epifenômeno de
condições neurofisiológicas particulares. Conforme observado acima, as
distorções da imagem corporal provocadas pela estimulação elétrica ou magnética
do cérebro diferem relevantemente e fenomenologicamente das experiências fora
do corpo espontâneas. Os dados deste estudo sugerem que experiências
extracorpóreas associadas a convulsões não estão ligadas a nenhuma região do
cérebro. Além disso, as descobertas de que experiências fora do corpo foram
relatadas com menos frequência em pacientes com epilepsia do que na população
em geral, e que pacientes com epilepsia as descrevem em apenas uma pequena
minoria de suas convulsões, alertam que a inferência de um nexo causal entre a
atividade convulsiva e as experiências fora do corpo é problemática.
Colocando-se de outra forma:
As experiências fora do corpo em crises epiléticas não
são meros "epifenômenos" gerados por condições fisiológicas
particulares;
Não se pode associar os relatos dessas anomalias
percepticas a regiões específicas do cérebro. No caso de pacientes epiléticos,
as lesões ocorrem em diversas partes. Isso enfraquece a tese de que os
desdobramentos seriam "gerados em regiões específicas do cérebro" e,
de novo, meros epifenômenos;
Não se pode ter pressa em afirmar nexo causal entre as
crises e as experiências fora do corpo porque elas não ocorrem sempre, não há
controle nem repetição do evento a cada crise, o que difere de outras
alterações na consciência muito mais comuns durante as crises.
Mais detalhes sobre esse e
outros estudos interessantes, o leitor poderá obter ao ler os trabalhos
sugeridos 4-7.
[3] Mayo Clinic (2023). Explaining epilepsy. https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/epilepsy/symptoms-causes/syc-20350093 (acesso em
fevereiro de 2023)
[4] Greyson, B., Fountain, N. B., Derr, L. L., &
Broshek, D. K. (2014). Out-of-body experiences associated with seizures.
Frontiers in human neuroscience, 8, 65. Ver: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnhum.2014.00065/full (acesso em
fevereiro de 2023)
[5] Facure N (2009). Muito além dos neurônios. Ed: São
Paulo, FE Editora Jornalística, 5a edição.
[6] Devinsky, O., Feldmann, E., Burrowes, K., &
Bromfield, E. (1989). Autoscopic phenomena with seizures. Archives of
Neurology, 46(10), 1080-1088. https://jamanetwork.com/journals/jamaneurology/article-abstract/589440
[7] Greyson, B., Broshek, D. K., Derr, L. L., &
Fountain, N. B. (2015). Mystical experiences associated with seizures.
Religion, Brain & Behavior, 5(3), 182-196. https://med.virginia.edu/perceptual-studies/wp-content/uploads/sites/360/2018/06/Mystical-experiences-associated-with-seizures.pdf
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