Marco Milani
Em diversas religiões, o “fim do
mundo” é um evento previsto em seus textos sagrados e nas tradições orais. As
predições escatológicas povoam as narrativas de igrejas e comunidades salvacionistas,
geralmente com a apresentação de um cenário que marca a divisão entre bons e
maus, eleitos e rejeitados, salvos e condenados. Não somente as linhas cristãs
assumem um período que demarca a transição de uma era em decadência para outra
renovada, mas também o Hinduísmo, o Zoroastrismo, o Islamismo e o Judaísmo,
dentre outras.
O Espiritismo, como filosofia
espiritualista, serve-se dos ensinos doutrinários apresentados por Kardec para
a análise do contexto histórico e cultural das tradições, basicamente da
judaico-cristã, para lançar luzes sobre a compreensão racional da marcha da
humanidade.
No capítulo 18 da obra A
Gênese, de Allan Kardec, intitulado “Os tempos são chegados” esclarece-se
que há na Terra dois tipos de progresso: o físico e o moral. Enquanto o
primeiro se refere às transformações geológicas que o planeta passa, o segundo
diz respeito ao aprimoramento dos Espíritos encarnados e desencarnados que o
povoam, tomando a conduta de Jesus como modelo e guia.
Como o homem sempre progride e
nunca retrograda em seu processo evolutivo, por mais imperceptível que seja o
avanço moral sob as lentes de uma única encarnação, é no conjunto das
experiências do ser que evidencia-se o seu desenvolvimento. A fieira
reencarnatória do Espírito faz com que sua jornada seja única e
individualizada, ocupando diferentes orbes e compartilhando vivências com
outros seres em uma ampla rede solidária que constitui a comunidade espiritual.
Materialmente, planetas
formam-se e colapsam-se. Estima-se que a idade da Terra seja de 4,5 bilhões de
anos, assim como daqui a 1,8 bilhão de anos a vida orgânica cessará e em cerca
de 5 bilhões de anos todo o planeta será absorvido pela expansão do Sol[2].
Para o Espírito, entretanto,
bilhões de anos, trilhões de séculos ou qualquer medida temporal não alteram
sua perenidade, acrescentando-se a situação de que o mundo espiritual preexiste
e sobrevive ao mundo físico, portanto a idade do Universo materialmente
conhecido não afeta a realidade espiritual. A própria noção de tempo que possuem
os encarnados desaparece perante a imortalidade da alma e, quanto mais evoluído
é o Espírito, os conceitos de passado, presente e futuro assumem
características que estamos longe de compreender.
No Universo, tudo está em
harmonia conforme a vontade soberana de Deus e o que parece ser uma perturbação
nada mais é do que uma percepção limitada do homem que não compreende o todo[3].
Considerando que o progresso é
uma Lei da Natureza, depreende-se que todos realizarão a perfeição de que o
Espírito é suscetível e o nível moral dos habitantes da Terra atingirá um
estágio de regeneração, superando a classificação atual de mundo de expiações e
provas, conforme escala evolutiva[4].
Uma das percepções limitadas (e equivocadas)
do homem é a suposição de que todo o progresso do Espírito ocorre na Terra.
Desde o momento em que o Espírito desperta para a razão e moralidade, ele
assume responsabilidade sobre os seus atos e aprende com as respectivas consequências,
sendo impulsionado pelas próprias Leis Naturais a autoconhecer-se e atuar em
consonância com a própria consciência. Para tanto, o Espírito encarna em
inúmeros corpos e condições físicas no Universo, a partir dos mundos primitivos.
A Terra é um minúsculo ponto nessa trajetória e os corpos aqui existentes não
contêm todas as desconhecidas constituições físicas possíveis. Exercita-se, inadvertidamente,
a especulação de qual seria o animal mais inteligente neste planeta que poderia
vincular-se à transição para o homem mais primitivo, ignorando-se o resto do Universo.
Mas afinal, que tempos são esses
que foram anunciados pelos Espíritos a Kardec?
Como referência evolutiva,
quanto mais próximo da autorrealização espiritual pelo seu desenvolvimento moral e intelectual, mais
feliz será o ser humano.
Uma vez que todos se
autorrealizarão, inexoravelmente, todos superarão, por mérito individual, a
necessidade de experiências reencarnatórias em locais dominados pelas sensações
brutas e paixões para vivenciar o convívio norteado pela sabedoria e pela
fraternidade. Como em qualquer mundo, são os habitantes que caracterizam o
estágio evolutivo da Terra. Atualmente, por força do progresso, vislumbra-se o
cenário no qual a prática da caridade em sua verdadeira acepção e o
conhecimento da realidade promoverão o bem comum.
A expressão “os tempos são
chegados” destaca que os homens e, consequentemente, as sociedades nas quais
participam, estão em dinâmico aprimoramento moral e intelectual, devendo atrair
e serem atraídos para os contextos necessários à autorrealização. Por uma
questão de afinidade e harmonia natural, os Espíritos conviverão entre si e
habitarão os planetas mais condizentes com o próprio nível evolutivo. Entre uma
e outra categoria de mundos habitados, há inúmeras gradações. Assim, mais
importante que a classificação moral que um orbe pode ter, é saber que o tempo
já chegou para cada indivíduo demonstrar o esforço individual para construir o
verdadeiro Reino de Deus dentro de si mesmo, seja na Terra ou em mundos que nem
suspeitamos existir.
[1] Revista Digital Dirigente Espírita - maio / junho 2022 - ano 32 - edição 189
[2] RUSHBY, A. J. et al. Habitable Zone Lifetimes of
Exoplanets around Main Sequence Stars. Astrobiology. V. 13, N. 9. Disponível
em https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/ast.2012.0938?journalCode=ast.
[3] KARDEC, Allan. A Gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. Cap. 18, item 4. Tradução da 4ª edição francesa. São
Paulo: USE, 2021.
[4] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo.
Cap. 3, item 4. São Paulo: LAKE, 2003.
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