William Blake -"Os anjos bons e maus"
Anselmo Ferreira Vasconcelos
Toda criatura humana retorna à
ribalta da vida material carregando em seu átrio um conjunto de metas a
cumprir, isto é, fracassos e desajustes a reparar, virtudes e capacitações a
desenvolver, aprendizados para aperfeiçoar o comportamento e os sentimentos,
lições de vida para assimilar e situações de testemunho, que aferirão, por fim,
o seu real progresso espiritual. As experiências redentoras serão mais ou menos
acentuadas a depender dos seus compromissos e débitos perante as leis divinas.
Nesse sentido, cada um de nós
tem a sua própria história de erros e desacertos. E por não termos alcançado a
necessária elevação, tropeçamos, não raro, em nossas imperfeições e defeitos
milenares.
No decorrer da vida, a maioria
das pessoas tende a internalizar o dever de não praticar o mal e realizar o
bem. Ocorre que, entre esses dois extremos, há um estágio intermediário
representado pela omissão comportamental. Trata-se de uma postura igualmente
comprometedora à evolução das criaturas, embora muito praticada, conforme
atestam as evidências. Aliás, cabe destacar que muitas atrocidades foram
cometidas ao longo da trajetória humana devido à omissão dos atores envolvidos.
O próprio Jesus, nas horas mais pungentes do seu messianato, sentiu-a através
do abandono dos seus seguidores e beneficiados.
O assunto merece profunda
reflexão, já que vivemos num mundo onde a noção do bem não foi devidamente
instalada não apenas por causa da prevalência do mal, mas também pela nossa
omissão em sufocá-lo. Allan Kardec explorou o tema na questão 642, d’O Livro
dos Espíritos, ao indagar as entidades espirituais o seguinte:
− Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura,
bastará que o homem não pratique o mal?
− Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças,
porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o
bem.
Notem que a neutralidade aqui em
nada contribuí para o bem-estar espiritual do indivíduo claudicante.
O assunto é retomado na obra O
Céu e o Inferno no trecho:
[...] Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o
resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o
Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de
fazer na vida terrestre.
Segue daí, portanto, que a
ausência de atitudes concretas na direção do bem provoca consideráveis
infortúnios ao Espírito tergiversante. Assim sendo, consoante a conclusão do
Codificador, “A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra — tal é a
lei da Justiça divina”.
Quando olhamos a abundante
imperfeição presente nas instituições, nos governos, nos ambientes de trabalho,
no funcionamento das sociedades e sobretudo nas relações humanas, identificamos
também que o imperativo do bem não é uma prioridade. Infelizmente, deixamos de
praticá-lo em situações e contextos onde a nossa boa vontade e empatia são
altamente requeridas. Não cogitamos que pequenas ações e iniciativas de nossa
parte poderiam ser implementadas, o que certamente redundariam em benefícios
aos nossos semelhantes. Com efeito, o nosso engajamento em fazer o bem, além de
ajudar em nossa própria autoiluminação, atenua as agruras dos nossos irmãos.
Desse modo, evitar a prática maléfica constitui apenas um dos nossos desafios.
Mas não é suficiente à nossa evolução.
Por isso, alerta-nos com
propriedade o Espírito Emmanuel, no livro “Justiça Divina” (psicografia de
Francisco Cândido Xavier):
Asseveras não haver praticado o
mal; contudo, reflete no bem que deixaste a distância.
Não permitas que a omissão se erija
em teu caminho, por chaga irremediável.
Imagina-te à frente do amigo
necessitado a quem podes favorecer.
Não te detenhas a examinar
processos de auxílio.
[...]
Não percas a divina oportunidade de
estender a alegria.
[...]
Faze, em cada minuto, o melhor que
puderes.
Contudo, deixamos de fazer por
inúmeras razões – até por pura indiferença, ou casuísmo – coisas boas e
positivas que, em muitas ocasiões, estão ao nosso alcance e não exigem nenhum
grande esforço de nossa parte em realiza-las. Mais ainda: não percebemos que
elas poderiam aliviar a cruz dos nossos irmãos de jornada. Desperdiçamos,
devido à nossa incúria e imaturidade espiritual, oportunidades excepcionais de
fazer brilhar a nossa luz através dos sublimes mecanismos da solidariedade,
compaixão e boa-fé. Não cogitamos que nessas ocasiões estamos sendo
efetivamente testados pela providência divina. Não lembramos – muito menos
deduzimos − que concordamos em assumir e executar tarefas benéficas em prol dos
outros. No entanto, diante da oportunidade sagrada normalmente fracassamos.
Lamentavelmente, o comportamento omisso continua causando consideráveis
aflições em nosso mundo.
O Espírito Joanna de Ângelis, na
obra “Celeiro de Bênçãos” (psicografia de Divaldo Pereira Franco), faz
observações contundentes a respeito. Por exemplo, a elevada entidade afirma que:
A omissão, no entanto, é responsável pelo
desmoronamento de ideais enobrecedores com que a Humanidade sempre foi
contemplada, porquanto estimula a desordem, no silêncio conivente; açula a ira,
pela morbidez que dissemina; favorece a fuga dos dubitativos que se resolvem
pela atitude mais fácil. Omissão, é, também, ausência de firmeza de caráter,
covardia moral.
Para ela ainda,
O cristão omisso é alguém em vias de decomposição
emocional, que está em processo de morte sem o perceber. Desse modo, constrói
sempre e convictamente o bem em toda parte, comunicando entusiasmo e otimismo,
descobrindo, por fim, que o contágio do amor e da esperança...
Por outro lado, é comum nos
queixarmos dos problemas e obstáculos que surgem desafortunadamente em nosso
caminho. São experiências – perfeitamente evitáveis, em muitos casos −
sofríveis que adicionam mais transtorno às nossas vidas. Sendo essa a
realidade, meditemos se, de nossa parte, também nós contribuímos para isso
devido à nossa omissão e silêncio diante das coisas erradas. Vivendo num mundo
onde a imperfeição tudo abarca, podemos, pelo menos em nossa esfera de ação,
averiguar se o comportamento omisso ainda nos inspira. Com efeito, chegar no
plano espiritual carregando tal passivo só nos fará mal.
[1] O CONSOLADOR - Ano 16 - N° 803 - 18 de Dezembro de 2022
- http://www.oconsolador.com.br/ano16/803/ca2.html
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