terça-feira, 26 de outubro de 2021

O MAGNETISMO E O ESPIRITISMO COMPARADOS[1]

 


Allan Kardec

 

(Sociedade de Paris, 17 de maio de 1867 – Médium: Sr. Desliens)

 

Em vida ocupei-me da prática do magnetismo, do ponto de vista exclusivamente material; ao menos assim o cria. Hoje sei que a elevação voluntária ou involuntária da alma, que faz desejar a cura do doente, é uma verdadeira magnetização espiritual.

A cura se deve a causas excessivamente variáveis: Tal doença, tratada de tal maneira, cede ante a força de ação material; tal outra, que é idêntica, mas menos acentuada, não experimenta qualquer melhora, embora os meios curativos empregados talvez sejam ainda mais poderosos. A que se devem, então, essas variações de influências? – A uma causa ignorada pela maioria dos magnetizadores, que não se atacam senão aos princípios mórbidos materiais; elas são consequência da situação moral do indivíduo.

A doença material é um efeito; para destruí-lo não basta atacá-lo, tomá-lo corpo-a-corpo e aniquilá-lo. Como a causa existe sempre, reproduzirá novos efeitos mórbidos quando estiver afastada a ação curativa.

O fluido transmissor da saúde no magnetismo é um intermediário entre a matéria e a parte espiritual do ser, e que poderia comparar-se ao perispírito. Ele une dois corpos um ao outro; é um ponto sobre o qual passam os elementos que devem operar a cura nos órgãos doentes. Sendo um intermediário entre o Espírito e a matéria, por força de sua constituição molecular, esse fluido pode transmitir tão bem uma influência espiritual quanto uma influência puramente animal.

Em última análise, que é o Espiritismo, ou antes, que é a mediunidade, essa faculdade até aqui incompreendida, e cuja extensão considerável estabeleceu sobre bases incontestáveis os princípios fundamentais da nova revelação? É pura e simplesmente uma variedade da ação magnética exercida por um ou vários magnetizadores desencarnados, sobre um paciente humano agindo no estado de vigília ou no estado extático, consciente ou inconscientemente.

Por outro lado, que é o magnetismo? Uma variedade do Espiritismo, na qual Espíritos encarnados agem sobre outros Espíritos encarnados.

Finalmente, existe uma terceira variedade do magnetismo ou do Espiritismo, conforme se tome por ponto de partida a ação dos encarnados sobre os encarnados, ou a dos Espíritos relativamente livres sobre Espíritos aprisionados num corpo; esta terceira variedade, que tem por princípio a ação dos encarnados sobre os Espíritos, revela-se no tratamento e na moralização dos Espíritos obsessores.

Assim, o Espiritismo não é senão magnetismo espiritual, e o magnetismo outra coisa não é senão Espiritismo humano.

De fato, como procede o magnetizador que quer submeter à sua influência um sensitivo sonambúlico? Envolve-o em seu fluido; ele o possui numa certa medida e, notai-o bem, sem jamais conseguir aniquilar seu livre-arbítrio, sem dele poder fazer coisa sua, um instrumento puramente passivo. Muitas vezes o magnetizado resiste à influência do magnetizador e age num sentido quando este desejaria que a ação fosse diametralmente oposta. Embora no geral o sonâmbulo esteja adormecido e o seu próprio Espírito aja enquanto o seu corpo fica mais ou menos inerte, também acontece, porém mais raramente, que o sensitivo, simplesmente fascinado, iluminado, fique em vigília, posto que com maior tensão de espírito e uma inabitual exaltação de suas faculdades.

E agora, como procede o Espírito que deseja comunicar-se? Envolve o médium com o seu fluido; em certa medida o possui, sem jamais dele fazer coisa sua, um instrumento puramente passivo. Talvez me objetareis que nos casos de obsessão, de possessão, o aniquilamento do livre-arbítrio parece ser completo. Muito haveria a dizer sobre esta questão, porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é nulificado, como foi possível constatar em muitas ocasiões. Encontro no próprio fato da obsessão uma confirmação, uma prova em apoio de minha teoria, lembrando que a obsessão também se exerce de encarnado a encarnado, e que se tem visto magnetizadores aproveitando o domínio que exerciam sobre os seus sonâmbulos, para os levar a cometer ações censuráveis. Como sempre, aqui a exceção confirma a regra.

Embora no geral o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se instala no médium e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético nas mesmas circunstâncias.

Enfim, como procedeis relativamente aos Espíritos obsessores ou simplesmente inferiores, que desejais moralizar? Agis sobre eles por atração fluídica; magnetizai-os, na maioria das vezes inconscientemente, para os reter em vosso círculo de ação; algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis em torno deles uma camada fluídica, que não podem penetrar sem a vossa permissão, e agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessenciada.

Como vos foi dito muitas vezes, não há lacunas na obra da Natureza, nem saltos bruscos, mas transições insensíveis, que fazem que se passe pouco a pouco de um a outro estado, sem que não se perceba a mudança senão pela consciência de uma situação melhor.

O magnetismo é, pois, um grau inferior do Espiritismo, e que insensivelmente se confunde com este último por uma série de variedades, pouco diferindo um do outro, como o animal é um estado superior da planta etc. Num caso, como no outro, são dois degraus da escada infinita, que liga todas as criações, desde o ínfimo átomo até Deus criador! Acima de vós está a luz ofuscante, que os vossos fracos olhos ainda não podem suportar; abaixo estão as trevas profundas, que os vossos mais poderosos instrumentos de óptica ainda não puderam iluminar. Ontem nada sabíeis; hoje vedes o abismo profundo no qual se perde a vossa origem. Pressentis o objetivo infinitamente perfeito, para o qual tendem todas as vossas aspirações. E a quem deveis todos esses conhecimentos? Ao magnetizador! Ao Espiritismo! A todas as revelações que decorrem de uma lei de relação universal entre todos os seres e seu Criador! A uma ciência surgida ontem por vossa concepção, mas cuja existência se perde na noite dos tempos, porque é uma das bases fundamentais da Criação.

De tudo isto concluo que o magnetismo, desenvolvido pelo Espiritismo, é a pedra angular da saúde moral e material da Humanidade futura.

E. Quinemant

 

Observação – A justeza das apreciações e as profundezas do novo ponto de vista, que encerra esta comunicação, a ninguém escaparão. Embora partido há pouco tempo, o Sr. Quinemant se revela, inicialmente e sem a menor hesitação, como um Espírito de incontestável superioridade. Apenas desprendido da matéria, que não parece ter deixado qualquer traço sobre ele, desdobra suas faculdades com uma força notável, que promete aos seus irmãos da Terra mais um bom conselheiro.

Os que pretendiam que o Espiritismo se arrastasse na rotina dos lugares-comuns e das banalidades, podem ver, pelas questões que ele aborda desde algum tempo, se fica estacionário; e o verão ainda melhor à medida que lhe for permitido desenvolver as suas consequências. Entretanto, a bem dizer, ele não ensina nada de novo. Se se estudar cuidadosamente os seus princípios constitutivos fundamentais, ver-se-á que encerram os germes de tudo; mas esses germes não podem desenvolver-se senão gradualmente; se nem todos florescem ao mesmo tempo, é que a extensão do círculo de suas atribuições não depende da vontade dos homens, mas da dos Espíritos, que regulam o grau de seu ensino conforme a oportunidade. É em vão que os homens queriam antecipar-se sobre o tempo; não podem constranger a vontade dos Espíritos, que agem conforme as inspirações superiores e não se deixam levar pela impaciência dos encarnados; se necessário, eles sabem tornar estéril essa impaciência. Deixai-os, pois, agir; fortifiquemo-nos no que eles ensinam, e estejamos certos de que saberão, em tempo útil, fazer que o Espiritismo dê o que deve dar.



[1] Revista Espírita – Junho/1867 – Allan Kardec

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