terça-feira, 25 de janeiro de 2022

A RESPONSABILIDADE MORAL[1]

 

Allan Kardec

 

(Sociedade de Paris, 9 de julho de 1867 – Médium: Sr. Nivard)

 

Assisto a todas as tuas conversas mentais, mas sem as dirigir; teus pensamentos são emitidos em minha presença, mas eu não os provoco. É o pressentimento dos casos, que têm alguma chance de se apresentar, que faz nascer em ti os pensamentos adequados à resolução das dificuldades que poderiam te suscitar. Aí está o livre-arbítrio; é o exercício do Espírito encarnado, tentando resolver problemas que suscita em si mesmo.

Com efeito, se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de ter seguido os bons. Ora, esta responsabilidade e este mérito evidentemente seriam menores do que se fossem o inteiro resultado do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito, que, neste caso, age sem qualquer solicitação.

Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam são o resultado do exercício intelectual, do mesmo modo que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal.

Daí não se deveria concluir que o homem não fosse assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que o cercam; muito ao contrário; os Espíritos, sejam benevolentes, sejam malévolos, muitas vezes são a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos; mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, agindo, pensais fazê-lo em virtude de vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e os que realizais sob a influência dos Espíritos, senão no grau do mérito ou da responsabilidade.

Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que esse princípio que enuncio não precisa de demonstração; para o provar, bastar-me-á fazer uma comparação no que existe entre vós.

Se um homem cometeu um crime, e o fez seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre ele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo, concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; irá mais longe: punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime e, mesmo sem haver contribuído de outra maneira, este homem será mais severamente punido do que o que foi o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que o fez executar. Pois bem! Se assim fazem os homens, diminuindo a responsabilidade do criminoso e a partilhando com o infame que o impeliu a cometer o crime, como quereríeis que Deus, que é a justiça mesma, não fizesse o mesmo, já que vossa razão vos diz que é justo agir assim?

No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade, e pode demonstrar-se invertendo a proposição.

Assim, pois, quando te acontece refletir e passar tuas ideias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando analisas, quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem; eles lá estão, perto de ti, e te escutam; veem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplo, quando veem que tuas conclusões são conforme à verdade.

Por vezes lhes acontece, evidentemente, que se misturem nesse exercício, quer para o facilitar, quer para dar ao Espírito alguns alimentos, ou lhe criar algumas dificuldades, a fim de tornar esta ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica.

Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.

Teu pai, que vela por ti, e que está contente por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave moléstia).

Louis Nivard



[1] Revista Espírita – Agosto/1867 – Allan Kardec

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