Jorge Hessen
Há três décadas, havia no Brasil
38 milhões de famílias, com menos de dois filhos, em média, sendo que 18% das
mulheres chefiavam os seus lares, com renda, em geral, de 0,5 a 5 salários
mínimos, segundo o IBGE. Os dados mostraram um aumento do número de divórcios e
de famílias unicelulares e uma queda acentuada do número de registros de
casamentos, passando de um milhão, em 1985 para os 777 mil, em 1990[2].
A provável explicação para a
redução do número de casamentos e o aumento do número de separações e famílias
unicelulares, com certeza, foi a inserção maciça de mulheres no mercado de
trabalho, proporcionando-lhes maior independência, sob todos os aspectos. Até
então, o núcleo familiar tinha o homem como o centro das decisões e a mulher se
mantinha submissa, até mesmo, a grandes humilhações.
Com o aumento da renda, gerado
pelo trabalho da mulher, a ordem patriarcal desestruturou-se. Surgiram, a
partir daí, os diversos conflitos, os quais, não resolvidos, satisfatoriamente,
implicaram em separações. A rigor, a crise da família não é só econômica, há
muitas outras dificuldades de relacionamento entre os membros de um lar.
Quando as pessoas não conseguem
comunicar os seus sentimentos, as suas aspirações e a sua maneira de ser,
tangidos pelo monstro do egoísmo, irrompe-se o nódulo do desentendimento,
levando, em muitos casos, à ruptura dessas relações.
As novas funções do casal, na
família moderna, afetaram a estrutura tradicional do grupo doméstico. Na
família tradicional, o homem detinha o poder e a mulher cuidava do lar e dos
filhos. Atualmente, o homem (desempregado) passou a ser o cuidador do lar e a
mulher foi ocupar espaço no mercado de trabalho. O modelo atual de (des)arranjo
familiar passou por mudanças e por (des)estruturações nos seus papéis, em que,
como dissemos, a mulher passou a ocupar maior espaço no mercado de trabalho e
os homens assumiram, cada vez mais, o papel de cuidadores do lar. Dessa
maneira, no instante em que o homem experimenta a função de cuidador do lar,
sua condição de pátrio poder foi afetado[3],
comprometendo a vida do casal.
O casamento, considerando a
união permanente de dois seres, não é contrário à Lei da Natureza, muito pelo
contrário, os Benfeitores espirituais afirmaram, no século XIX, que “é
progresso na marcha da Humanidade[4].”
Implica em um regime de vivência pelo qual duas criaturas se confiam uma à
outra, no campo da assistência mútua. Consoante Emmanuel, “essa união reflete
as Leis Divinas que permitem seja dado um esposo para uma esposa, um
companheiro para uma companheira, um coração para outro coração ou vice-versa,
na criação e desenvolvimento de valores para a vida[5]”.
O Mentor do Chico Xavier ainda
elucida que “de todas as associações existentes na Terra, excetuando,
naturalmente, a Humanidade – nenhuma delas, talvez, é mais importante, em sua
função educadora e regenerativa, do que a constituição da família[6].”
Para o lúcido Emmanuel, “através do casal, estabelecido na família, funciona o
princípio da reencarnação, consoante as Leis Divinas, possibilitando o trabalho
executivo dos mais elevados programas de ação do Mundo Espiritual[7].”
Casamentos entre homem e mulher,
com adventos de filhos, sempre ocorrerão. Contudo, novos tempos têm apontado
para outros modelos de núcleo familiar. A velocidade dessas mudanças
comportamentais tem estremecido as estruturas fundamentais da família clássica.
Devemos estar cientes para esta realidade do mundo moderno. Ante os revolucionários
ventos comportamentais que dão vida à sociedade contemporânea, é urgente
compreendermos e apoiarmos famílias comandadas por mães solteiras e pais
solteiros, crianças criadas por avós, e parceiros(as) homoafetivos dignificados
pelo reto comportamento, que deliberaram adotar uma criança.
Como observamos, a família está
modificando-se na sua constituição clássica. Por isso mesmo, os estudiosos
ainda afirmam que a concepção de família, atualmente, é muito mais do que o
tradicional grupo formado pelo pai, mãe, filhos e avós, porque há muitos
solteiros que optaram por ter filhos sozinhos por adoção[8].
Para os cânones jurídicos, chama-se família monoparental aquela que a mãe ou o
pai vive com o seu filho ou filha sem manter relacionamento afetivo com o outro.
A Constituição de 1988 reconhece que a família é a base da sociedade e enumera
três tipos de famílias que merecem proteção jurídica e do Estado. São as
famílias advindas do casamento, da união estável e das relações de um dos pais
com seu filho, ou seja, a família monoparental.
No que tange aos conflitos
familiares, o Espiritismo fornece-nos meios para uma reflexão mais profunda. Em
primeiro lugar, não podemos descartar os resgates familiares, pois muitos
casamentos ainda são, na atualidade, uma tentativa de solucionar problemas não
resolvidos em outras encarnações. Em segundo lugar, como quitar nossas dívidas,
ante a contabilidade divina, se aos primeiros contratempos, dispersamo-nos com
o divórcio? É por essa razão, que uma separação não deve ser cogitada como
solução infalível, pois estaremos sempre desperdiçando uma excelente
oportunidade de redenção e crescimento espiritual. A desagregação familiar, que
as estatísticas mostram, é lamentável. É, sem dúvida, resultante de um apelo,
eminentemente, utilitarista (materialista), transmitido pelos diversos meios de
comunicação de massa, pela indução ao consumo inveterado, desde os produtos
mais elementares até aqueles que incentivam as fantasias no campo da erótica.
Nesse quadro, vão desviando o sentimento religioso, da fé e da esperança, que
perdem terreno e diminuem, sensivelmente, a capacidade humana de suportar um
sofrimento qualquer.
Enfim, para o Espiritismo, a
família é a célula-mater do organismo social. Qual seria, para a sociedade, “o
resultado do relaxamento dos laços familiares, senão o agravamento do egoísmo?[9]”
[1] O CONSOLADOR - Ano 16 - N° 793 - 9 de Outubro de 2022
- http://www.oconsolador.com.br/ano16/793/ca5.html
[2] A taxa de casamentos desde 1995 aumentou um pouco
segundo a pesquisa anual Estatísticas de Registro Civil do IBGE, disponível em
CENSO IBGE, acessado em 19 de novembro de 2009.
[3] O antigo Pátrio Poder mudou no novo Código Civil para
Poder Familiar. Na época do antigo Código Civil (1916) quem exercia o poder
sobre os filhos era o pai e não se falava no poder do pai e da mãe (pais). Mas
esta situação mudou e hoje a responsabilidade sobre os filhos é de ambos.
[4] Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de
Janeiro: Ed. FEB, 1999, item n° 695.
[5] Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo, ditado pelo
espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1972.
[6] Idem.
[7] Idem.
[8] A “Revista O Globo” de 12/10/2008 traz, em reportagem
de capa, a história do médico Sérgio D’Agostini, um bem-sucedido homem solteiro
de 43 anos, morador da Zona Sul carioca. Sérgio adotou um menino recém-nascido,
filho de uma moradora de rua, portador de várias doenças herdadas dos pais. Em
três tempos, pôs a vida do garoto em dia, mas pôs a sua de cabeça para baixo e
descobriu a saudável rotina de ser pai solteiro.
[9] Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de
Janeiro: Ed. FEB, 1999, item n° 775.
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