Roberto Valadão Fortes
Questão interessante e,
portanto, digna de reflexões é aquela referente à possibilidade do Espírito
seguir a sua marcha evolutiva despido do perispírito. Segundo Allan Kardec:
qualquer que seja o grau em que se encontre, o Espírito
está sempre revestido de um envoltório, ou perispírito, cuja natureza se
eteriza, à medida que ele se depura e eleva na hierarquia espiritual. (2004,
p.87).
Todavia, no capítulo 6 do livro “Libertação”,
de André Luiz (2004), são trazidas noções sobre o que se denominou “segunda
morte” (p. 105). Conforme se infere do seu texto, há notícias de Espíritos
missionários que, galgando planos mais altos, em razão de elevados títulos na
vida superior, perderam o “veículo perispiritual”.
Também é explicado nessa obra
que “o vaso perispírico é também transformável e perecível” (Luiz, 2004, p.
105), de modo que o pensamento impregnado de impulsos inferiores, quando
colocado no centro de interesses fundamentais, faz com que os ignorantes e os
maus, os transviados e os criminosos percam um dia a forma perispiritual.
Tais Espíritos, que perdem a
forma perispiritual em razão da densidade dos seus pensamentos infelizes,
conforme narrado por André Luiz na obra em comento, assumem os contornos de
“pequenas esferas ovóides, cada uma das quais pouco maior que um crânio
humano”(2004, p. 104).
A obra de André Luiz é clara em
afirmar que o Espírito pode perder o seu perispírito em razão de agigantados
méritos na seara do bem. Contudo, não é clara em relação à possibilidade de
perda do perispírito em virtude de um nefasto monoideísmo, pois, ao tratar
dessa situação, fala em perda da forma perispiritual e não na perda do
perispírito, que, consoante se conclui sem maior esforço, revelam circunstâncias
distintas.
De fato, a perda da forma
perispiritual e a perda de perispírito encerram ideias distintas, sem qualquer
ponto de contato. Na primeira situação, o perispírito existe, no entanto, sem a
forma originária. Na segunda, o Espírito apresenta-se despido do seu
perispírito.
Em relação à “segunda morte” dos
Espíritos infelizes, tenho a seguinte hipótese: não há propriamente a perda do
perispírito; há, sim, a perda da forma humana em virtude de séria lesão dos
sutis tecidos que integram o psicossoma, causados por pensamentos dotados de
elevada densidade degenerativa.
E, assim, cogito porque,
conforme bem ressaltado por Allan Kardec, o Espírito - cuja constituição não
pode ser investigada pelas limitações da ciência terrena – (2004) é um
princípio inteligente, dotado de expansão natural indefinida, cuja ausência de
forma poderia ser compreendida como uma realidade não material (2005a).
Desse modo, sem perispírito, o
Espírito em estágio nas zonas de sofrimento não assumiria a forma de ovoide.
Expandiria indefinidamente, assumindo aspecto de uma estrutura completamente
amorfa, quiçá, abstrata, fora da realidade material até agora conhecida pelas
hostes Espíritas.
Com relação à “segunda morte”
dos Espíritos purificados, tenho também uma hipótese. A rigor, não haveria
perda do perispírito. Haveria, sim, com o avanço do Espírito na hierarquia
espiritual, uma sublimação tão profunda no psicossoma que acabaria, no final
das contas, equivalendo a uma situação bem próxima da sua própria perda.
Daí em se falar em perda do
perispírito para os Espíritos de escol.
As hipóteses ora levantadas, que
não possuem amparo direto em qualquer outra obra que tenha lido, podem,
naturalmente, residir no largo campo do equívoco.
Contudo, ouso dizer que me
parecem consentâneas com a lógica do razoável porquanto, como expressamente
colocado por Allan Kardec (2005b), por força de sua essência espiritual, o
Espírito é um ser indefinido, abstrato. Logo, precisa do psicossoma para
configurar um ser concreto, definido, apreensível pelo pensamento.
Ademais, sem definição, e, por
conseguinte, sem qualquer limitação, o Espírito galgaria a infinitude,
assimilando, por assim dizer, um dos atributos de Deus (2005a). E como não pode
a criatura adquirir um dos atributos de Deus, sob pena de revelar uma
contradição em termos, capaz, inclusive, de negar a própria existência do
Criador e, por conseguinte, a realidade por Ele criada, há de se reconhecer no
perispírito a sua indissociabilidade do Espírito.
Não se deseja com as palavras
alhures esposadas diminuir a obra de André Luiz, até mesmo porque, sem ela, não
haveria espaço para tal reflexão e outras até mais relevantes. Também não se
deseja trazer a verdade definitiva sobre um tema delicado e complexo.
Deseja-se, sim, prestar uma diminuta, mas sincera, contribuição à ciência
espírita, que é, inegavelmente, progressista.
Referências:
§ Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos:
Princípios da Doutrina Espírita : Espiritismo experimental. Tradução de Guillon
Ribeiro da 49ª ed. francesa. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.
2005. 604p.
§ ____________. O Livro dos Médiuns, ou, guia dos
médiuns e dos evocadores: espiritismo experimental. Tradução de Guillon Ribeiro
da 49ª ed. francesa. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. 2004. 580p.
§ ____________. A Gênese: os milagres e as
predições segundo o espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.
2005. Disponível em:
http://www.febnet.org.br/apresentacao/1,0,0,389,0,0.html. Acesso em: 23 mar. 2007.
§ Luiz, André; [psicografado por] Xavier, Francisco
Cândido. “Libertação”. 27ª ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
2004. 328 p.
[1] Espiritualidade e Sociedade - http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/F_autores/FORTES_Roberto_tit_Segunda_morte-A.htm
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