sábado, 11 de junho de 2022

OS TEMPOS SÃO CHEGADOS[1]

 

Marco Milani

 

Em diversas religiões, o “fim do mundo” é um evento previsto em seus textos sagrados e nas tradições orais. As predições escatológicas povoam as narrativas de igrejas e comunidades salvacionistas, geralmente com a apresentação de um cenário que marca a divisão entre bons e maus, eleitos e rejeitados, salvos e condenados. Não somente as linhas cristãs assumem um período que demarca a transição de uma era em decadência para outra renovada, mas também o Hinduísmo, o Zoroastrismo, o Islamismo e o Judaísmo, dentre outras.

O Espiritismo, como filosofia espiritualista, serve-se dos ensinos doutrinários apresentados por Kardec para a análise do contexto histórico e cultural das tradições, basicamente da judaico-cristã, para lançar luzes sobre a compreensão racional da marcha da humanidade.

No capítulo 18 da obra A Gênese, de Allan Kardec, intitulado “Os tempos são chegados” esclarece-se que há na Terra dois tipos de progresso: o físico e o moral. Enquanto o primeiro se refere às transformações geológicas que o planeta passa, o segundo diz respeito ao aprimoramento dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam, tomando a conduta de Jesus como modelo e guia.

Como o homem sempre progride e nunca retrograda em seu processo evolutivo, por mais imperceptível que seja o avanço moral sob as lentes de uma única encarnação, é no conjunto das experiências do ser que evidencia-se o seu desenvolvimento. A fieira reencarnatória do Espírito faz com que sua jornada seja única e individualizada, ocupando diferentes orbes e compartilhando vivências com outros seres em uma ampla rede solidária que constitui a comunidade espiritual.

Materialmente, planetas formam-se e colapsam-se. Estima-se que a idade da Terra seja de 4,5 bilhões de anos, assim como daqui a 1,8 bilhão de anos a vida orgânica cessará e em cerca de 5 bilhões de anos todo o planeta será absorvido pela expansão do Sol[2].

Para o Espírito, entretanto, bilhões de anos, trilhões de séculos ou qualquer medida temporal não alteram sua perenidade, acrescentando-se a situação de que o mundo espiritual preexiste e sobrevive ao mundo físico, portanto a idade do Universo materialmente conhecido não afeta a realidade espiritual. A própria noção de tempo que possuem os encarnados desaparece perante a imortalidade da alma e, quanto mais evoluído é o Espírito, os conceitos de passado, presente e futuro assumem características que estamos longe de compreender.

No Universo, tudo está em harmonia conforme a vontade soberana de Deus e o que parece ser uma perturbação nada mais é do que uma percepção limitada do homem que não compreende o todo[3].

Considerando que o progresso é uma Lei da Natureza, depreende-se que todos realizarão a perfeição de que o Espírito é suscetível e o nível moral dos habitantes da Terra atingirá um estágio de regeneração, superando a classificação atual de mundo de expiações e provas, conforme escala evolutiva[4].

Uma das percepções limitadas (e equivocadas) do homem é a suposição de que todo o progresso do Espírito ocorre na Terra. Desde o momento em que o Espírito desperta para a razão e moralidade, ele assume responsabilidade sobre os seus atos e aprende com as respectivas consequências, sendo impulsionado pelas próprias Leis Naturais a autoconhecer-se e atuar em consonância com a própria consciência. Para tanto, o Espírito encarna em inúmeros corpos e condições físicas no Universo, a partir dos mundos primitivos. A Terra é um minúsculo ponto nessa trajetória e os corpos aqui existentes não contêm todas as desconhecidas constituições físicas possíveis. Exercita-se, inadvertidamente, a especulação de qual seria o animal mais inteligente neste planeta que poderia vincular-se à transição para o homem mais primitivo, ignorando-se o resto do Universo.

Mas afinal, que tempos são esses que foram anunciados pelos Espíritos a Kardec?

Como referência evolutiva, quanto mais próximo da autorrealização espiritual pelo seu  desenvolvimento moral e intelectual, mais feliz será o ser humano.

Uma vez que todos se autorrealizarão, inexoravelmente, todos superarão, por mérito individual, a necessidade de experiências reencarnatórias em locais dominados pelas sensações brutas e paixões para vivenciar o convívio norteado pela sabedoria e pela fraternidade. Como em qualquer mundo, são os habitantes que caracterizam o estágio evolutivo da Terra. Atualmente, por força do progresso, vislumbra-se o cenário no qual a prática da caridade em sua verdadeira acepção e o conhecimento da realidade promoverão o bem comum.

A expressão “os tempos são chegados” destaca que os homens e, consequentemente, as sociedades nas quais participam, estão em dinâmico aprimoramento moral e intelectual, devendo atrair e serem atraídos para os contextos necessários à autorrealização. Por uma questão de afinidade e harmonia natural, os Espíritos conviverão entre si e habitarão os planetas mais condizentes com o próprio nível evolutivo. Entre uma e outra categoria de mundos habitados, há inúmeras gradações. Assim, mais importante que a classificação moral que um orbe pode ter, é saber que o tempo já chegou para cada indivíduo demonstrar o esforço individual para construir o verdadeiro Reino de Deus dentro de si mesmo, seja na Terra ou em mundos que nem suspeitamos existir.



[1] Revista Digital Dirigente Espírita -  maio / junho 2022 - ano 32 - edição 189

  https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/05/de189.pdf

[2] RUSHBY, A. J. et al. Habitable Zone Lifetimes of Exoplanets around Main Sequence Stars. Astrobiology. V. 13, N. 9. Disponível em  https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/ast.2012.0938?journalCode=ast.

[3] KARDEC, Allan. A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Cap. 18, item 4. Tradução da 4ª edição francesa. São Paulo: USE, 2021.

[4] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. 3, item 4. São Paulo: LAKE, 2003.

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