sexta-feira, 8 de julho de 2022

A SEGUNDA MORTE[1]

 

Roberto Valadão Fortes

 

Questão interessante e, portanto, digna de reflexões é aquela referente à possibilidade do Espírito seguir a sua marcha evolutiva despido do perispírito. Segundo Allan Kardec:

qualquer que seja o grau em que se encontre, o Espírito está sempre revestido de um envoltório, ou perispírito, cuja natureza se eteriza, à medida que ele se depura e eleva na hierarquia espiritual. (2004, p.87).

Todavia, no capítulo 6 do livro “Libertação”, de André Luiz (2004), são trazidas noções sobre o que se denominou “segunda morte” (p. 105). Conforme se infere do seu texto, há notícias de Espíritos missionários que, galgando planos mais altos, em razão de elevados títulos na vida superior, perderam o “veículo perispiritual”.

Também é explicado nessa obra que “o vaso perispírico é também transformável e perecível” (Luiz, 2004, p. 105), de modo que o pensamento impregnado de impulsos inferiores, quando colocado no centro de interesses fundamentais, faz com que os ignorantes e os maus, os transviados e os criminosos percam um dia a forma perispiritual.

Tais Espíritos, que perdem a forma perispiritual em razão da densidade dos seus pensamentos infelizes, conforme narrado por André Luiz na obra em comento, assumem os contornos de “pequenas esferas ovóides, cada uma das quais pouco maior que um crânio humano”(2004, p. 104).

A obra de André Luiz é clara em afirmar que o Espírito pode perder o seu perispírito em razão de agigantados méritos na seara do bem. Contudo, não é clara em relação à possibilidade de perda do perispírito em virtude de um nefasto monoideísmo, pois, ao tratar dessa situação, fala em perda da forma perispiritual e não na perda do perispírito, que, consoante se conclui sem maior esforço, revelam circunstâncias distintas.

De fato, a perda da forma perispiritual e a perda de perispírito encerram ideias distintas, sem qualquer ponto de contato. Na primeira situação, o perispírito existe, no entanto, sem a forma originária. Na segunda, o Espírito apresenta-se despido do seu perispírito.

Em relação à “segunda morte” dos Espíritos infelizes, tenho a seguinte hipótese: não há propriamente a perda do perispírito; há, sim, a perda da forma humana em virtude de séria lesão dos sutis tecidos que integram o psicossoma, causados por pensamentos dotados de elevada densidade degenerativa.

E, assim, cogito porque, conforme bem ressaltado por Allan Kardec, o Espírito - cuja constituição não pode ser investigada pelas limitações da ciência terrena – (2004) é um princípio inteligente, dotado de expansão natural indefinida, cuja ausência de forma poderia ser compreendida como uma realidade não material (2005a).

Desse modo, sem perispírito, o Espírito em estágio nas zonas de sofrimento não assumiria a forma de ovoide. Expandiria indefinidamente, assumindo aspecto de uma estrutura completamente amorfa, quiçá, abstrata, fora da realidade material até agora conhecida pelas hostes Espíritas.

Com relação à “segunda morte” dos Espíritos purificados, tenho também uma hipótese. A rigor, não haveria perda do perispírito. Haveria, sim, com o avanço do Espírito na hierarquia espiritual, uma sublimação tão profunda no psicossoma que acabaria, no final das contas, equivalendo a uma situação bem próxima da sua própria perda.

Daí em se falar em perda do perispírito para os Espíritos de escol.

As hipóteses ora levantadas, que não possuem amparo direto em qualquer outra obra que tenha lido, podem, naturalmente, residir no largo campo do equívoco.

Contudo, ouso dizer que me parecem consentâneas com a lógica do razoável porquanto, como expressamente colocado por Allan Kardec (2005b), por força de sua essência espiritual, o Espírito é um ser indefinido, abstrato. Logo, precisa do psicossoma para configurar um ser concreto, definido, apreensível pelo pensamento.

Ademais, sem definição, e, por conseguinte, sem qualquer limitação, o Espírito galgaria a infinitude, assimilando, por assim dizer, um dos atributos de Deus (2005a). E como não pode a criatura adquirir um dos atributos de Deus, sob pena de revelar uma contradição em termos, capaz, inclusive, de negar a própria existência do Criador e, por conseguinte, a realidade por Ele criada, há de se reconhecer no perispírito a sua indissociabilidade do Espírito.

Não se deseja com as palavras alhures esposadas diminuir a obra de André Luiz, até mesmo porque, sem ela, não haveria espaço para tal reflexão e outras até mais relevantes. Também não se deseja trazer a verdade definitiva sobre um tema delicado e complexo. Deseja-se, sim, prestar uma diminuta, mas sincera, contribuição à ciência espírita, que é, inegavelmente, progressista.

 

Referências:

 

§  Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos: Princípios da Doutrina Espírita : Espiritismo experimental. Tradução de Guillon Ribeiro da 49ª ed. francesa. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2005. 604p.

§  ____________. O Livro dos Médiuns, ou, guia dos médiuns e dos evocadores: espiritismo experimental. Tradução de Guillon Ribeiro da 49ª ed. francesa. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2004. 580p.

§  ____________. A Gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2005. Disponível em:

 http://www.febnet.org.br/apresentacao/1,0,0,389,0,0.html. Acesso em: 23 mar. 2007.

§  Luiz, André; [psicografado por] Xavier, Francisco Cândido. “Libertação”. 27ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004. 328 p.

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