José Lázaro Boberg[2]
Ancoremo-nos, primeiro, no
conceito exposto pelos Espíritos que, sintetizado por Kardec, oferece-nos base
para reflexão. Todos nascem simples e ignorantes, com a liberdade de escolhas
para o bem ou para o mal. São dotados de um potencial para vir a ser, que será
atualizado por si mesmos, sem qualquer interferência de um Deus externo. É
assim que
O livre-arbítrio se
desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Não
haveria mais liberdade, se a escolha fosse provocada por uma causa
‘independente’ da vontade do Espírito. A causa não está nele, é exterior a ele,
nas influências às quais cede em virtude de sua livre vontade[3].
Os Espíritos, em sua origem, se
assemelhariam a crianças ignorantes e sem experiências, adquirindo, só pouco a
pouco, a maturidade, rumo à ascese evolutiva. Iniciam, assim, em relação ao
livre-arbítrio, da estaca zero e, num crescendo, ampliam a maturidade de
escolha.
Atente que a vontade é sempre
pessoal, senão não haveria mérito na construção do patrimônio espiritual. Não
há um monitoramento de um Deus externo – embora, por força de crenças, muitos
pensem assim – caso contrário, não teríamos responsabilidade alguma de nossos
atos. Pergunta-se, então, como crescer se temos um arbítrio que não é livre?
Seríamos dependentes de uma vontade
externa que daria as ordens para fazer ou não fazer.
Ora, a maior prerrogativa que a
filosofia espírita nos oferece é que o ser alcance, gradativamente, a própria
liberdade, tornando-se independente...
Aprender é um processo
‘personalíssimo’ que não pode ser terceirizado a ninguém. Ademais, o
desenvolvimento do livre-arbítrio é um processo infinito, razão pela qual,
quanto mais adquirimos experiência, erramos menos e, por essa razão, fazemos
escolhas mais inteligentes.
Para conceituarmos o
livre-arbítrio, é preciso posicionar-nos a respeito da ideia de que fazemos de
Deus. De um modo geral, ainda grassa em nossos meios, a interpretação dada
pelas religiões Abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) que se assenta
no conceito do Deus antropomórfico – um Deus
pessoal – que, de algum lugar do paraíso, comanda tudo. O Espiritismo, tão
somente religioso, segue nessa esteira de entendimento de que “Deus está no
comando”. Desperte! Na verdade, quem está no comando é você mesmo! Esse Deus
exterior é uma utopia!
Temos questionado em nossos
livros, o que é mais racional: Ser dotado do livre-arbítrio, ou ser governado por um Deus pessoal interventor?
Dependendo de sua resposta, é a
crença que você expressa sobre Deus. De nossa parte, adotamos o livre-arbítrio,
como jurisdição da lei natural, presente na própria consciência. Atente que ou
aceitamos o livre-arbítrio, prerrogativa de independência no processo evolutivo, ou cremos na dependência de um Deus intercessor.
Você escolhe! Não se pode falar em livre-arbítrio, se existe um Deus externo
decidindo por nós. Então, precisamos nos posicionar quanto a essa ideia.
Caso contrário, haverá choque de
interpretação, como sói acontecer nos meios religiosos, no sentido de sermos
‘livres’ para fazer escolhas, e, ao mesmo tempo, temos um arbítrio que não é
livre. Esse conceito não fecha com a proposta do Espiritismo, embora muitos no
Movimento espírita façam essa confusão.
Precisamos parar de ver o
paraíso como “um lugar”, e entendê-lo como um “estado mental”, pois “o Reino de
Deus está dentro de nós”. Atentemos para o detalhe: Se Deus escolhesse por nós,
não teríamos responsabilidade alguma por nossos atos e, então, seria válido
dizer que “Deus quis assim”. Seríamos então, meros marionetes... Essa fantasia,
no entanto, é a que prospera na maioria dos meios religiosos tradicionais.
Nunca somos responsáveis por nada; afinal Deus comanda tudo... Essa imagem de
Deus ‘apartado’ de nós é alegórica, naturalmente; não faz mal, no entanto, que
muitos pensem assim, se é desse modo que O compreendem. Afinal, Deus tem a
forma que cada um lhe dá...
De nossa parte, não aceitamos a
ideia judaica do Deus-pessoa, do Velho Testamento, uma entidade colérica,
vingativa e malevolente, que comanda externamente a vida de cada criatura,
válida naquele momento histórico, para aquele povo ainda embrutecido.
Aceitamo-lo como uma “Inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas”.
Entendamos que erros não
acarretam castigos de Deus, como comumente se ouve nas pregações religiosas,
mas tão-somente consequências dos nossos enganos ao longo dos anos... Então,
escolher certo ou errado é prerrogativa do Espírito, a caminho da aprendizagem,
sem qualquer interferência de Deus[4].
Por isso, os coadjutores
disseram a Kardec, em O Livro dos Espíritos,
na Questão 123:
Já não haveria
liberdade se a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade
do Espírito. A sabedoria de Deus está na liberdade de escolha que deixa a cada
um, pois cada um tem o mérito de suas obras.
Temos insistido que duas são as
teorias que se contrapõem quanto à ideia de Deus: o Teísmo e o Deísmo[5].
A primeira nos conduz à crença de um Deus
no comando; na segunda, Você está no
comando. Numa, um arbítrio que não é
livre e na outra, você é o autor do
arbítrio. É comum diante de situações difíceis, na impotência da solução de
um desafio, entregar tudo, de acordo com fé religiosa, nas mãos de Deus, dos Espíritos,
dos santos, dos anjos, de Jesus, do Espírito Santo, entre outros. Nesse caso,
adeus livre-arbítrio!
Veja, então, o ‘porquê’ de nossa
insistência quanto ao posicionamento da ideia que fazemos de Deus, para que
entendamos o conceito de livrearbítrio. Concordamos, nessa linha de
entendimento, com Rohden em seu livro Cosmoterapia[6],
p. 45, quando afirma:
a concepção
teológica dualista de que Deus seja alguma entidade justaposta ao Universo,
algo fora do cosmo, algum indivíduo, alguma pessoa, é certamente a mais
primitiva e infantil de todo as ideologias da Humanidade.
Entenda, pois, sem qualquer
sentido ideológico, quem está no comando
é você mesmo, quando aciona o livre-arbítrio. Você é, potencialmente, a
própria expressão de Deus em evolução! Entenda que as escolhas certas ou
erradas fazem parte do mecanismo da aprendizagem.
Tem-se, assim, a prerrogativa do
livrearbítrio, que independe de qualquer fé religiosa, de escolher o que melhor
lhe aprouver, quer sejam escolhas certas, quer sejam erradas. Entenda-se, pois,
que o livre-arbítrio não nasce pronto. Ele surge de forma embrionária,
desenvolvendo-se, gradativamente, à medida que o Espírito adquire consciência
de si mesmo.
Quando o espírito
(princípio inteligente), após ensaios nos seres anteriores da criação, alcança
a condição de Espírito, como ‘individualização’ do princípio inteligente, com o
surgimento da razão e do livre-arbítrio, está ainda em estado infantil.
Buscará, no entanto, a construção seu crescimento, tornando-se cada vez mais
maduro, num processo sempre progressivo. É tal como o símbolo da espiral, que
nunca fecha[7].
Então, o livre-arbítrio, sendo
conquista pessoal, não pode estar sob o comando de um Deus-pessoa, externo.
Errar ou acertar são consequências das opções felizes e infelizes, fazem parte
da pedagogia cósmica, em que criatura é responsável pela sua própria evolução.
Podemos afirmar, nesse recorte, que todas as ações humanas são legítimas, sem
qualquer premiação ou castigo, pois derivam do livre-arbítrio. Repetindo: não existe
um Deus-pessoa no comando; aquilo que chamamos de Deus se manifesta através de
leis eternas e imutáveis que não mudam. Nós é que devemos nos adaptar a elas,
pois, como diz Kardec, na Questão 614, de O
Livro dos Espíritos “o homem só é infeliz quando delas se afasta”.
Vale aqui o conceito que
expendemos em nosso livro O código penal
dos Espíritos, alertando que o julgamento de nossos equívocos, por conta do
livre-arbítrio, não está sujeito a castigo divino, uma vez tratar-se de
mecanismo de aprendizagem, através da própria consciência, onde está inscrita a
Lei de Deus (Lei Natural).
[1] Dirigente
Espírita – Edição nº 181 – Janeiro/Fevereiro 2021
[2] José Lázaro Boberg é formado em Pedagogia e em Direito
É advogado e mestre em Direito. É escritor e palestrante espírita
[3] Kardec Allan. O
livro dos Espíritos, Livro Segundo, Capítulo 1 ‒ DOS ESPÍRITOS - Progressão
dos Espíritos, questão 122.
[4] BOBERG, José Lázaro. Para falar com Deus, lição 15, o sentido de “A Deus tudo é
possível”, Editora EME.
[5] BOBERG, José Lázaro. Leis de Deus eterna e imutáveis – Peça e receba, o universo conspira a seu favor e Seja feita a sua vontade, a força do querer,
todos editados pela EME.
[6] ROHDEN, Huberto. Cosmoterapia,
p. 45. Editora Alvorada.
[7] BOBERG,
José Lázaro. Seja feita a sua vontade,
2.ª Parte, cap. 12, Editora EME.
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